sexta-feira, 22 de maio de 2020

MacGyver (1985-1992) Parte 2



Com Parte 2 não indico que escrevi sobre o remake, mas apenas que vou juntar algumas observações que fiz desde que comecei a rever a série na RTP Memória. Para mais detalhes, (re)leiam a Parte 1: "MacGyver"(1985-92).


Portanto, a RTP Memória voltou a emitir os episódios, finalmente num horário que me convinha e embarquei com gosto nesta viagem de rever as aventuras de MacGyver e amigos. E foi incrível a quantidade de detalhes que tinha apagado da memória, bem como todos os que ainda estavam presentes, cerca de três décadas depois. E vendo os episódios diariamente, ao invés de um episódio por semana, como estávamos condenados antigamente, permitiu notar toda uma série de evoluções, modificações e ajustes, bem como  a personalidade inconstante do protagonista ao longo das várias temporadas, não falo em pormenores picuinhas, mas por exemplo a hesitação em ir salvar um jovem amigo a caminho de um provável destino mortal num pais desconhecido quando umas dezenas de episódios antes MacGyver fez de tudo para salvar o mesmo jovem. Principalmente no inicio, MacGyver era quase tão mulherengo como o agente 007 que tentavam imitar, mas em versão low budget gadgets. Há um vídeo que recomendo imenso porque faz um apanhado desses pormenores mais interessantes, incluindo o uso de imagens de outros filmes em sequências inteiras (Youtube "The Three Faces of MacGyver: Part 1 - Mac of All Trades").

Mas além de tudo, do pouco que recordava desta série que via religiosamente aos final dos Domingos à tarde não me lembrava que era tão divertida e dinâmica. Há alguns anos vi um episódio ao calhas num canal de cabo e quase adormeci, no entanto ao rever confirmo que é muito bem editada e resiste bem ao tempo. 



Também não tinha ideia que personagens como o adorável sacana Jack Dalton (o amigável traficante que constantemente coloca MacGyver em apuros), Penny Parker (aquela versão musical de Cleopatra foi...inesquecível) ou Murdoc (o delicioso over the top némesis imortal de MacGyver, vivido pelo actor inglês e rocker Michael Des Barres, que descobri hoje voltou a surgir no remake de MacGyver. Mas como estou a pensar dar uma segunda chance a essa série, não pesquisei mais...) tinham aparecido em tantos episódios, o que foi um agradável bónus.

E nem me recordava dos irmãos Colton, que tiveram direito a episódio especial para tentar lançar uma série protagonizada pela peculiar família de caçadores de recompensas. Mas foi um spin-off que não se concretizou.

Entremeados com os capítulos mais bombásticos,  apareciam alguns episódios preocupados com causas que infelizmente, mais de 3 décadas depois não tiveram grandes melhoras: liberdade e direitos humanos dos cidadãos na China (com referências directas ao Massacre de Tian An Men), a caça furtiva aos rinocerontes (negros) para alimentar o comércio da perversa medicina tradicional chinesa, racismo, desigualdade social, etc. E à medida que a série se aproximava do final, esses episódios - mais baratos? - de causas e comentários sociais aumentaram, mas sem no entanto serem moralistas. MacGyver por exemplo, tentava compreender os argumentos dos ambientalistas e dos madeireiros, e evitava ser o tradicional "salvador branco" que ia resolver os problemas dos locais (literalmente no dia seguinte a escrever isto o episódio do dia tem um místico oriental a afirmar que MacGyver é "o tal" ) . Mas aposto que ele ia acabar por complicar muito a vida de alguns personagens, se estes continuassem a existir depois da foto com os créditos no final de cada episódio, pelo menos nas primeiras temporadas ainda em Guerra Fria com os soviéticos e outros ditadores de meia tigela.
Curiosamente dos episódios que vi o mais pateta não é nenhum daqueles que o MacGyver sonha ser um cowboy, mas "Harry's Will", com vários cameos (como o Scotty de "O Caminho das Estrelas"), cenas ridículas e um tipo de humor slapstick que contrasta com o habitual na série.
E falando no Oeste Selvagem, no segundo episodio western, uma das "mulheres de MacGyver" é a ex-actriz porno Traci Lords, famosa pelo escândalo que abalou a indústria de filmes para adultos nos anos 80, visto que ela ainda não era adulta quando actuou na maioria da sua filmografia (que teve que ser banida ou editada nos EUA), pormenor que na época que o episódio passou na RTP eu desconhecia. (Aposto que muito espectador português sócio de clube de vídeo a reconheceu imediatamente..) Mas Lords não desistiu e conseguiu desde os anos 90 construir uma carreira de actriz em cinema e TV. 

