quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Recordando 2000

por Paulo Neto

Já passaram vinte anos desde que acolhemos a chegada do ano 2000 e no entanto ainda parece que foi ontem!

Ao longo do século XX (e quiçá até antes), o ano 2000 estava carregado de misticismo. Dos receios apocalípticos ("a mil chegarás, de dois mil não passarás") às mais espectaculares visões do futuro, a mudança para o número 2 no primeiro algarismo dos anos da era cristã dava azo à imaginação. E sem dúvida que a passagem de ano de 1999 para 2000 foi sem dúvida uma das mais globalmente celebradas, sobretudo depois de afastados os receios do bug Y2K.
Claro que se queremos ser matematicamente correctos, o ano 2000 foi o último ano do século XX e do segundo milénio d.C. , com o novo século e milénio a começar de facto em 2001. Mas para quase todos, o ano 2000 representava um novo início. E foi em auto-celebração que o mundo acolheu esse ano, quando ainda a palavra globalização era sobretudo uma promessa de progresso e união mundial e onde ainda era fácil acreditar que a humanidade caminhava a passos largos para algo melhor. (Infelizmente essa ilusão seria literalmente estilhaçada no ano seguinte e desde então parece que tem tudo sido colina abaixo).
Também para mim o ano 2000 foi também um início de ciclo já que foi nesse ano que completei vinte anos. Pessoalmente foi um ano agridoce para mim: por um lado, houve uma crise na minha família e o segundo ano da minha licenciatura foi de longe o mais complicado; por outro, foi finalmente o ano em que pus o pé fora de solo português, numa viagem à Galiza uns dias depois do meu aniversário. (Desde então, os meus pés já foram postos em dez países estrangeiros).
Na minha opinião, apesar da sua mística, e sobretudo se comparado com 1999, não creio que 2000 tenha sido um ano super marcante no cômputo geral. Mas ainda assim teve bastante acontecimentos e hoje vamos recordar 20 coisas que aconteceram nesse ano.



1. O Sporting voltou a ser campeão ao fim de dezoito anos
Quando em 1982 os leões conquistaram o seu 16.º campeonato nacional decerto que ninguém imaginaria que teriam de esperar até ao ano 2000 para poderem erguer o décimo sétimo troféu, com o FC Porto e o Benfica a vencerem todos os títulos de permeio e somente uma Taça de Portugal (1995) e duas Supertaças (1987 e 1995) foram parar a Alvalade.



Mas na época 1999/2000, ao fim de dezoito anos, o Sporting finalmente voltou a conquistar o mais almejado título nacional de futebol. Comandados por Augusto Inácio e com um plantel que reunia nomes como Peter Schmeichel, Beto, Rui Jorge, Quim Berto, Aldo Duscher, Toñito, Iordanov, Afonso Martins e Beto Acosta, os leões puseram fim a uma série de cinco títulos consecutivos do FC Porto. A emoção durou até ao fim: uma vitória do Benfica em Alvalade adiou a decisão para a última jornada, com o Sporting a confirmar o triunfo diante uma vitória frente ao Salgueiros.
O Sporting voltaria a ser campeão duas épocas mais tarde, mas desde então já se passaram mais dezoito anos...



2. Glória e drama para Portugal no EURO 2000


Figo e Nuno Gomes marcaram contra a Inglaterra
A Alemanha caiu ao pés de Sérgio Conceição
O descalabro após a mão na bola de Abel Xavier




A Bélgica e a Holanda organizaram conjuntamente o Campeonato da Europa de 2000 (quando já se sabia que Portugal iria acolher o seguinte). Para mim, é capaz de ter sido uma das melhores edições da competição, com bom futebol praticado e muitos jogos repletos de emoção. Recomendo vivamente o texto que o Francisco Ramalheira escreveu no seu blogue sobre o EURO 2000. A selecção portuguesa foi sem dúvida uma das grandes protagonistas desse Europeu com uma campanha brilhante que nos fez sonhar que o caneco era possível. E as coisas de início até nem pareciam muito favoráveis ao termos sido incluído num grupo com as sempre poderosas Alemanha e Inglaterra, mais a Roménia que tinha ficado à nossa frente no grupo de qualificação. Dois golos ingleses no início do primeiro jogo pareceriam confirmar tudo isso mas eis que de repente golos de Figo e João Pinto empatam a partida antes do intervalo e Nuno Gomes faz depois o golo da reviravolta. Contra a Roménia, um inspirado momento de Costinha já na recta final do jogo decide as coisas a nosso favor. Com os quartos de final e o primeiro lugar do grupo garantidos, Portugal dá-se ao luxo de jogar contra a Alemanha sem vários dos titulares habituais e mesmo assim humilha a Mannschaft num hat-trick de Sérgio Conceição. Nos quartos contra a Turquia, Nuno Gomes bisa e Vítor Baía defende um penalty. Na meia-final contra a França, tudo parecia continuar sobre rodas com outra vez Nuno Gomes a marcar, inaugurando o marcador. Um golo de Henry leva o jogo para prolongamento e aí o descalabro: Abel Xavier toca com o braço na bola, o árbitro austríaco Gunter Benko assinala grande penalidade, os jogadores portugueses perdem a cabeça e Zidane converte facilmente o penalty, levando os gauleses até à final onde bateriam a Itália. Foi um final demasiado triste para aquela que tinha sido uma campanha de sonho de Portugal mas ficou no ar a impressão que vencer uma grande competição poderia ser possível. E foi, embora até lá ainda faltassem dezasseis anos...

Resumo do emocionante Portugal-Inglaterra:


3. O Chanquete de "O Verão Azul" morreu na vida real
O actor espanhol ficaria para a posterioridade do imaginário ibérico (e não só) como o rude mas amável pescador Chanquete na mítica série "O Verão Azul" e o episódio da morte da personagem foi sem dúvida o momento mais triste de toda a trama. Mas a 16 de Outubro de 2000, Antonio Ferrandis acabaria por falecer na vida real aos 79 anos.
Foi também em 2000 que nos despedimos de Charles Schulz, o criador da banda desenhada "Peanuts" (do Charlie Brown e do Snoopy); da actriz e inventora Hedy Lamarr; da cantora israelita Ofra Haza; de Ian Dury, o cantor de "Sex & Drugs & Rock'n'roll"; da "actriz" francesa Lolo Ferrari famosa pelos seus peitos descomunais; da rainha dos romances cor-de-rosa Barbara Cartland; dos actores Walter Matthau, Alec Guinness e Jason Robards; do lendário campeão olímpico checo Emil Zatopek; da cantora britânica Kirsty McColl e do músico Ben Orr, baixista da banda Cars e cantor do seu famoso hit "Drive".

In Memoriam 2000: Antonio Ferrandis, Hedy Lamarr, Walter Matthau, Emil Zatopek 



4. Nasceram futuras estrelas na música e no desporto
Foi no ano 2000 que nasceram algumas das mais jovens estrelas do desporto e do mundo do espectáculo. Por exemplo, Willow Smith, filha dos actores Will Smith e Jada Pinkett-Smith, que em 2010 foi uma das mais jovens pessoas a ter um hit global com "Whip My Hair", mas também Noah Cyrus, irmã de Miley e filha de Billy Ray; a havaiana Auli'i Cravalho, a voz de "Vaiana"; o cantor búlgaro Kristian Kostov, que em 2017 apenas ficou atrás do nosso Salvador Sobral no Festival da Eurovisão; a campeã olímpica americana Chloe Kim, estrela-prodígio no snowboard desde tenra idade; o rapper Lil' Pump; a ginasta americana Laurie Hernandez e duas estrelas do desporto canadiano: Penny Oleksiak, campeã olímpica de natação e Bianca Andreescu, tenista vencedora do US Open de 2019.
Geração 2000: Willow Smith, Noah Cyrus, Bianca Andreescu



5. Nuno Delgado e Fernanda Ribeiro ganharam medalhas de bronze nos Jogos Olímpicos de Sydney.




Os Jogos da XXVII Olímpiada realizaram-se entre 15 Setembro e 1 de Outubro em Sydney, na segunda vez que o certame foi organizado na Austrália e no Hemisfério Sul. 10651 atletas de 199 países participaram, incluindo 62 atletas portugueses e, sob a bandeira olímpica, quatro atletas de Timor Leste. O triatlo e o taekwondo estrearam-se como modalidades olímpica e pela primeira vez, houve mulheres a competir no pólo aquático, no pentatlo moderno, no halterofilismo, no salto à vara e no lançamento do martelo. Durante a grandiosa cerimónia de abertura, a atleta de raízes aborígenes Cathy Freeman (que viria a vencer os 400m) acendeu a pira olímpica.






Do lado português, o destaque foi obrigatoriamente para as duas medalhas de bronze: Nuno Delgado conseguiu a primeira medalha olímpica do judo português (categoria 81kg) ao bater por ippon o uruguaio Alvaro Paseyro no combate um dos dois terceiros lugares; enquanto isso Fernanda Ribeiro juntou ao glorioso ouro de Atlanta um nada menos fantástico bronze em Sydney nos 10000m, terminando atrás da etíopes Derartu Tulu e Gete Wami com um tempo mais rápido do que aquele com que fora campeã olímpica quatro anos antes. Destaque ainda para a repetição do quatro lugar de Atlanta por parte da dupla do vólei de praia, Miguel Maia e João Brenha, três lugares nos oito primeiros na vela, o 5.º lugar de João Costa no tiro e o 7.º de Michel Almeida na categoria de judo de 73kg (onde nesse ano foi campeão da Europa).


6. Chuva de medalhas para Portugal nos Jogos Paralímpicos
E se a prestação olímpica portuguesa em Sydney foi positiva, a da equipa paralímpica foi simplesmente fabulosa com o seu melhor pecúlio de sempre: 16 medalhas, 6 de ouro, 5 de prata e 5 de bronze nos desportos de atletismo, natação e boccia. Gabriel Potra foi o atleta mais galardoado com ouro nos 200m e na estafeta 4x100m e bronze nos 100m (categoria invisual T12). E eis os nomes dos outros medalhados: Carlos Lopes, Paulo Coelho, Carlos Ferreira, José Alves, José Gameiro, Firmino Baptista, José Monteiro, Maria Fernandes (atletismo), José Macedo, Armando Costa, Luís Belchior, António Marques, Fernando Ferreira, Pedro Silva (boccia) e Susana Barroso (natação). 

Gabriel Potra foi um dos atletas portugueses
que brilharam nos Jogos Paralímpicos de 2000


7. Coldplay, Linkin Park, Jill Scott, Nelly Furtado e Anastacia lançaram os seus álbuns de estreia.
Houve música para todos os gostos em 2000, com novos álbuns de Britney Spears ("Oops...I Did It Again"), Eminem ("The Marshall Matters LP"), Madonna ("Music"), Robbie Williams ("Sing When You're Winning"), Limp Bizkit ("Chocolate Starfish And The Hotdog Flavored Water"), Kylie Minogue ("Light Years"), HIM ("Razorblade Romance"), Oasis ("Standing On The Shoulders Of Giants"), AC/DC ("Stiff Upper Lip"), Joni Mitchell ("Both Sides Now"), NSYNC ("No Strings Attached"), Backstreet Boys ("Black & Blue"), A-Ha ("Minor Earth Major Sky"), Morcheeba ("Fragments Of Freedom"), The Corrs ("In Blue"), Radiohead ("Kid A"), Green Day ("Warning"), Spice Girls ("Forever"), Bon Jovi ("Crush"), OutKast ("Stankonia"), Moloko ("Things To Make And Do") e U2 ("All That You Can't Leave Behind").
Foi também neste ano que alguns nomes que viriam a marcar a música ao longo da nova década editaram o seu álbum de estrela: os Coldplay com "Parachutes", os Linkin Park com "Hybrid Theory) e as cantoras Jill Scott ("Who Is Jill Scott?"), Anastacia ("Not That Kind") e Nelly Furtado ("Whoa, Nelly"). Em Portugal, destaque para o segundo (e último) álbum dos Silence 4: "Only Pain Is Real".





8. 43 canções foram n.º 1 no Reino Unido
No ano 2000, nada menos que 43 canções atingiram o primeiro lugar do top britânico de singles, um recorde que perdura até hoje e dificilmente será batido. Se excluirmos o duplo single dos Westlife "I Have A Dream/Seasons In The Sun" que vinha da última semana de 1999, apenas sete singles aguentaram mais que uma semana no topo da tabela em 2000 e "It Feels So Good" de Sonique foi o único que conseguiu mais de duas semanas. Reflectindo a grande diversidade musical desse ano, o lugar cimeira do top britânico foi ocupado por nomes tão díspares como Manic Street Preachers, Spice Girls, All Saints, Robbie Williams, Craig David, Mariah Carey, Oasis, Kylie Minogue, Eminem, The Corrs, U2, Destiny's Child e até o Bob, O Construtor!

Sonique foi uma das artistas que atingiram o n.º 1 do top britânico em 2000

Foi também em 2000 que dançámos ao som de faixas como "Lady (Hear Me Tonight") dos Modjo, "One More Time" dos Daft Punk, "Groovejet (If This Ain't Love)" de Spiller com Sophie Ellis-Bextor, "Don't Give Up" de Chicane com Bryan Adams, "Toca's Miracle" de Fragma, "Freestyler" dos Bomfunk MCs, "Sandstorm" de Darude, "Sex Bomb" de Tom Jones e Mousse T., "Who Let The Dogs Out" dos Baha Men, "Around The World (La La La)" dos ATC e "La Bomba" de King África.   

9. A Dinamarca voltou a vencer o Festival da Eurovisão 37 anos depois.



Pela primeira vez desde 1970, Portugal não participou no Festival da Eurovisão devido ao fraco coeficiente de resultados dos anos anteriores (apesar de mesmo assim ter havido uma edição do Festival da Canção em 2000, com a canção vencedora a ser "Sonhos Mágicos" interpretado por Liana) e por isso não foi um dos 24 países a estarem presentes no 45.º Festival da Eurovisão, realizado no dia 13 Maio de 2000 em Estocolmo, naquela que foi a primeira edição na qual foi editado um CD oficial.


Entre as diversas prestações, destaque para a brilhante estreia da Letónia, com a banda Brainstorm a alcançar o terceiro lugar e para a controversa actuação de Israel por parte do grupo PingPong que conteve um beijo na boca entre os membros masculinos do grupo, o quarteto e as duas cantoras de coro a erguerem bandeiras de Israel e da Síria e sobretudo, um completo desafinanço por parte de todos eles. Mas a vitória acabou por sorrir à Dinamarca, que perseguia uma segunda vitória desde 1963 (então um recorde para o maior espaço entre duas vitórias no certame, depois batido pela Áustria em 2014), com os irmãos Jorgen e Niels Olsen, os Olsen Brothers e o tema "Fly On The Wings Of Love" (talvez também conheçam a versão eurodance de 2003 dos espanhóis XTM). Uma terceira vitória dinamarquesa viria treze anos depois, curiosamente em outro ano em que Portugal não participou.

10. Vimos gladiadores, anjos e galinhas no cinema
Entre os filmes do ano 2000, tivemos "Gladiador", com Russell Crowe a lutar nas arenas romanas rumo ao Óscar, uma remake MTV da série "Os Anjos de Charlie" com Cameron Diaz, Drew Barrymore e Lucy Liu, os primeiros filmes das franchises "X-Men", "Scary Movie" e "Destino Final". Na animação, destaque para "A Fuga Das Galinhas", ainda hoje a longa metragem de animação stop motion mais rentável de sempre.






Outros filmes que estrearem em 2000 temos "Erin Brockovich", "Cast Away - O Náufrago", "O Que As Mulheres Querem", "Um Sogro do Pior", "Scream 3", "A Praia", "Romeu Deve Morrer", "Alta Fidelidade", "American Psycho", "As Virgens Suicidas", "Mission: Impossible 2", "60 Segundos", "Os Três Reis", "Pokémon - O Filme", "Bring It On - Tudo Por Elas", "Quase Famosos", "Requiem For A Dream - A Vida Não É Um Sonho", ""O Tigre e o Dragão", "Snatch - Porcos e Diamantes", "Chocolate", "Miss Detective", "Traffic - Ninguém Sai Ileso", "Os 102 Dálmatas" e "Grinch".

11. Foi feito um filme português sem imagens



No cinema português de 2000, não há como escapar à obra mais controversa: "Branca de Neve" de João César Monteiro, estreado a 10 de Novembro. Nem mesmo o facto dos cinéfilos nacionais estarem habituados às provocações do realizador podia preparar para o que vinha nesta obra: um filme sem imagens, quase todo num ecrã preto, com apenas curtos e raros planos inseridos e onde se ouvem vozes de actores como Diogo Dória, Ana Brandão e Luís Miguel Cintra . O projecto era uma adaptação da peça do mesmo nome do suíço Robert Walser. Mas o principal foco da polémica foi o facto do Instituto do Cinema e do Audiovisual ter dado um subsídio de 130 mil contos (650 mil euros) para a produção do filme, gerando discussões sobre a forma como se atribui subsídios ao cinema. O produtor Paulo Branco acabaria por devolver parte do dinheiro do subsídio e chegou a haver uma iniciativa de organizar visualizações do filme para invisuais.
Com muito menos polémica, outros filmes portugueses estreados em 2000 foram "Capitães de Abril" (sobre a Revolução dos Cravos, na estreia de Maria de Medeiros como realizadora), "Camarate", "O Fantasma", "Tarde Demais", "Palavra E Utopia" e "Peixe Lua".

12. As tragédias do Kursk e do Ônibus 174 (Sandro Nascimento)
Entre os acontecimentos mais trágicos do ano de 2000, destaque para dois: um na Rússia e outro no Brasil.
A 12 de Junho, no Rio de Janeiro, Sandro Rosa de Nascimento, de 21 anos, subiu a bordo do autocarro 174 na zona do Jardim do Botânico armado com uma pistola. Apercebendo-se disso, um dos passageiros fez sinal a uma viatura policial que passava por perto. Quando o autocarro foi interceptado pela polícia, Nascimento tomou os onze passageiros como reféns e seguiram-se horas de aflição com uma multidão de polícias, equipas de televisão e vários curiosos a rodearem a viatura, ameaçando matar os reféns caso não cumprissem as suas exigências de fuga, chegando mesmo a simular a execução de uma passageira. Algumas horas depois, Sandro Nascimento saiu do autocarro usando a refém Geisa Gonçalves como escudo. Um tiro falhado de um agente para o atingir precipitou o sequestrador a disparar a arma, matando a refém. Nascimento foi visto com vida pela última vez ao ser levado para a esquadra.



O caso reflectiu mais uma vez o eterno problema da criminalidade no Rio de Janeiro, onde muitos jovens como Sandro Nascimento convivem desde tenra idade com a miséria, o crime, a indigência e a droga que assolam as favelas cariocas. Veio-se mais tarde a saber que terá vivido na rua desde os oito anos de idade pouco depois de assistir ao assassinato da sua mãe e que foi um dos sobreviventes do massacre da Igreja da Candelária de 1993, quando milícias dispararam sobre os jovens que dormiam perto da igreja. A tragédia do Ônibus 174 deu origem a dois filmes, um documentário e um de ficção, com Michel Gomes (da série "3%") no papel de Sandro Nascimento. Lembro-me também de uma grande reportagem da SIC uns anos mais tarde sobre o caso. 