Falando de episódios invulgares, se não tivesse terminado na sétima temporada, estou certo que ainda veríamos MacGyver no Espaço a combater alguns refugos da Galáctica depois de MacGyver bater com a cabeça na secção de ficção cientifica da biblioteca. A maioria dos vilões das ultimas temporadas pareciam saídos de um desenho animado, e tornou-se um pouco frustante ver o corajoso herói que enfrentou tantos perigos durante sete anos várias vezes agir como uma criança assustada e impotente para reagir, só para permitir acomodar a metragem do episódio. Mas foi bom recordar o trauma infantil que foi a causa da aversão que o nosso herói tem a armas de fogo.
No episódio que o chefe/melhor amigo Pete aguarda a operação aos olhos, ambos recordam aventuras passadas, e num dos flashbacks  é chocante comparar o tamanho gigante a que a gadelha de MacGyver chegou na 5ª temporada:

E falando nisso, há pouco tempo consegui uma cópia em VHS de um dos poucos episódios duplos da série, neste caso os dois primeiros dessa temporada, "Legend Of The Holy Rose". Com a minha temática favorita: caça ao tesouro!
Pete Thorton foi presença constante ao longo  da série e quando o actor Dana Elcar desenvolveu glaucoma, também o seu personagem Pete ficou progressivamente cego e participou em alguns dos episódios da temporada final. 

Uma curiosidade relacionada com Dana Elcar é que consta que o actor e o seu duplo na série - Don S. Davis - eram frequentemente confundidos. Podem vê-lo na foto abaixo, é o careca. Quase gémeos...

Anos depois, Don S. Davis seria o chefe do MacGyver, isto é, do Coronel O'Neill em "Stargate SG-1" (a continuação do "Stargate" de 1994), o segundo papel marcante da vida do actor Richard Dean Anderson.

Mais do que numa época pré-Internet podíamos imaginar, muitas vezes os episódios de séries eram emitidos fora de ordem cronológica, mas poucos casos serão tão flagrantes como o final de MacGyver, que foi emitido em penúltimo! E apesar de ter pesquisado para o artigo que escrevi em 2016 - Parte 1: "MacGyver"(1985-92), ainda consegui ter várias surpresas, como a do episódio final SPOILERS em que MacGyver encontra o seu filho que desconhecia existir. 

Com a quantidade de ex-namoradas, amigas e mulheres bonitas em perigo que MacGyver ajudou e confortou ao longo de sete temporadas e dois telefilmes, aposto que tem mais filhos que o Julio Iglesias, espalhados por essa Terra...
Estou agora a pensar rever os telefilmes "MacGyver: Lost Treasure Of Atlantis" e "MacGyver: Trail To Doomsday" (respectivamente "MacGyver: o Tesouro Perdido da Atlântida" e "MacGyver: Conspiração Internacional" nos ecrãs nacionais) ambos de 1994, e talvez recomeçar o remake no ar desde 2016. Talvez...



terça-feira, 19 de maio de 2020

Apanhados (1992-93; 1995)

por Paulo Neto


Os programas de televisão em que são pregadas partidas a cidadãos comuns, vulgo "apanhados", são tão antigos quanto a história da televisão. Não sei se o conceito foi inventado anteriormente em algum outro país, mas tanto quanto sei esse conceito começou nos Estados Unidos em 1948 sobre o título "Candid Camera", que aliás provinha de uma versão radiográfica intitulada "Candid Microphone" e de algumas curtas metragens cinematográficas. Várias encarnações do programa foram produzidas na televisão americana (a mais recente em 2014) e lembro-me que algumas delas chegaram a passar na RTP e na TVI em meados dos anos 90, quando o apresentador era Dom DeLuise. Claro que o conceito não tardou a ser adaptado para outros países, alguns mantendo programas nesses moldes na sua programação até hoje.