A 12 de Agosto, durante o primeiro grande exercício mental da marinha russa após a queda da União Soviética, o submarino Kursk, movido a energia nuclear, explodiu no fundo do mar de Barents matando os 118 membros da sua tripulação (estima-se que os cerca de trinta sobreviventes de explosão terão depois falecido devido à falta de oxigénio e inalação de gases tóxicos). O desastre revelou a deficiente capacidade de resposta da marinha russa, que tardou em lançar as missões de salvamento. Foi ainda criticado o facto do governo russo - então já liderado por Vladimir Putin - ter demorado a aceitar ajuda internacional, apenas autorizado o auxílio por parte da Grã-Bretanha e da Noruega cinco dias depois. A tragédia do Kursk inspirou uma peça de teatro e um filme.

13. Uma cegonha deixou meio Portugal às escuras



A 9 de Maio, por volta das 22 horas, praticamente todo o sul do país, incluindo Lisboa, ficou às escuras durante cerca de duas horas. As imagens de uma Lisboa completamente às escuras trouxe memórias de outros tempos, quando a electricidade era um bem escasso. Apesar dos reforços policiais na capital, não se registaram ocorrências de assaltos.
Calcula-se que o apagão foi causado por uma cegonha que embateu contra os fios de alta tensão numa zona do concelho da Figueira da Foz.

14. George W. Bush foi eleito presidente dos Estados Unidos



Num preâmbulo do que viria a ser o actual pandemónio político americano, as eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2000 foram marcadas pela polémica. George W. Bush, filho do presidente George W.H. Bush era o candidato republicano e Al Gore, vice-presidente dos mandatos de Bill Clinton, concorria pelos democratas. Apesar de Gore ter tido mais votos absolutos, Bush ganhou no Colégio Eleitoral e tornou-se o 43.º Presidente dos Estados Unidos, não sem antes suspeitas de manipulações de votos que levou a uma recontagem de votos no estado da Flórida.
O primeiro mandato de Bush filho ficaria marcado pelo 11 de Setembro e a nova guerra no Iraque, além de várias gaffes. Na altura, pensava-se que não seria possível haver um presidente americano com mais provas de inaptidão para o cargo. Mas em 2016, confirmou-se que quando se pensa que se bateu no fundo, há sempre mais um alçapão. 

15. O pequeno Elián Gonzalez foi alvo de um novo braço-de-ferro entre Cuba e Estados Unidos
Antes das eleições, o momento mais marcante de 2000 na política americana foi a disputa familiar pelo pequeno Elián Gonzalez que trouxe de novo à baila a longa tensão entre Estados Unidos e Cuba. Em Novembro de 1999, ele foi um dos sobreviventes de um naufrágio de um barco com cubanos que pretendiam chegar aos Estados Unidos, sendo uma das vítimas a sua mãe. Resgatado pelas autoridades americanas, Elián foi entregue a parentes residentes em Miami. Seguiu-se depois um braço de ferro entre os seus familiares em Miami, apoiados pela comunidade cubana local, e o pai do menino, Juan Miguel, que pretendia que ele regressasse a Cuba.


Quando um tribunal da Flórida decidiu que apenas o pai, e não os outros parentes, teria direito a pedir asilo político em nome da criança, a Procuradora-Geral Janet Reno ordenou que a forças federais retirassem Elián aos parentes de Miami. A 22 de Abril, agentes federais invadiram a casa dos familiares de Miami e durante a confusão, um fotógrafo capturou a imagem do agente federal Jim Goldman de arma em riste a confrontar Donato Dalrymple (um dos outros sobreviventes do naufrágio) que se escondeu com o menino dentro de um roupeiro, enquanto segurava um choroso Elián.
Elián Gonzalez em 2015

Quando todas as hipóteses de recurso dos familiares de Miami se esgotaram, Elián regressou a Cuba em Junho e o governo de Cuba fez dele um símbolo. Em 2005, Elián Gonzalez deu uma entrevista em que afirmou que via em Fidel Castro "não só um amigo, mas também um pai". Elián Gonzalez tem actualmente 26 anos, estudou Engenharia Industrial e ao que se sabe, trabalha para uma empresa estatal de construção de tanques e piscinas.

16. A Índia ganhou a Miss Universo e a Miss Mundo (outra vez!)
Em 1994, a Índia tornara-se num dos poucos países a conseguir conquistar os títulos de Miss Universo e Miss Mundo no mesmo ano, respectivamente graças a Sushmita Sen e Aishwarya Rai. E em 2000, o país repetiu o feito com mais duas beldades indianas a vencerem esses títulos.




Em 12 de Maio, na ilha de Chipre, Lara Dutta tornou-se a segunda Miss Universo indiana e provou que não só era uma cara muito bonita como bastante inteligente, conseguindo a pontuação mais alta de sempre no segmento de entrevista. Mais tarde, Lara Dutta destacou-se como actriz de Bollywood e é actualmente casada com tenista Mahesh Bhupathi.


Depois a 30 de Novembro no Millenium Dome de Londres, Priyanka Chopra, de 18 anos, tornou-se a quinta Miss Mundo indiana (a quarta em seis anos!). Chopra também tornar-se-ia uma estrela de Bollywood e depois veio a fazer sucesso nos Estados Unidos, onde protagonizou a série "Quantico" e em 2018, casou-se com o cantor Nick Jonas, o mais novo dos Jonas Brothers (que em 2000, tinha apenas oito anos!).

17. Foi o ano da Playstation 2, dos The Sims e do Nokia 3310.


No que diz respeito ao mundo dos videojogos, foi em 2000 que a Playstation 2 foi posta à venda (4 de Março no Japão, 24 de Novembro na Europa) e onde foi lançado o primeiro jogo da franquia "The Sims", bem como jogos como "Pokémon Stadio", "Residente Evil - Code: Veronica", "Mario Tennis", "Final Fantasy IX" e "Tomb Raider: Chronicles". Mas quiçá o jogo mais viciante de 2000 foi o jogo "Snake II" incluído em cada exemplar do telemóvel Nokia 3310, que foi lançado este ano. (Eu viria a ter um.) 

18. A SIC exibiu um telefilme em cada mês
Um dos grandes pontos altos da televisão nacional de 2000 foi a iniciativa SIC Filmes, com doze telefilmes que a (então) estação de Carnaxide produziu e exibiu em cada mês do ano. Os telefilmes ainda eram um produto televisivo raro em Portugal por isso, e aliado ao facto de a SIC ter apoiado a produção de filmes no cinema como "Adão E Eva", "Zona J" e "Tentação", as expectativas estavam altas. Desse cojunto de filmes, o mais mítico foi o primeiro deles, "Amo-Te Teresa", com Ana Padrão e Diogo Morgado a viverem um amor proibido numa pequena vila alentejana e que o país parou para ver. Outros títulos exibidos foram "Monsanto", "Facas E Anjos", "Mustang", "Aniversário", "Amor Perdido", "A Noiva", "Um Passeio No Parque", "Alta Fidelidade" e "O Lampião Da Estrela".





Outros programas que estrearam na televisão portuguesa foram as séries "A Senhora Ministra""O Bairro da Fonte", "Super Pai", "Uma Aventura", "Capitão Roby", "Cuidado Com As Aparências""Criança SOS" e "A Loja do Camilo", a telenovela "Jardins Proibidos", o magazine "Sex Appeal" e os concursos  "Quem Quer Ser Milionário""A Febre Do Dinheiro" e "Negócio Fechado".

19. Os portugueses colaram DOTs na televisão
Falar da televisão em Portugal no ano 2000 é também falar do DOT, que como já falamos aqui, foi uma forma que a SIC arranjou de fidelizar telespectadores, primeiro no início do ano para testar as águas e depois mais tarde para tentar combater uma poderosa arma da concorrência.





Basicamente tinha-se de colar o DOT, que afinal era uma rodela de cartão, no canto do televisor para se poder ganhar todo o tipo de prémios (automóveis, electrodomésticos, viagens, litros de gasolina grátis...) e não se podia retirá-lo até ao final de um determinado programa, não se podendo mudar de canal nem mesmo nos intervalos, porque aparentemente o apetrecho tinha a tecnologia para detectar a duração da programação e autoinvalidar-se caso se mudasse de canal. Depois ter-se-ia de enviar o DOT por correio para depois se habilitar ao sorteio dos prémios, conduzido por Ana Marques no espaço "A Família DOT". Os DOT podiam ser adquiridos com a Revista TV Mais, nas lojas Worten, no McDonald's e nas bombas da BP e traziam o logótipo da sua origem. 
Mais tarde, vir-se-ia saber que essa suposta tecnologia não passava de uma trapaça, mas pelo menos houve quem ganhasse prémios. Ao que parece, os DOTs remanescentes são hoje alvo de colecção.

20. Portugal inteiro vigiou a vida de doze pessoas dentro de uma casa e a televisão portuguesa nunca mais foi a mesma.



Mas não há como evitar: o maior acontecimento televisivo e social em Portugal no ano 2000 foi a primeira edição portuguesa do "Big Brother". Tratava-se de um reality show em que um determinado número de pessoas viveria em reclusão durante um determinado tempo com câmaras a filmarem e a transmitirem para o exterior 24 horas por dia. Piet-Hein Bakker, então o director-geral da Endemol em Portugal, recorda o momento em que o presidente do grupo apresentou a ideia para o programa no livro "Vinte Anos de Televisão Privada Em Portugal" de Felisbela Lopes:

"Numa reunião que juntou na Alemanha todos os directores-gerais da Endemol, o presidente do grupo apresentou-nos um projecto que se chamava The Golden Cage. Era algo absolutamente inacreditável: imagens de biólogos que tinham sido fechados numa cúpula de vidro, sem contacto com o exterior, para perceber as consequências biológicas daquilo. Quando saíam eram imediatamente entrevistados para contar a experiência. (...) Nesse filme, uma das biólogas afirmava isto: "A maior dificuldade não foi estar ali fechada sem conforto. A maior dificuldade foi ter que conviver com as outras pessoas dentro daquele ambiente fechado." Ora foi este apontamento que chamou a atenção. A partir daqui a Endemol desenvolveu uma ideia de construir uma casa com uma horta onde as pessoas viviam em regime de autossuficiência e onde tudo era filmado. Uma coisa diabólica! (…) Eu também tenho de confessar que me sentia mal com aquilo. Pensava que a Endemol tinha enlouquecido. Entretanto fizeram-se ajustamentos no formato que foi produzido na Holanda: reduziu-se o tempo para três meses, acedeu-se a colocar lá comida diariamente, mantendo tudo o resto, ou seja, tudo era filmado 24 horas por dia e as pessoas não tinham contacto com o exterior. Assim nasceu o Big Brother, que foi um êxito estrondoso na Holanda em 1999(…)" 

Após o sucesso na Holanda, outros países não tardaram em adaptar o programa ao longo do ano 2000 e a versão portuguesa estreou a 3 de Setembro de 2000. Antes disso, Emídio Rangel recusou-se terminantemente a comprar o programa para a SIC, pelo que a TVI, então liderada por José Eduardo Moniz, aproveitou a oportunidade e adquiriu o formato, na manobra que viria a ser considerada como o princípio do fim da liderança da SIC.