Em Portugal, foi Joaquim Letria o creditado por trazer os "apanhados" para a televisão portuguesa, integrados nos programas que conduziu para a RTP. Primeiro em 1980 para o programa "Tal & Qual" (que tinha o mesmo nome do jornal que fundou nesse ano e que duraria até 2007), mais tarde em 1987/88 no programa "Já Está" (onde a rubrica tinha o título de "Fotomaton") e em 1990/91 para o programa que tinha o seu nome. E claro, por essa altura, os filmes com essa mesma temática da saga sul-africana "Gente Gira"  faziam furor por cá. 



O sucesso desses quadros era tal que se impunha um programa autónomo. E foi assim que o programa obviamente intitulado "Apanhados" foi uma das mais aguardados estreias da RTP1 para a rentrée de 1992 (quando muito em breve a SIC iria iniciar as suas transmissões). Foram 26 programas emitidos nas noites de segunda-feira entre 14 de Setembro de 1992 e 8 de Março de 1993.

Joaquim Letria aparecia no início de cada quadro, explicando a respectiva situação. Embora já tivesse aparecido na televisão antes, sobretudo na pele do palhaço Fraldinha, foi aqui que Guilherme Leite teve o seu primeiro grande momento de notoriedade televisiva. Houve também uma situação em que a lendária apresentadora da RTP Helena Ramos entrevistava pessoas enquanto estas iam sendo maquilhadas exageradamente e a actriz Adelaide João protagonizou também duas situações. Consegui identificar também dois dos futuros comparsas de Guilherme Leite nos "Malucos do Riso": Ildeberto Beirão e Amadeu Caronho. O site "Brinca, Brincando" (de onde provêm várias das imagens aqui utilizadas) descobriu também que a actriz Sandra B. foi uma das vítimas que foram apanhadas numa das situações.






Eu costumava gravar os "Apanhados" para o meu pai ver quando chegava a casa e houve uma situação que rapidamente se tornou a favorita de toda a nossa família e que revimos vezes sem conta: a do manequim vivo, em que aquele famoso homem-estátua (não me recordo do nome do senhor) fazia-se passar por um manequim que de repente se mexia, para susto dos incautos clientes que andavam pela loja.


Outras situações que eu recordo: pessoas que tentam falar de uma cabine telefónica mas mesmo ao pé está uma daquelas motas a fazer aqueles ruídos insuportáveis, o homem que dá um sermão num clube de vídeo aos clientes que alegadamente teriam alugado filmes pornográficos, uma pilha de caixas que cai num supermercado com uma actriz disfarçada de repositora a culpar os transeuntes, a senhora numa farmácia que pede a outras pessoas para a ajudarem a comprar preservativos com sabor, uma freira que pede para lhe ajudarem a escrever uma carta com conteúdos não lá muito castos, pessoas que são convidadas a fazer um anúncio a um sumo que vem-se a provar ser intragável ou viajantes que acabam de chegar ao aeroporto de Lisboa e uma equipa de televisão os confunde com alguém importante. 

Estes "Apanhados" foram um sucesso de audiência e provocaram vários risos pelo país fora, mas o programa acabaria em tons amargos: Manolo Bello, o criador das situações apanhadas, desentendeu-se com Joaquim Letria, alegando que este lhe pagara menos que o previsto e o próprio Letria fartou-se de ser conotado como "o senhor dos Apanhados" e deste rótulo estar a ofuscar todo o seu vastíssimo trabalho enquanto figura de proa da comunicação social portuguesa.


Ainda em 1993, Manolo Bello recuperaria o formato dos "Apanhados" da SIC em "Minas E Armadilhas" (que futuramente terão o seu próprio artigo), novamente com Guilherme Leite entre os protagonistas das situações. 



Mesmo assim em 1995, uma nova encarnação dos "Apanhados" com treze episódios exibidos na RTP1 entre 20 de Maio e 3 de Setembro desse ano , em que os Black Company, na altura vivendo ao máximo o sucesso do seu hit "Nadar", faziam vários sketches que eram elos de ligação entre as diversas situações. Desta vez a autoria das situações esteve a cargo do francês Jean-Yves Lafesse e entre os pregadores de partidas estavam os actores António Melo e Maria João Abreu (que então ainda não eram tão conhecidos do grande público como o são actualmente), bem como participações especiais de Roberto Leal e Margarida Pinto Correia

Margarida Pinto Correia numa das situações apanhadas


As duas encarnações dos "Apanhados" estão disponíveis no site de arquivos da RTP:
- A era Joaquim Letria: https://arquivos.rtp.pt/programas/apanhados/
- A era Black Company: https://arquivos.rtp.pt/programas/apanhados-temporada-ii/

No Youtube podem ser vistos alguns excertos como por exemplo esta situação em que, 18 anos antes do casamento entre pessoas do mesmo sexo ter sido legalizado em Portugal, Guilherme Leite e o seu cúmplice fazem-se passar por um casal que se quer casar e que pede a pessoas na rua para serem a sua testemunha. (E se não me falha a memória existiu posteriormente uma situação idêntica mas com um casal de mulheres.)


4.º programa (5/10/1992)
que inclui o apanhado do anúncio ao sumo intragável:

domingo, 10 de maio de 2020

A Rede (1995)

por Paulo Neto


Em 1995, a internet dava ainda os primeiros passos para a sua massificação (aliás, acho que foi nesse ano que eu ouvi pela primeira vez a palavra "internet") mas foi nesse ano que Hollywood abordou pela primeira vez o ciberterrorismo e os perigos dessa nova forma de comunicação. E quem melhor para protagonizar um filme desses do que Sandra Bullock, que então vivia os seus primeiros anos de estrelato e que dera provas em filmes de acção como "Homem Demolidor" e sobretudo "Speed - Perigo Em Alta Velocidade"? Esse filme foi "A Rede" ("The Net") realizador por Irwin Winkler, que há dias apanhei por acaso numa noite de zapping televisivo e fiquei a ver.



Em "A Rede", Bullock é Angela Bennett, uma especialista em analisar sistemas informáticos, que vive em Venice, na Califórnia, trabalhando a partir de casa para a empresa Cathedral em São Francisco. Angela vive uma vida solitária e dedicada ao trabalho e as suas interacções com outros são quase exclusivamente via online ou por telefone, excepto algumas visitas à sua mãe (Diane Baker), internada por sofrer de Alzheimer. Um dos seus colegas envia-lhe uma disquete cujo link com o símbolo de "pi" dá acesso a informações sobre um novo sistema informático de segurança, "The Gatekeeper" (o "Guardião") mas antes de saber mais, o colega morre misteriosamente num acidente de avião.


De férias no México, Angela conhece um atraente inglês chamado Jack Devlin (Jeremy Northam), mas o que começa por ser um romance de férias toma um rumo perigoso quando ela descobre que Jack quer matá-la por causa dessa disquete. Após alguns dias inconsciente devido ao acidente de barco resultante desse confronto, Angela fica estupefacta ao saber que a sua identidade foi completamente roubada: foi dada como tendo feito o check-out do hotel e do carro alugado, os seus cartões de crédito foram invalidados e ao regressar aos Estados Unidos, descobre que alguém fez-se passar por ela para vender a sua casa e todos os seus pertences e devido às suas poucas interacções pessoais, nenhum dos vizinhos pode confirmar que ela é a verdadeira Angela. Em troca disso, a sua identidade agora é de alguém chamada Ruth Marx, que consta dos dados da polícia como procurada por ter hackeado os seus sistemas de segurança. Sem mais ninguém para a ajudar, Angela recorre a um ex-namorado Alan Champion (Dennis Miller) que a instala num hotel e promete contactar um amigo no FBI para a ajudar. 




Através de uma password que roubou da carteira de Devlin, Angela descobre que este trabalha para uma sociedade secreta, os Pretorianos, que pretendem controlar o espaço cibernético através do "Guardião", acedendo a dados secretos de bancos, de instituições públicas e até do governo americano, e que estiveram por trás da morte do Secretário de Defesa americano Michael Bergstrom (Ken Howard), um opositor desse sistema, que se suicidou por pensar que contraiu o vírus da SIDA, uma falsa informação que foi manipulada. Depois de sobreviver a mais uma perseguição de Devlin, Angela descobre que ele também provocou a morte de Alan, ao trocar os seus dados no hospital onde estava internado, recebendo uma dose letal de insulina.  
Com Devlin e a polícia no seu encalço, Angela ruma a São Francisco numa corrida contra o tempo para descobrir a verdadeira Ruth Marx (Wendy Gazelle) que ocupou o seu lugar, denunciar Jeff Gregg, o CEO da empresa do "Guardião" e líder dos Pretorianos, e provar a sua inocência.