Embora não se pode dizer que que a estreia em si do primeiro "Big Brother" português foi auspiciosa, aos poucos o público foi deixando de resistir à curiosidade orwelliano-voyeurista de ver o que aquelas doze pessoas fechadas numa casa na Venda do Pinheiro faziam, mesmo que não fosse grande coisa. Os nomes dos concorrentes Célia, Maria João, Mário, Marco, Marta, Ricardo A., Ricardo V., Riquita, Sónia, Susana, Telmo e Zé Maria  (e mais tarde Carla e Paulo) passaram a andar nas bocas do povo e todos os seus passos na casa eram discutidos nas ruas, nos cafés e, creio que pela primeira vez num caso de um programa de televisão em Portugal, na internet. A TVI chegou a criar uma secção da sua redacção exclusivamente dedicada ao "Big Brother" e além do programa em si, havia vários blocos diários (onde por exemplo, se viu pela primeira vez uma tal de Cristina Ferreira) e alguns acontecimentos chegavam a ser mencionados nos noticiários da TVI.






O momento mais marcante foi sem dúvida o pontapé que Marco desferiu a Sónia durante uma discussão que levou à sua expulsão - ao ponto de o "Jornal Nacional" da TVI e alguma imprensa escrita ter dado mais destaque nesse dia a esse incidente do que ao anúncio da recandidatura de Jorge Sampaio à Presidência da República. Mas também para a história ficaram momentos como a noite de sexo entre o Marco e a Marta, as desinibições do Sónia, as intrigas do Mário, as calinadas e picardias amorosas do Telmo e da Célia (que, contra todas as expectativas, continuam juntos até hoje), as tiradas da loura Susana e dos refúgios do Zé Maria no galinheiro. E claro que outro ingrediente para o sucesso foi a excelente apresentação de Teresa Guilherme, bem apoiada por Pedro Miguel Ramos. 



Na última noite do ano 2000, o país parou para ver o final que consagrou José Maria Seleiro como o vencedor. A sua figura caricata e a narrativa de underdog/peixe fora de água (era o único que não vinha de um grande meio urbano, foi semi-ostracizado pelos outros ao princípio) com que foi apresentado tornou-o no preferido do público desde muito cedo. (Infelizmente, esta fama viria a afectar gravemente a saúde mental do alentejano nos anos que se seguiram.)  

Se programas anteriores já tinham feito fissuras na barreira mística entre o português comum e as 
figuras do mundo da televisão, o "Big Brother" derrubou-a por completa e a partir daí a televisão e a noção de fama em Portugal nunca mais seriam as mesmas. 

E vocês, que memórias guardam dos anos 2000? Que acontecimentos desse ano vocês se lembram que não foram aqui mencionados? Deixem os vossos comentários aqui no blogue e/ou na página do Facebook.

Pulp "Disco 2000" (1995)
"Let's all meet up in the year 2000..."


domingo, 29 de dezembro de 2019

Ainda Faltam Três Anos Para O Ano 2000 (1996/97)

NOTA: Artigo reescrito a partir de dois artigos anteriores

por Paulo Neto

Quase vinte anos volvidos, o ano 2000 já parece longínquo, tantos foram os anos que já passaram e tantas as voltas que o mundo já deu desde então. Porém ainda me recordo muito bem da expectativa da chegada desse ano na segunda metade dos anos 90 que se sentia um pouco por todo o mundo. Talvez por isso, o programa especial da SIC para o réveillon 1996/97 tinha o extenso e pomposo título "Ainda Faltam Três Anos Para O Ano 2000".Na altura, a estação de Carnaxide dominava indiscutivelmente as audiências e por isso era grande a expectativa sobre qual seria a sua programação para acolher a chegada do ano 1997, já que em anos anteriores, a SIC tinha apostado em programas especiais que reuniam as estrelas da estação. Nesse ano, o réveillon da SIC esteve a cargo de Teresa Guilherme. Primeiro com uma emissão especial do "Ai Os Homens" com concorrentes famosos como João Baião, Guilherme Leite, Camacho Costa, Carlos Areia, Luís Esparteiro, Nuno Graciano (pré-calvície), Miguel Dias e os dois cromos residentes, o Ulisses e o Johnny Bigode, com Margarida Martins como presidente do júri. Depois com a própria a conduzir "Ainda Faltam Três Anos Para O Ano 2000", um programa que mais uma vez reunia as mais famosas caras da estação na assistência e que se pautou por vários momentos de música e humor. 

Houve actuações musicais de Anabela, Sara Tavares e das bandas que mais sucesso faziam na altura: Delfins, Santos & Pecadores, Ritual Tejo e Pedro Abrunhosa & Os Bandemónio.

Entre os momentos de humor, constavam vários apanhados em que as vítimas eram as estrelas da estação. Conta Teresa Guilherme no livro "Isso Agora Não Interessa Nada", que reúne crónicas sobre as suas experiências televisivas, como apresentadora e/ou produtora.
"...a ilustre plateia tremeu. E continuou a tremer durante todo o espectáculo. Eu, entre uma música e outra, lá me ia aproximando das mesas, lançando as maiores barbaridades. Mostrámos tudo. Desde as entrevistas falsas, em que o Miguel Vital, por exemplo tinha dado cabo da energia do João Baião, aos enganos repetidos e cheios de gargalhadas da Alberta Marques Fernandes, a gravar os seus votos de boas-festas. Também fizemos uma colectânea de frases excepcionais, que os nossos VIP tinham dito ao longo do ano na imprensa, e a Fátima Lopes lá viu escarrapachado no ecrã a sua afirmação: «Eu sinto-me sensual com um grande decote.» Cada vez que eu me aproximava de uma mesa, os convidados deitavam as mãos à cabeça, mesmo antes de anunciar o mimo que tínhamos preparado para eles."

Entretanto, o incansável canal Lusitania TV disponibilizou um excerto maior de cerca de 50 minutos no YouTube, revelando mais coisas que sucederam no programa, transmitido no auge do domínio de audiências da SIC.





- Teresa Guilherme confronta Fátima Lopes com uma declaração que esta fez a uma revista, dizendo que se sentia sexy com um grande decote. TG afirmou que por causa disso, "surgem fãs de Fátima Lopes de todos os lados" e dito isso, desce por um corda ao som do tema de "Missão:Impossível" (cujo primeiro filme da franchise com Tom Cruise tinha estreado nesse ano) um homem que se diz chamar Tó a pedir um autógrafo num soutien.
- De seguida Cristina Möhler, uma das célebres meninas da meteorologia da SIC, foi confortada com a sua declaração de que a sua passagem de ano ideal seria numa cabana e eis que desce uma mini-cabana sobre ela, ao som de "Na Cabana Junto À Praia", como não podia deixar de ser.
Margarida Pinto Correia, que na altura apresentava "Mundo VIP" na SIC, foi a próxima vítima. Disse numa revista que quando se sente sozinha dorme com o seu ursinho de 36 anos. Aparece então o célebre Ulisses do "Ai, Os Homens" em boxers com um ursinho de peluche. É claro que destes dois bonecos, Margarida ficou só com o de peluche, até pouco tempo depois assumiria a sua relação com Luís Represas.

- Mas por falar em Ulisses, houve partida pregada a Rodrigo Guedes de Carvalho e Emídio Rangel onde puseram as suas cabeças sobre os corpos musculados daqueles que participaram no casting para o Ulisses do "Ai, Os Homens". Mas não foram os únicos: Artur Albarran (que apresentava então o polémico programa "A Cadeira Do Poder") e Carlos Narciso (apresentador do "Casos de Polícia") também foram alvos desta brincadeira.
- No programa "Ousadias" apresentado por Teresa Guilherme, havia uma rubrica de apanhados em de falsas entrevistas "conduzidas" Miguel Vital. Hoje conhecido como a voz-off de "O Preço Certo" mas na altura um desconhecido, Vital assumia o papel de um entrevistador nervoso e inapto em entrevistas que testavam os limites da paciências dos famosos entrevistados, revelando que esses mesmos limites eram algo reduzidos para algumas dessas figuras públicas.