Apesar de já parecer extremamente datado aos olhos de 2020, sobretudo na parte da tecnologia (quando uma disquete era o suprasumo do armazenamento de informação), "A Rede" ainda é um filme que se vê bem e beneficia do efeito "cápsula do tempo" de nostalgia dos anos 90. Sandra Bullock é uma vez mais competente como protagonista, embora seja pouco verosímil que alguém como ela vivesse uma vida tão solitária. No entanto, as suas mensagens sobre os perigos da internet e aquilo que expomos nela, bem como a capacidade das grandes empresas para aceder a informações pessoais e controlar muita coisa com isso, permanece bem actual vinte e cinco anos depois. 
O filme gerou também uma série em 1998 e uma sequela directa para o mercado de vídeo de 2006.

Trailer:





segunda-feira, 4 de maio de 2020

Festival da Eurovisão 1985

por Paulo Neto

Este ano, por causa das razões que se sabem e pela primeira vez desde a criação do certame, não haverá Festival da Eurovisão. Mas aqui na Enciclopédia de Cromos continuamos a recordar edições passadas e desta vez recuamos até 1985.



O 30.º Festival da Eurovisão teve lugar a 4 de Maio de 1985 na arena Scandinavium na cidade sueca de Gotemburgo. Participaram 19 países, tantos quanto no ano anterior, mas os Países Baixos e a Jugoslávia estiveram ausentes devido ao dia do evento coincidir com datas pouco propícias a celebrações nesses países mas em contrapartida regressaram Grécia e Israel, ausentes no ano anterior. Nesta edição foi prestada uma devida atenção aos autores e compositores das canções, sendo estes os protagonistas dos postais ilustrados em que eles visitavam vários locais da área metropolitana de Gotemburgo. Deste modo, os intérpretes só participaram nos postais ilustrados caso tivessem contribuído para a composição das respectivas canções. (Foi o caso da nossa Adelaide Ferreira, creditada como autora da letra da canção que defendeu.)
Ainda assim, neste ano foram vários os intérpretes que regressaram à Eurovisão. Foi também o caso da apresentadora Lill Lindfors, que tinha representado a Suécia em 1966. Lindfors acabaria por protagonizar um dos momentos mais marcantes do espectáculo, que ficaria para a história da Eurovisão: chegada a altura de iniciar as votações, um aparente acidente de vestuário deixou-a sem saia e de cuecas à mostra em pleno palco! Perante o burburinho geral, logo a seguir ficou-se a saber que tinha sido tudo uma partida, com Lill Lindfors prontamente a desdobrar a blusa que trazia vestida num outro vestido.
Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Eládio Clímaco e Maria Margarida Gaspar foi a porta-voz dos votos portugueses. 

Como é habitual, abordaremos as canções por ordem inversa da classificação:

Linda Lepomme (Bélgica)

Alguém tem de ficar em último e nesse ano a fava calhou à Bélgica, que recebeu somente sete pontos da Turquia. Linda Lepomme era mais conhecida como actriz no seu país mas também ocasionalmente dava mostras como cantora. Em Gotemburgo, interpretou a balada "Lat me nu gaan" ("deixa-me ir"). Mas por norma, a Bélgica saía-se pior no idioma flamengo do que em francês e este ano não foi excepção. Mas no ano seguinte, as coisas correriam melhor para as cores belgas. Muito melhor... 

Adelaide Ferreira (Portugal)

Com apenas dois pontos da Turquia, Portugal passou quase todo o período das votações na cauda da tabela, mas os sete pontos da Grécia, o último país a votar, salvou-nos da lanterna vermelha. Adelaide Ferreira começou por dar cartas no início dos anos 80 durante o boom do rock português, com canções como "Baby Suicida" e "Trânsito" elevando-a ao estatuto de roqueira-mor nacional. Mas seria através das baladas que o seu repertório viria a deixar maior legado. Em 1984, Adelaide Ferreira alcançou o melhor resultado de sempre de Portugal no Festival da OTI, o segundo lugar com "Vem No Meu Sonho". Em 1985 venceu o Festival da Canção com "Penso Em Ti (Eu Sei)", que como já falámos aqui foi uma edição mítica que deixou para a posterioridade o "Umbadá" de Jorge Fernando e onde participaram nomes como os Delfins, Alexandra, uns bem jovens Nuno e Henrique Feist e Wanda Stuart (então Vanda Pereira). Igualmente mítico foi o videoclip da canção filmados nos Açores, com Adelaide a protagonizar um melodrama romântico com laivos de sobrenatural. Apesar do parco resultado, Adelaide Ferreira não saiu de mãos a abanar já que foi votada (creio que pela imprensa lá presente) como a mais bem vestida, graças ao ultra-vistoso vestido desenhado pelo malogrado José Carlos. 

Lia Vissi (Chipre)

Takis Binyaris (Grécia)

As pátrias-irmãs de Chipre e Grécia partilharam o 16.º lugar com 15 pontos. Depois de ter feito coro pelas canções da Grécia de 1979 e 1980, Lia Vissi teve nesse ano a oportunidade de participar como solista pelo seu país de nascença, Chipre, interpretando "To katalava arga" ("apercebi-me tarde demais"), uma canção da sua autoria. A sua irmã mais nova, Anna, representou Chipre na Eurovisão em 1982 e a Grécia em 1980 e 2006.
Takis Biniaris representou a Grécia com a romântica balada "Miazoume" ("nós somos parecidos"). Com a camisa branca e o papillon com que se apresentou em palco, dava a ideia que tinha vindo directamente de um restaurante onde tinha servido à mesa.

MFÖ (Turquia)

Paloma San Basilio (Espanha)

Também houve um empate no 14.º com Espanha e Turquia a receberem 36 pontos. A Turquia fez-se representar pelo trio MFÖ (iniciais dos primeiros nomes dos membros da banda: Mazhar Alanson, Fuat Güner e Özkan Ugur). Podia-se quase sempre contar com a Turquia para trazer algo exótico à Eurovisão e o tema que trouxeram, "Didai didai dai", era bastante solarengo e dava para imaginar a ouvir algo assim numa bela praia na costa de Antalya. Os MFÖ regressaram ao Festival em 1988 e continuam no activo, mais de quarenta anos depois da formação do trio.
Nesse ano, a vizinha Espanha apostou forte com uma das suas mais famosas divas, Paloma San Basilio. Desde 1975 que San Basilio fazia sucesso em Espanha e na América Latina, não só em disco mas também em musicais (foi a protagonista da primeira adaptação de "Evita" em língua espanhola) e o tema que defendeu em Gotemburgo, "La fiesta terminó", era feito à medida do seu talento. Mas nesta edição de 1985 as baladas foram como que preteridas pelos temas mais mexidos e este 14.º lugar de Espanha ficou a saber a pouco.

The Internationals (Luxemburgo)

Pino Gasparini & Mariella Farré (Suíça)

O Luxemburgo foi representado por um colectivo internacional: Margo (holandesa), Franck Olivier (luxemburguês), Diane Solomon (americana), Malcolm Roberts (inglês), Chris Roberts (alemão) e Ireen Sheer (inglesa radicada na Alemanha). Embora creditados no certame com os nomes dos seis intérpretes, por vezes esta colaboração é referida sobre a designação The Internationals. Dos seis, a única com experiência eurovisiva era Ireen Sheer que tinha representado o Luxemburgo em 1974 e a Alemanha em 1978. Em uníssono cantaram "Children, Kinder, Enfants" em francês, tendo também gravado versões em alemão e inglês e uma versão trilingue. O Luxemburgo ficou em 13.º lugar com 37 pontos, destacando-se 10 pontos de Portugal.   
A Suíça foi outro país que apostou em intérpretes repetentes nestas andanças, a saber Pino Gasparini (em 1977 com membro da Pepe Lienhard Band) e Mariella Farré em 1983. Apesar de ambos terem raízes italianas e a sua canção se intitular "Piano, piano", cantaram em alemão e ficaram em 12.º lugar com 39 pontos.