Este programa de réveillon também mostrou algumas das falsas entrevistas que não tinham sido exibidas em "Ousadias", incluindo uma a Pedro Abrunhosa, onde este acabou por revelar algo bastante íntimo e pouco condizente com a imagem de galã que cultivava. Escreveu Teresa Guilherme no livro supra-referido:
"A determinada altura o Miguel confessou-lhe a chorar que tinha problemas com a namorada. Acrescentou em surdina que estava impotente. Estas confidências fizeram vibrar a corda solidária do macho mais velho Abrunhosa, que disparou uma rica panóplia de conselhos na tentativa de o animar. Mas o Miguel insistia. Na teoria era tudo muito bonito, mas o Pedro não devia saber o que era estar em baixo quando a namorada já andava lá por cima. E perguntava entre lágrimas: «E ao Pedro, sim a si, já alguma vez lhe aconteceu?»
E foi aí que Abrunhosa, o machão da paróquia, confessou. Sim, já tinha estado com mulheres fabulosas sem "estar". Que sim, às vezes ele queria, mas o seu amiguinho não estava pelos ajustes. E chegou mesmo a reproduzir os diálogos murchos que já tinha tido com o seu pouco colaborante parceiro de desventura: «Então pá, não te levantas?...» e ficamos por aqui.
Aliás esse "Então pá, não te levantas?" foi repetido durante os spots de promoção ao programa. Teresa Guilherme conta ainda na mesma crónica que por causa dessa partido, Pedro Abrunhosa esteve anos sem lhe falar. O que dado o teor da revelação e a forma como TG conseguiu que Abrunhosa autorizasse os direitos de imagem (não lhe disseram que iriam exibir a entrevista), é compreensível, diria eu.
- Mas também o próprio dono da SIC, Francisco Pinto Balsemão, não escapou a este apanhado e lá teve de ouvir Vital a perguntar se ele tinha ódio à RTP, se ele era "um pouco sovina" e se ele tinha um gosto por "mulheres bonitas e mexericos".
- Segue-se um sketch de ano novo da sitcom "Pensão Estrela" com José RaposoAna Bustorff e Marco Horácio.
Luís Represas canta "Perdidamente" durante uma homenagem a alguns grandes nomes falecidos durante o ano de 1996: Mário Viegas, David Mourão Ferreira, Varela Silva, Carlos Daniel e Vergílio FerreiraSimone de Oliveira, presente no programa, não contém uma lágrima quando surgem imagens Varela Silva, com quem era casada. 
- Depois deste momento mais pesaroso, de volta ao humor desta vez para rir com os castings de alguns dos rejeitados do programa "Cantigas da Rua". Destaco uma senhora já de idade porém toda aperaltada a cantar uma música em espanhol.
- Claro está que com Miguel Ângelo a apresentar as "Cantigas da Rua", foram muitos que tentaram a sua sorte nos castings cantando canções dos Delfins. É ver mais rejeitados a assassinarem hits como "A Nossa Vez", "Sou Como Um Rio" ou "Aquele Inverno".
- Como referido no outro texto, outros houve que tinham mais afinação e que fizeram coro enquanto Miguel Ângelo, Anabela e Sara Tavares cantavam "Sou Como Um Rio", "A Cidade (Até Ser Dia)" e "Chamar A Música".
- Quanto mais as coisas mudam, mais elas ficam na mesma e o futebol português é o exemplo disso. Refere Teresa Guilherme que em 1996 "jogou-se mais futebol fora dos estádios do que dentro" e que muitos golos foram marcados "por árbitros graças às boas passagens de alguns dirigentes". Antes como agora, no nosso futebol é o baralhar e voltar a dar. Daí uma versão de "Trocas E Baldrocas" interpretada por João Baião.


- O último anúncio da 1996 foi da Opel e mostrava um "congresso extraordinário" com muitos e ternurentos bebés, num aviso ao pais para conduzirem com juizinho.
- Várias caras da SIC e dos convidados musicais surgem a caminho da contagem decrescente para 1997 Camilo de Oliveira, Liliana Campos, Manuel SerrãoAlexandra FernandesPaulo Costa (Ritual Tejo), José FigueirasRita Salema, Maria João Pinheiro, Ângelo Torres (da sitcom "Pensão Estrela"), Luís MascarenhasNuno Melo, Emídio Rangel, Júlia Pinheiro, Rodrigo Guedes de Carvalho, Artur AlbarranOlavo BilacMargarida Pinto Correia, Miguel Vital, Carlos Narciso ("Casos de Polícia") e  Conceição Lino.
- Teresa Guilherme anuncia alguns dos "programas" que deverão estrear na SIC nesse novo ano, como "Ponto de Rebuçado", espaço de culinária "apresentado" por Henrique Mendes, "A Noite do Mau Tempo" com Júlia Pinheiro entregue ao efeitos meteorológicos, "Não Há Dinheiro Para Mandar Cantar Um Cego" com António Peres Metello, "Golo de Encontro" com David Borges e "Portugal dos Pequeninos" com a  "radical" Ana Malhoa.
- E foi também o anúncio da Opel do congresso de bebés o primeiro de 1997.
- O "Chuva de Estrelas" continuava a ser uma das jóias da coroa da SIC e não podiam faltar actuações de alguns dos concorrentes da então corrente terceira edição: Célia Lawson, (que no ano de 1997 representaria Portugal no Festival da Eurovisão) como Oleta Adams em "Don't Let The Sun Go Down On Me; Paulo Lawson (sim, irmão de Célia) como Jim Kerr dos Simple Minds em "Alive And Kicking"; e Rui Faria, o eventual vencedor nacional e 2.º classificado na final europeia, como Elton John em "Can You Feel The Love Tonight".
- Com o som cortado no vídeo por questões de copyright, os Ritual Tejo cantavam um dos sucessos nacionais de 1996, "Nascer Outra Vez" (Sabiam que as crianças que cantavam nessa canção eram as filhas da cantora Isabel Campelo?)
- Dos Ritual Tejo fazia parte Fernando Martins, também conhecido como o coordenador musical do "Chuva de Estrelas" e "Cantigas Da Rua", dando o mote para mais rejeitados a cantar canções de Dulce Pontes.
- Outro dos apanhados das caras da SIC para este programa foi a de um teste para um novo programa fictício para a SIC, onde as candidatas tiveram de passar pelas exigências absurdas da régie. Foi o caso de outra célebre menina da meteorologia, Maria João Pinheiro, que se viu a mover-se sensualmente em cima de uma mesa enquanto cantava "Why Don't You Do It Right". Maria João Pinheiro viria a casar com Miguel Esteves Cardoso, um dos incontornáveis da "Noite da Má Língua". Afastada há vários anos da vida pública, soube-se há alguns anos que Maria João Pinheiro sobreviveu a um cancro. Não incluídas neste excerto mas igualmente vítimas deste apanhado foram outras beldades da SIC como Liliana Campos e Alexandra Fernandes.

O sucesso do programa foi tal (segundo Teresa Guilherme teve 80% de share - outros tempos!) que na passagem de ano seguinte, de 1997 para 1998, a SIC voltou a emitir um especial semelhante, intitulado "Ainda Faltam Dois Anos Para O Ano 2000", do qual a única coisa que me lembro foi de no fim da contagem decrescente para as 12 badaladas, em vez de aparecer "Feliz 1998" no ecrã, apareceu "Feliz Expo 98" aludindo ao grande acontecimento nacional que iria ter lugar nesse ano.



Para terminar, deixo os votos de um feliz ano de 2020
para todos os leitores e amigos da Enciclopédia de Cromos!


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

A Minha Agenda RTP 1989







"Tal como a canção que me anuncia na televisão, aqui me tens: a tua Agenda para 1989! E estou feliz por estar contigo, por ir deliciar-te com ideias, jogos, testes, magias, receitas e actividades que tenho nas minhas belas páginas. Não esqueças: escreve nos locais apropriados as tuas recordações, o tempo que faz, o que gastas, os aniversários dos teus familiares e amigos, enfim, tudo aquilo que, um dia, te será grato recordar."
É assim, com meta--referências que começa a edição de 1989 de "A Minha Agenda RTP", um dos produtos ocupavam as listas de presentes de muita criançada dos anos 80. Ouvir na televisão cantarolar "A minha agenda, a minha agenda..." era outro dos sinais da proximidade do Natal.
Desconhece-se se a policia estaria envolvida caso algum dos pequenos escrevesse fora dos "locais apropriados".
Vamos então olhar uma selecção de páginas da "A Minha Agenda RTP 1989".
Podem também consultar neste link "A Minha Agenda RTP 1988".

Antes do calendário do primeiro mês de 1989, uma lista de "objectos e valores emprestados", sempre útil para não deixar passar esquecidos os caloteiros do grupo de amigos, escola ou famíla.
Instruções para construir um calendário em estilo relógio de ponteiro, fofinhos de lã, e uma tabela para apontar "o tempo" diário. O anterior dono desta agenda incorporou Anthímio de Azevedo apenas até ao dia 12 de Janeiro.
Teste de Segurança de Peões.

No final de cada mês, uma página para tentar tornar o jovem responsável com as despesas e receitas. Quantos possuidores deste número d'"A Minha Agenda" serão contabilistas por causa deste "mealheiro"?
 Depois da seriedade de gerir as finanças mensais, sugestões de partidas de Carnaval e truques de magia.

 Continuando a temática carnavalesca, instruções para fazer as próprias fantasias. Tenho recordações de ver fazer parecido a esse chapéu de feiticeiro, mas para fadas.

 Chegada a época pascal, a agenda sugere ovos da Páscoa e doce de aletria.

 Algumas dicas para criar um jardim miniatura.

Para quem estiver desinspirado, a Agenda sugere algumas mentiras para pregar no Dia das Mentiras. Na página seguinte, dois jogos para brincar em casa, nos tempos mortos ou férias. 



 Mais à frente, chegamos aos Santos Populares com dicas para construir um balão colorido. E no departamento de guloseimas, um apetitoso pudim de morango.

  

"Há mar e mar, há ir e voltar." o slogan que ouvimos vezes sem conta nos anos 80 para alertar à "segurança e civismo na praia."

 Ainda para aproveitar o bom tempo, ideias de jogos ao ar livre. E um segmento que eu teria adorado ver na época: instruções para criar um telescópio caseiro. Alguns anos depois segui intruções semelhantes, com materiais melhores e mais caros - até comprei uma lente numa óptica - e nunca consegui por o telescópio a funcionar como deve ser.
 Chegado o Outono, a agenda sugere coleccionar as folhas que caem, num herbário. Na página seguinte, um jogo para procurar "tesouros".

Perto do final do ano, a época preferida da criançada, Férias de Natal, e o Natal propriamente dito. A Agenda apresenta como fazer embrulhos para os presentes de Natal, biscoitos de Natal. E página dupla dedicada ornamentar a Festa de Natal:


Podem recordar neste link a "A Minha Agenda RTP 1988".