Hot Eyes (Dinamarca)

Roger Bens (França)

O duo Kirsten & Soren, também conhecido como Hot Eyes, já tinham representado a Dinamarca no ano anterior e voltariam a fazê-lo em 1988. Nas outras duas participações, Kirsten Siegaard actuou grávida, mas nesta prestação, foi Léa, a filha de Soren Bundgaard, que com nove anos ficou para a história como a mais jovem pessoa a fazer parte de uma actuação no Festival da Eurovisão, um recorde que ficará para sempre já que desde 1990 só maiores de 16 anos é que podem participar seja como for. A canção dinamarquesa tinha um título complicado para quem não é nórdico: "Sku' du spørg' fra no 'en?" ("gostarias de saber?") e falava sobre duas pessoas que se encontram na discoteca e descobrem que são amigos de infância há muito desencontrados. A Dinamarca ficou em 11.º lugar com 41 pontos.
Roger Bens destilou charme francês para cantar "Femme dans ses rêves aussi" ("mulher também nos seus sonhos"), todo um elogio ao sexo feminino e rendeu à França o décimo lugar com 56 pontos, incluindo um 12 da Grécia.

Sonja Lumme (Finlândia)

Gary Lux (Áustria)


Tal como Portugal, a Finlândia é um país pouco habituado a lugares entre os dez primeiros no Festival da Eurovisão pelo que o nono lugar com 58 pontos alcançado nesse ano foi um resultado muito positivo para as cores finlandesas. E verdade seja dita, "Eläköön elämä" ("que viva a vida") é uma das melhores canções finlandesas da história da Eurovisão, um energético tema pop-rock interpretado por Sonja Lumme e onde os quatro membros do coro se moviam em sincronia. Além da sua carreira como cantora, Sonja Lumme também se destacou no seu país como actriz no teatro e na televisão. 
Nascido no Canadá, Gary Lux estava presente pela Áustria pelo terceiro ano consecutivo. Depois de em 1983 ter participado como membro do grupo Westend e em 1984 ter feito coro para Anita Spanner, Lux agora apresentava-se como solista para cantar "Kinder dieser Welt" ("as crianças deste mundo") conseguindo o oitavo lugar com 60 pontos. Um dos compositores da canção, Mick Jackson, compôs também o famoso tema disco "Blame It On The Boogie". Entre os músicos que o acompanharam em palco, estava Rhonda Heath que em 1977 representou a Alemanha como membro dos Silver Convention. Gary Lux viria a representar novamente a Áustria em 1987, além de fazer coro nas canções austríacas de 1993 e 1995.

Al Bano & Romina Power (Itália)

Maria Christian (Irlanda)

Nove anos depois, o célebre duo Al Bano e Romina Power voltou a representar a Itália. Casados desde 1970, a dupla teve vários sucessos internacionais nos anos 70 e 80 como "Felicitá" e "Ci Sará". Em Gotemburgo cantaram "Magic Oh Magic", ficando em sétimo lugar com 78 pontos (12 de Portugal). As três cantora do coro estavam vestidas de verde, branco e vermelho formando a bandeira italiana. Al Bano e Romina acabariam por se divorciar em 1999, cinco anos depois do desaparecimento da sua filha mais velha Ylenia. No Festival da Eurovisão de 2000, Al Bano integrou o coro para a canção da Suíça. Em 2007, Romina Power (filha do actor de Hollywood Tyrone Power) deixou Itália para regressar à sua América natal onde vive desde então, mas muito de vez em quando ainda acede em actuar com o ex-marido.
A Irlanda foi o primeiro país a actuar, ficando em sexto lugar com 91 pontos, com Maria Christian a cantar "Wait until the weekend comes". Christian foi a primeira cantora invisual (sofre de cegueira legal desde os nove anos) a actuar na Eurovisão. Segundo a Wikipedia, Maria Christian vive actualmente em França, na região da Lorena, com o seu marido e os seus sete filhos. Em 2016, concorreu à versão irlandesa do The Voice e este ano, concorreu à versão francesa, entretanto interrompida devido à pandemia.