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Bombons Allegro

por Paulo Neto

Embora a televisão ainda seja um meio crucial para se publicitar um determinado produto e suscitar cobiça nos telespectadores, nem sempre a publicidade televisiva é primordial e existem vários produtos que nunca recorreram a anúncios televisivos para terem vendas expressivas (por exemplo, não me recordo de algumas vez ter visto um anúncio na TV das drageias PEZ e os seus míticos doseadores) ou que já não têm anúncios na televisão desde os anos 80/90 mas que continuam a ser vistos em qualquer supermercado, café ou quiosque de jornais. É o caso por exemplo das pastilhas Orbit ou dos achocolatados Suchard Express ou Coqui.




É também o caso dos bombons Allegro, que ainda se vendem por aí. Lembro-me que precisamente no dia em que ouvi o cromo de Caderneta de Cromos sobre eles nos idos de 2011, nessa mesma tarde eu desloquei-me até ao Terminal de Expressos de Sete Rios para apanhar um autocarro de Lisboa e Torres Novas e lá no quiosque onde se vendem os jornais, reparei que nos escaparates das guloseimas estavam embalagens de bombons Allegro. Claro que comprei uns e recordei o seu sabor assaz delicioso que eu já não deglutia desde mil novecentos e oitenta e trócópasso. 

Estes bombons de macio toffee de caramelo envolvido em chocolate de leite são produzidos pela Imperial (a mesma das lendárias "Fantasias de Natal") desde 1980, e o seu auge foi sem dúvida nos anos 80 graças a um célebre anúncio com uma certa dose de marotice.



Nele, um rapaz toca violino enquanto a jovem e atraente professora vai acompanhando com uma batuta, sentada numa cadeira. A câmara vai então alternando planos dos olhos do miúdo e do peito (não obstante totalmente coberto por uma camisa branca) e da boca da professora. De repente, para surpresa da professora, o petiz pára de tocar e retira de bolso um pacote de bombons Allegro, oferecendo um à professora que aceita com um sorriso. O rapaz também come um, mantendo o olhar focado e subtilmente cobiçoso com que observava a mestra, com o ar de vontade de querer dar largas as outras gulas, se -obviamente- fosse mais crescido. Claro que tudo isto pode ser tudo especulação badalhoca de adulto e que a narrativa do anúncio pode ser simplesmente um carinhoso e inocente "gesto de amor", como se ouve no anúncio, entre aluno e  professora, mas que o anúncio dá azo a essas especulações, lá isso dá!

Ao que parece, este não foi o único anúncio aos bombons Allegro, terão havido pelo menos mais dois: no YouTube, existe um comentário de Mafalda de Barros que afirma ter feito um desses outros anúncios como bailarina, mas até ao momento, não há sinal deles na internet. O que existe é uma outra reedição do anúncio do rapaz do violino, mas com uma narração off diferente e que soa mais actual.



Lembro-me ainda que ouve outra reedição do anúncio para divulgar a nova variedade com sabor a menta (que se não estou em erro, também ainda existe à venda).   

Dada a temática musical deste anúncio (e aparentemente dos outros), a inspiração para o nome "Allegro" terá certamente vindo do andamento musical do mesmo nome. (Outro andamento musical, o Adágio, serviria mais tarde para baptizar uma marca de iogurtes.) Mas não foram apenas estes bombons que foram baptizados de Allegro nos anos 80, pois esse foi o nome dado a um programa da RTP de 1983, que foi uma espécie de sequela do "Sabadabadú", de novo com Camilo de Oliveira e com Luísa Barbosa a fazer as vezes de Ivone Silva. 
 
             

sábado, 14 de dezembro de 2019

Colectânea Número 1 (1994)

por Paulo Neto

Quando se fala das colectâneas da série "Número 1" que entre 1991 e 1996 reuniam os grandes hits da época e vendiam-se que nem pãezinhos quentes, vem a memória a figura do Fido Dido, a famosa mascote da 7Up, que ilustrou alguns dos volumes da série. Mas no volume editado por ocasião do Natal de 1994, foi outro lendário e simpático boneco que adornou a capa.



O Natal de 1994 foi marcante para mim pois foi quando recebi uma aparelhagem com CD que eu andava a pedir há meses aos meus pais. Era uma aparelhagem da Grundig (eu teria preferido da Sony, mas a cavalo dado não se olha o dente!) com leitor de CD, cassete e rádio que foi parar à nossa sala nessa véspera de Natal. Durante a aquisição da aparelhagem no Entroncamento (na mesma loja onde ele tinha comprado o nosso videogravador cinco anos antes) o meu pai também me deu dinheiro para comprar um CD para levar e optei pelo volume 27 da série britânica de compilações "Now That's What I Call Music", cujos tomos importados encontravam-se à venda em Portugal antes e ainda alguns anos depois da criação da série NOW portuguesa, que eu algum tempo já namorava na loja da Fotocor em Torres Novas. Uns dias depois, com algum do dinheiro que tinha recebido nesse Natal, comprei também este volume da série "Número 1", desta feita editado pela BMG com o apoio de outras editoras, e que tinha na capa o Sonic, a famosa mascote da SEGA! Foi a única vez que o célebre ouriço azul adornou um tomo dessa série de compilações.
Eram vinte e quatro as faixas incluídas neste volume (doze em cada CD) e vamos agora analisá-las por ordem do alinhamento (links para o YouTube nos negritos):     