Izhar Cohen (Israel)


Vikki (Reino Unido)

E perguntam vocês: qual é a minha canção preferida da Eurovisão de 1985? É ainda a mesma pela qual o Paulo de cinco anos torceu na altura! Israel apostava forte ao trazer de novo Izhar Cohen, o vencedor da edição de 1978 com o clássico "A-Ba-Ni-Bi" e a canção com que regressou sete anos depois, "Olé Olé", era igualmente alegre e energética. Eu não era nascido quando Cohen ganhou em 1978, mas este "Olé olé" completo com uma parte para bater palmas encheu as medidas do Paulito de 1985. Desta vez, Israel teve de se contentar com um ainda assim meritório quinto lugar com 93 pontos. Actualmente, Izhar Cohen retirou-se do mundo artístico e é dono de uma joalharia. No Festival da Eurovisão de 2019 em Telavive, foi o porta-voz dos votos do júri israelita.   
Vikki Watson foi a representante do Reino Unido com o tema "Love is...", que ficou em quarto lugar com cem pontos. Em palco, Vikki começou a actuação sentada numa cadeira, levantando-se e afastando-se gradualmente a partir dela do primeiro refrão, uma metáfora ao tema da canção, sobre o medo de arriscar por amor. Actualmente, Vikki Lawson dedica-se a produzir música new age e composições para filmes e televisão sob o nome de Aeone.

Kikki Danielsson (Suécia)

Ao contrário a diferença final de dezoito e vinte pontos do primeiro classificado para o segundo e terceiro posto, ao longo das votações três países foram disputando renhidamente a liderança. O terceiro lugar foi para a Suécia com 103 pontos. Depois de ter representado o seu país em 1982 como parte do duo Chips, Kikki Danielsson apresentava-se a solo cantando "Bra vibrationner" (que não, não quer dizer "soutien vibratório", mas sim "boas vibrações"). Kikki Danielsson continua no activo até hoje e tentou mais quatro vezes regressar à Eurovisão pela Suécia (e uma pela Noruega), a mais recente em 2018.

Wind (Alemanha)
A Alemanha parecia ter a vitória quase certa a cinco votações do fim, mas depois a sorte acabou por favorece o eventual país vencedor, e acabou por ficar em segundo lugar com 105 pontos. O grupo Wind, formado para competir na pré-selecção alemã, com Rainer Höglmeier e Petra Scheeser como vocalistas, interpretou "Fur alle" ("para todos"), uma balada midtempo. Os Wind voltariam a representar na Alemanha em 1987 (ficando novamente em segundo lugar) e 1992, embora apenas Petra Scheeser e o baterista Samy Khalifa tenham estado nas três participações. Com um constante rodar de membros, o grupo Wind ainda hoje se mantém activo na Alemanha.

Bobbysocks (Noruega)

Mas seria a Noruega a vencer com 123 pontos, graças ao duo Bobbysocks e o tema "La det swinge". O duo era formado por Hanne Krogh e Elisabeth Andreassen, ambas já com experiência eurovisiva: em 1971, uma jovem Krogh de 14 anos tinha sido a representante norueguesa, enquanto Andreassen tinha representado a Suécia em 1982 no duo Chips...Sim, a sua parceira da altura Kikki Danielsson foi neste ano sua adversária. Krogh e Andreassen continuaram a actuar e a gravar discos como Bobbysocks até 1988, decidindo depois cada uma apostar numa carreira a solo e ambas voltariam a representar a Noruega na Eurovisão: Hanne Krogh em 1991 como parte do grupo Just 4 Fun e Elisabeth Andreassen em 1994 e 1996.   

As Bobbysocks com Lys Assia, vencedora do primeiro
Festival da Eurovisão em 1956

Foi a primeira vitória da Noruega na Eurovisão (que entretanto voltou a ganhar em 1995 e 2009), na altura um feito impressionante pois na altura era o país que tinha ficado mais vezes em último lugar. (Aliás, com mais cinco últimos lugares desde então, num total de onze, a Noruega continua a ser o país detentor desse recorde pouco invejável.) A apresentadora Lill Lindfors fez questão de referir esse facto na altura de dar os parabéns às Bobbysocks, dizendo-lhes: "Devo dizer-vos que estou francamente feliz que isto aconteceu porque a Noruega ficou tantas vezes em último lugar que vocês mereceram!", ao que Hanne Krogh respondeu: "Tu estás feliz? Como é que julgas que nós estamos?". "La det swinge" tornou-se rapidamente um clássico da Eurovisão e lembro-me de na altura ouvir na rádio a versão em inglês "Let it swing".

Festival da Eurovisão 1985 (comentários da BBC)




O "acidente" de Lill Lindfors: 


Actuação na Gala dos 60 anos da Eurovisão (2015): 




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