CD1
1. Youssou N'Dour & Neneh Cherry "7 Seconds": Começamos com aquela que é sem dúvida de uma das canções marcantes do ano de 1994, o sumptuoso dueto entre o senegalês Youssou N'Dour e cantora de origem sueca Neneh Cherry. Na altura, ele era um dos artistas africanos mais celebrados internacionalmente, tendo por exemplo colaborado com Peter Gabriel, ela desde 1988 somava hits como "Buffalo Stance", "Manchild", "Buddy X" e uma inovadora versão de "I've Got You Under My Skin". O título refere-se ao tempo que um recém-nascido leva a aperceber-se dos problemas do mundo. Cantado em inglês, francês e wolof, um idioma da África Ocidental, "7 Seconds" foi número 1 durante 16 semanas em França, tendo também chegado ao lugar cimeiro em Finlândia, Islândia, Itália e Suíça além de ter ganho o prémio de Melhor Canção nos primeiros prémios MTV Europe. Infelizmente, a versão incluída neste CD não inclui o belíssimo solo de violino. O David Martins já falou aqui sobre esta canção, que faz parte das suas memórias do seu trabalho de Verão numa oficina de automóveis. Em 2012, Youssou N'Dour tentou candidatar-se à Presidência do Senegal, mas acabou como Ministro do Turismo, cargo que ocupou durante um ano. Neneh Cherry continua no activo embora longe do sucesso que conheceu nos anos 80 e 90, mas a sua filha mais nova Mabel é uma das cantoras pop do momento. 
2. Aerosmith "Crazy": Após mais de vinte anos no activo e após muitos altos e baixos, os Aerosmith gozavam então o auge da carreira com o álbum "Get A Grip" de 1993. O último single "Crazy" tornou-se uma das suas baladas mais emblemáticas e o videoclip ficou famoso por reunir as actrizes Alicia Silverstone (que tinha aparecido em dois videoclips anteriores da banda "Cryin'" e "Amazing") e Liv Tyler, filha do vocalista Steven Tyler, quando ambas ainda eram adolescentes, no papel de duas colegiais em fuga.
3. Roxette "Crash! Boom! Bang!": Recentemente tivemos a triste notícia da morte de Marie Fredriksson, a voz feminina dos Roxette, sem dúvida um dos mais bem-sucedidos grupos suecos pós-ABBA. Embora igualmente poderosa nos temas mais roqueiros, sem dúvida que a voz de Marie era mais emblemática nas baladas do grupo, como "It Must Have Been Love", "Spending My Time", "Listen To Your Heart" e esta, que dava título ao então novo álbum dos Roxette, que também incluía hits como "Sleeping In My Car" e "Vulnerable".
4. Crash Test Dummies "Mmm Mmm Mmm": Assim de repente, parece impossível que uma canção com um título impronunciável e que falava sobre crianças que ficaram grisalhas durante um acidente, com manchas por todo o corpo ou que assistem a uma inexplicável desbunda numa igreja, tenha sido um êxito internacional. Mas foi o que aconteceu em 1994 com este tema da banda canadiana Crash Test Dummies. "Mmm Mmm Mmm" ajudou às vendas do álbum "God Shuffled His Feet" (incluindo em Portugal) mas este permaneceria como o único momento mainstream da banda. Após algumas pausas para projectos solos e afins, a formação original da banda reuniu-se em 2017 e em 2018, fizeram uma digressão pelo Canadá e Estados Unidos para celebrar os 25 anos do seu mais famoso álbum.
5. Bryan Ferry "Your Painted Smile": Um dos homens mais estilosos do rock, quer à frente dos Roxy Music quer na carreira a solo, o inglês Bryan Ferry editou em 1994 o seu primeiro álbum em sete anos, intitulado "Mamouna" (não, não era sobre a Patrícia), para o qual colaboraram vários do seus colegas dos Roxy Music, incluindo Brian Eno. Este foi o primeiro single, com influências da "trip hop".
6. Eros Ramazzotti "A Mezza Via": Embora desde muito cedo a sua carreira tenha tido repercussões fora do seu país, foi com o álbum de 1993 "Tutte Storie" que o italiano Eros Ramazzotti se afirmou como uma estrela internacional. Portugal foi sem dúvida um dos países onde o álbum foi campeão de vendas, tendo passado mais de um ano no top 30 nacional (embora apenas uma em n.º 1) e canções como "Cose Della Vita" e "Un Altra Té" tocavam incessantemente nas rádios nacionais. Este foi o quinto single, "A Mezza Via". 
7. Peter Gabriel "Solsbury Hill": "Solsbury Hill" foi o primeiro single a solo de Peter Gabriel em 1977 após deixar os Genesis um ano antes e segundo consta, é sobre um momento de reflexão que Gabriel no dito lugar teve sobre recomeçar a vida e a carreira. A versão incluída nesta compilação é a do álbum ao vivo "Secret World Live", editado nesse ano de 1994 e gravado ao longo de dois concertos em Modena, Itália. Entretanto "Solsbury Hill" tem sido usado em várias séries, anúncios e trailers de filmes como "Vanilla Sky" e "À Procura de Dory". No YouTube existe uma trailer satírica do filme "The Shining" que edita o filme como se fosse uma comédia familiar ao som de "Solsbury Hill". 
8. The BC-52's "(Meet) The Flintstones": Falando em filmes, um dos maiores êxitos de bilheteira foi a adaptação da famosa série animada "Os Flintstones" em personagens de carne, osso e pedra com John Goodman, Elizabeth Perkins, Rick Moranis e Rosie O'Donnell a darem vida a Fred, Wilma, Barney e Betty. O filme marcou também a última participação cinematográfica de Elizabeth Taylor. Os The B'52's - para a ocasião renomeados The BC-52's - versionaram o famoso tema da série e também apareceram no filme.
9. Rolling Stones "Love Is Strong": Mais de trinta anos depois, Mick Jagger e companhia continuavam a rolar e em 1994 lançaram o seu 20.º álbum "Voodoo Lounge", o primeiro após a saída do baixista Bill Wymann. Este "Love Is Strong" foi o single de apresentação e ficou marcado pelo videoclip, realizado por David Fincher e que venceria um Grammy, onde os Stones e uma dúzia de modelos em tamanho gigante vagueavam por Nova Iorque.
10. Seal "Prayer For The Dying": Três anos depois do seu álbum de estreia, o inglês Sealhenry Samuel, conhecido apenas como Seal, estava de volta aos discos. Mas se o segundo álbum tinha o mesmo título do primeiro ("Seal", também designado como "Seal II" para evitar confusões), o cantor apareceu com um look renovado, rapando os dreadlocks que eram até então a sua imagem. Este "Prayer For The Dying" foi o primeiro single. O segundo foi "Kiss From A Rose" que na sua edição inicial passou algo despercebido mas no ano seguinte viria a fazer grande sucesso após a sua inclusão na banda sonora do filme "Batman Para Sempre". 
11. Everything But The Girl "Rollercoaster": Há mais de uma década que Ben Watt e Tracey Thorne produziam belos opus de sophisti-pop, sempre com grandes elogios da crítica mas apenas com ocasional sucesso comercial, como por exemplo na sua versão de 1988 de "I Don't Want To Talk About It". O álbum "Amplified Heart" marcava o regresso aos discos após Watt ter sobrevivido após ter sofrido de uma rara e grave doença (Síndrome de Churg-Strass) e o primeiro single foi este "Rollercoaster". Porém seria o segundo que daria à banda o maior sucesso da sua carreira, através de um remistura dançável: uma tal canção sobre sentir saudades de alguém como os desertos sentem falta da chuva. Os Everything But The Girl podem estar "divorciados" musicalmente desde 2000, cada um evoluindo musicalmente em carreiras separadas, mas na vida pessoal, Ben e Tracey continuam juntos, tendo três filhos e sendo casados oficialmente desde 2008. 
12. Madredeus "Vem (Além de Toda A Solidão)": 1994 foi o ano da consagração dos Madredeus. Apesar da saída do membro fundador Rodrigo Leão, que no ano anterior tinha iniciado a sua carreira a solo, o álbum "O Espírito da Paz" foi o álbum com que a banda conheceu o sucesso tanto em Portugal como além-fronteiras. Quando o álbum atingiu o primeiro lugar do top nacional, o interesse do público na discografia anterior tornou-os na primeira banda, portuguesa ou estrangeira, a terem quatro álbuns no top 30 nacional. E no ano seguinte, "O Espírito da Paz" tornou-se o primeiro disco de uma banda portuguesa a ser nº 1 em Espanha. O sucesso estendeu-se a outros países e levou os Madredeus numa tournée mundial onde o resto do mundo foi descobrindo a belíssima voz de Teresa Salgueiro. Voz essa que soa divina no single de apresentação "Vem (Além De Toda A Solidão)", incluindo neste CD. Teresa Salgueiro deixou os Madredeus em 2007, enveredando por uma carreira a solo. Desde então, Pedro Ayres Magalhães tem esporadicamente recuperado o projecto dos Madredeus com uma alinhamento rotativo de vocalistas e músicos. 

CD2
1. Whigfield "Another Day": Impossível não falar de 1994 sem falar de Whigfield que pôs toda a gente a dançar ao som de "Saturday Night". A cara deste projecto de italo-dance era a dinamarquesa Sannie Carlsen que promoveu o hit um pouco para toda a Europa e Portugal foi um dos países em que ela marcou presença tendo aparecido em vários programas de televisão. O segundo single foi este "Another Day": esta colectânea continha a versão original que basicamente era "Saturday Night 2.0" mas a versão que foi mais promovida em Portugal (e que foi incluída nas colectâneas da Vidisco) era o "Bubble Gum Mix", com uma sonoridade mais techno. Anos mais tarde, questionou-se se, tal como outros projectos de italo-dance, a voz que se ouvia nas canções era mesmo a de Sannie Carlsen, havendo quem apontasse que a verdadeira cantora era a inglesa Annerley Gordon, creditada como letrista das canções e que em 1999 teve ela própria um hit internacional com "2 Times" sob o nome de Ann Lee. (Talvez seja verdade, mas eu ouvi o álbum de Ann Lee e a voz que se ouvia lá parecia-me suficientemente distinta das canções de Whigfield.) Seja como for, Sannie Carlsen continua a actuar, agora em nome próprio, e em 2018 participou no Melodi Grand Prix, o equivalente dinamarquês do Festival da Canção.   
2. Big Mountain "Baby I Love Your Way": "Baby I Love Your Way" foi originalmente gravada em 1975 por Peter Frampton - embora seja mais conhecida a versão ao vivo do seu multiplatinado álbum "Frampton Comes Alive". Em 1988, os Will II Power chegaram ao n.º 1 do top americano com uma versão que misturava a canção com "Free Bird" dos Lynyrd Skynyrd. Em 1994, a canção foi apresentada a uma nova geração graças à versão da banda reggae americana Big Mountain, incluída na banda sonora do filme "Reality Bites", que foi n.º 1 em Espanha, Suécia e Dinamarca.
3. Gabriel, O Pensador "O Resto Do Mundo": Gabriel Contino, mais conhecido como Gabriel, O Pensador foi o primeiro rapper brasileiro a fazer sucesso em Portugal, com o seu álbum homónimo de estreia a ser disco de ouro no nosso país, graças às suas faixas cheias de humor e de crítica social. O grande hit foi "Lôraburra". Mas para este CD, o tema escolhido foi um dos mais sérios, "O Resto Do Mundo" (que muita gente se lembrará melhor como "Eu Queria Morar Numa Favela"), um relato em primeira mão da pobreza extrema no Brasil, utilizando uma faixa da banda sonora do filme "A Malta do Bairro". Na Rádio Cidade, chegou a tocar uma paródia chamada "Eu Queria Um Ferrari Amarelo". E ainda faltava alguns anos até ao mega-hit "2-3-4-5-Meia-7-8". O carinho de Portugal por Gabriel, O Pensador dura até hoje, tendo o rapper visitado e actuado no nosso país incontáveis vezes e em 2016, colaborou com os D.A.M.A.   
4. Reel 2 Real "I Like To Move It": Outro tema que nos fez abanar o capacete em 1994 foi "I Like To Move It" dos Reel 2 Real, um projecto do famoso DJ Erick Morillo. Na verdade, Morillo já tinha editado alguns singles sob este avatar, mas foi "I Like To Move It", com a voz do cantor trinidadiano de dance-hall Mark Quashie a.k.a. The Mad Stuntman que atingiu um sucesso internacional, tendo sido top 5 em praticamente todos os países da Europa (n.º1 em França e Holanda). Em 2005, a sua inclusão no filme de "Madagáscar" apresentou o tema a uma nova geração e firmou-o como um dos clássicos dance dos anos 90. E não, os Reel 2 Reel não foram "one hit wonders". Por exemplo no Reino Unido tiveram mais seis singles no top 30 entre 1994 e 1996, como "Go On Move" e "Jazz It Up".     
5. Inner Circle "Games People Play": Por incrível que pareça, a banda reggae Inner Circle foi formada em 1968. Após um hiato nos anos 80, eles reformaram-se em 1986 e nos anos 90, tiveram uma trilogia de hits nacionais. Primeiro com "Bad Boys" (originalmente gravada em 1987 mas popularizada na reedição de 1993) ao ser utilizada como tema de abertura do programa "Cops", tido como uma das primeiros reality shows do estilo "telenovelas da vida real". Depois com "Sweat (A La La La Long)", uma canção tão solarenga que deu para ser banda sonora de dois Verões consecutivos (1992 e 1993) e este "Games People Play", o primeiro single do novo álbum "Reggae Dancer" e ouvido amiúde na telenovela Vidas Cruzadas/Pátria Minha. Os Inner Circle continuam no activo com praticamente quase toda a formação original.   
6. Snap! "Welcome To Tomorrow (Are You Ready)": O projecto alemão famoso por hits esmagadores como "The Power" e "Rhythm Is A Dancer" avançava para o terceiro álbum, cujo tema de apresentação era a faixa que dava o nome ao álbum. A voz era de Paula Brown sobre o pseudónimo de Summer que cantou em seis faixas do álbum e deu a cara pelas actuações ao vivo.   
7. CJ Lewis "Sweets For My Sweet": "Sweets For My Sweet" foi originalmente gravada em 1961 pelos The Drifters e em 1964, a versão dos The Searchers chegou ao n.º 1 do top britânico. O cantor reggae Steven James Lewis ou CJ Lewis apresentou a canção a uma nova geração em 1994 com a sua versão que soou maravilhosamente nesse verão. A voz feminina que se ouve na faixa é a de Samantha Depasois. Tal como os Reel 2 Real, embora hoje por hoje só se lembre de CJ Lewis só por uma canção, ele não foi uma "one hit wonder" tendo tido pelo menos mais cinco singles de destaque, como "Everything's Alright (Uptight)" e "R To The A". Embora não edite material novo desde 1998, CJ Lewis continua no activo, provavelmente nesses "Revenge Of The 90's" pelo mundo fora.
8. Jam & Spoon "Find Me": Jam & Spoon eram um duo alemão de música electrónica de Frankfurt: a "compota" era Rolf Ellmer ou Jam El Mar e a "colher" era Markus Loffel ou Mark Spoon. Os primeiros singles da dupla são de 1992, mas foi em 1994 que fizeram sucesso com o tema "Right In The Night" (Fall In Love With Music)", interpretado pela cantora americana de ascendência croata Plavka Lonich (cuja voz fazia lembrar a de Madonna). Foi também Plavka que cantou este single seguinte "Find Me" (subtitulado "Oydssey To Anyoona"). Os Jam & Spoon continuaram editar música tanto sob este nome como por outros pseudónimos como Tokyo Ghetto Pussy e Storm até à morte de Markus Loffel de ataque cardíaco em 2006 aos 39 anos (chiça, é a minha idade!). Rolf Ellmer continua no activo como DJ e produtor.   
9. Sophie B. Hawkins "Right Beside You": Em 1992, a nova-iorquina Sophie B. Hawkins (o B é de Ballantine) teve um hit global com "Damn, I Wish I Was You Lover" e dois anos mais tarde, livrou-se da etiqueta de "one hit wonder" com este primeiro single do seu segundo álbum, cujas sonoridades dançáveis surpreendeu aqueles que a tinham rotulado de roqueira. Um dos singles desse álbum, a balada "As I Lay Me Down" fez sucesso nos Estados Unidos, incluído na banda sonora do filme "Now And Then -Amigas Para Sempre". Sophie B. Hawkins continua no activo até hoje, lançando música através da sua editora independente. 
10. GNR "+ Vale Nunca": Mesmo para uma banda tão familiarizada com o sucesso como os GNR, o álbum de 1992 "Rock In Rio Douro" foi um êxito estratosférico: obteve quatro discos de platina, canções como "Sangue Oculto" e "Pronúncia do Norte" andaram na boca de toda a gente e foram a primeira banda portuguesa a encher (sozinha) o antigo Estádio de Alvalade. Depois de um sucesso destes, o que fazer? Para Rui Reininho e companhia, a resposta foi simples: continuar a serem eles próprios e em 1994, surgiu o novo álbum "Sob Escuta" que conheceu que fez assinalável sucesso, embora um pouco ofuscado pela consagração dos Madredeus e a explosão do fenómeno Pedro Abrunhosa, e deixou mais um hit clássico dos GNR, "+ Vale Nunca" (sim, com o "Mais" de sinal aritmético), que na recta final tinha um coro de crianças. A minha parte preferida é o solo do baixo de Jorge Romão. 
11. Babyface "When Can I See You": Reza a lenda que foi a lenda do funk Bootsy Collins, achando-o novo demais para a sua idade, que deu a Kenneth Edmonds a alcunha que viria a ser o seu nome artístico. Embora mais conhecido pelo seu trabalho como compositor e produtor de sucesso para outros artistas (Whitney Houston, Mariah Carey, Madonna, Toni Braxton, Boyz II Men, TLC...), Babyface também tinha a sua própria carreira como cantor desde 1986. A balada acústica "When Can I See You" foi uma das suas primeiras canções a ter alguma repercussão na Europa e valeu-lhe o seu primeiro Grammy como intérprete. (Este tema e os dos Jam & Spoon são os únicos que eu nunca tinha ouvido antes de ter este CD.)   
12. Despe E Siga "Festa": Para terminar em beleza, eis um tema para animar a festa. Nos anos 80 e inícios dos anos 90, os Peste & Sida foram uma das mais populares bandas de punk-pop nacional graças a êxitos como "Sol da Caparica". Nos seus concertos, costumavam tocar versões em português de temas internacionais e a recepção do público inspirou-os a gravar um disco com essas versões sob o nome Despe E Siga, com Luís Varatojo a liderar as vozes em vez de João San Payo. Por exemplo destacavam-se faixas como "Surf Em Portugal" ("Surfin' USA" dos Beach Boys), "Bué Da Baldas" ("Baggy Trousers" dos Madness) e este "Festa" uma versão de "Fiesta" dos Pogues que rapidamente tornou-se por cá tão ou mais popular que o original. Para a história ficou o verso "Só fico eu mais a Maria com a garrafa de Casal Garcia". Já agora, a Sandra do acordeão era Sandra Baptista, a acordeonista e parcela feminina dos Sitiados (mais recentemente integrante do projecto Señoritas). As duas bandas ainda existiram algum tempo até que com a saída de João San Payo, os restantes membros deram prioridade aos Despe E Siga, lançando mais dois álbuns onde puderam explorar outras sonoridades como o ska "("Os Primos" de 1996 com os hits "Sempre Em Pé" e "Radio Ska") e o rock alternativo ("99.9" de 1998 de onde se destacou "Manual do Gelo"). Entretanto em 2004, João San Payo recuperou os Peste & Sida com outros músicos. 

Playlist do YouTube com as 24 canções:

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Thermotebe

por Paulo Neto

Nada como uma astuta campanha publicitária para transformar objectos banais em autênticos must-haves. Por exemplo, durante anos a fio, um jingle irresistível e um anúncio bem colorido faziam de "A Minha Agenda RTP" um dos presentes mais desejados pela pequenada a cada Natal. E nos anos 80, dois anúncios e uma alegada tecnologia têxtil de ponta fez muita gente de várias idades ambicionar algo tão corriqueiro como uma camisola interior. Falo claro das camisolas Thermotebe.

Um dos anúncios tinha um senhor de bigode a caminhar confiantemente na rua enquanto sopra um vento tão forte que a gravata que ele usa teima em voar e diz: "Frio? Eu não tenho frio. Estou bem protegido!" ao mesmo tempo que desabotoa a camisa e revela a camisola Thermotebe que tem por baixo. De seguida, uma voz off louva as qualidades da dita camisola, nomeadamente as suas "características turbo-eléctricas", como "mantém o calor do corpo" e "protege da humidade" e a sua recomendação ideal para "estados reumáticos" e para "senhoras e crianças em idade escolar" enquanto surge uma animação de uma camisola rodeada de várias setas que deviam simbolizar o frio. 


Escusado será dizer que dito assim parecia que as Thermotebe eram o El Dorado das camisolas interiores e que nem na Antártida alguém sentiria frio usando uma das ditas. E depois havia essa palavra fascinante "turbo-eléctrica"! Dava ideia que tinha sido aplicada nessas camisolas a mesma tecnologia utilizada na criação do KITT de "O Justiceiro!". 



Infelizmente não existe no YouTube o outro famoso anúncio, desta vez protagonizado por um petiz, que tal como o adulto, diz "Frio? Eu não tenho frio?" e também expõe a sua Thermotebe. Mas esse outro anúncio ficaria para a história pelo bordão que o garoto profere: "Eu uso uma Thermotebe e o meu pai também!". (Um bordão tão histórico que em 2018 até deu título a uma peça de teatro). O que está no YouTube, graças ao canal Mistério Juvenil, é outro anúncio, claramente posterior, passado num acampamento onde também sopra um vento algo furioso e enquanto vários garotos preparam lenha para uma fogueira, o único adulto presente que as legendas indicam ser um médico de nome Alberto Silva afirma (em voz dobrada pelo famoso locutor Carlos Duarte) que estão todos a usar Thermotebes. E uma vez mais, um petiz que levanta a camisola e mostra a sua Thermotebe e uma nova variação do bordão: "Frio? Nós não temos frio." Como é evidente, estes dois anúncios com miúdos também fizeram com que durante um curto espaço de tempo, a petizada tuga tivesse desejado receber uma camisola interior como prenda de Natal.   



Mas afinal de onde vinham essas Thermotebes turbo-eléctricas? Vinham de Barcelos, da empresa TEBE, fundada nos anos 40, que além de camisolas interiores, produzia todo o tipo de roupa interior e têxteis-lar. A TEBE também tinha outras marcas como Marie-Claire (presumo de lingerie) e Tebesport (de vestuário desportivo).  E o que era afinal essa fabulosa tecnologia de ponta utilizada nessas confecções made in Minho? Ao que parece, a mistura de tecidos utilizada na sua confecção propiciava a geração de electricidade estática, isolando a peça e tornando-a mais capaz de manter o calor do corpo. (Na minha pesquisa para este texto, descobri mesmo um relato de alguém que usou Thermotebes em criança e que se divertia a despir a camisola no escuro frente ao espelho para ver as faíscas que saltavam devido à electricidade estática!)   



Pelo que consegui apurar (e alguém me corrija se houver alguma incorrecção naquilo que vou dizer), existe ainda empresa TEBE mas o negócio da confecção têxtil foi transferido em 2009 para outra empresa do grupo, a Posolis cuja fábrica se situa em Braga. E não, já não fabricam Thermotebes. Tal como outras empresas do ramo têxtil nacional, a TEBE enfrentou algumas dificuldades com as dinâmicas e as regulamentações para essa indústria que advieram da entrada de Portugal na União Europeia e algures nos anos 90, a empresa optou por abdicar das suas marcas próprias e desde então produz para grandes marcas de distribuição.


E eu sou sincero: com o frio que tem feito ultimamente, volta e meio dou por mim a desejar ter uma camisola como a Thermotebe que me protegesse do frio como uma armadura.
     
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