por Paulo Neto
Voltamos a recordar uma edição do Festival da Eurovisão e desta vez damos o maior salto temporal até 1975. Na virtude da histórica vitória dos ABBA com "Waterloo" no ano anterior, o
20.º Festival da Eurovisão teve lugar a
22 de Março de 1975 em
Estocolmo, com apresentação de
Karin Falck.
Esta edição é por vezes referida como o "Festival Azul" devido à predominância da cor azul no cenário. Dezanove países participaram no certame, destacando-se a estreia da Turquia e os regressos de França (que desistira em 1974 após a morte do Presidente Georges Pompidou) e de Malta (ausente desde 1972) e a ausência da Grécia, que se estreara no anterior, devido à participação da Turquia com quem estava em conflito na altura devido à ilha de Chipre.
Mas esta edição da Eurovisão é sobretudo histórica por ter sido o primeiro ano em que foi o implementado o sistema de pontuação dos "douze points", nos quais o júri de cada país atribui 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 12 pontos às suas dez canções preferidas, sistema esse, que com devidas alterações, se mantém até hoje. No entanto, ao contrário da ordem crescente de pontuação que viria ser hábito a partir de 1980, as pontuações foram atribuídas por ordem de actuação dos países.
Importa ainda referir que na altura, os países tinham a opção de apresentar a canção num idioma que não o nacional e por isso vários países optaram por cantar parcialmente ou na íntegra em inglês. Existiu ainda a particularidade do trio vocal sueco The Dolls, que acompanharam o grupo Nova na participação da Suécia em 1973, ter feito coro em quatro canções: Bélgica, Suíça, Suécia e Portugal.
Antes de cada actuação, foi apresentado um segmento onde os intérpretes foram convidados a pintar um auto-retrato numa tela branca com a bandeira do país. Júlio Isidro foi o comentador para a RTP e Amadeu Meireles para a Antena 1 e Ana Zanatti foi a porta-voz do júri português.
Como é habitual, falaremos de cada canção por ordem inversa de classificação. (Cliquem sobre o nome do país para um link do vídeo com a actuação.)
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Semiha Yanki (Turquia) |
A
Turquia não teve sorte de principiante, ao ficar em último lugar com três pontos, atribuídos pelo Mónaco (que até demoraram a surgir no quadro de pontuações!). O que é pena, porque a sua canção, "Seninle bir dakika" ("um minuto contigo"), era uma bonita balada interpretada por Semiha Yanki, então com 17 anos. A Turquia só regressaria à Eurovisão três anos depois.
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Ellen Nikolaysen (Noruega) |
A representante da
Noruega, Ellen Nikolaysen, já tinha participado na Eurovisão como membros dos Bendik Singers em 1973 e fazendo coro em 1974. Optou-se por interpretar a canção em inglês com o título "Touch My Life (With Summer)" ficando-se pelo 18.º lugar com 11 pontos.
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Joy Fleming (Alemanha) |
O 17.º lugar da
Alemanha com 15 pontos é, na minha opinião, uma das maiores injustiças de sempre do Festival da Eurovisão. Como foi possível os júris europeus terem ficado indiferente à verve da canção "Ein Lied kann ein Brucke sein" ("uma canção pode ser uma ponte") e ao poder da voz de Joy Fleming? Quem não esteve indiferente foi Rainer Pietsch, o director da orquestra, visivelmente entusiasmado ao longo da actuação. Mas infelizmente, nem mesmo com a recta final em inglês, evitou-se o parco resultado. De seu verdadeiro nome Erna Raad, Joy Fleming teve uma longa carreira, abraçando vários géneros do jazz ao rock, falecendo em 2017.
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Duarte Mendes (Portugal) |
Esta era a primeira participação de
Portugal após o 25 de Abril (que aliás foi iniciado tendo como uma das canções-senha "E Depois Do Adeus", a canção representante de Portugal no Festival do ano anterior) e nem de propósito, o nosso representante foi um dos Capitães do Abril, Duarte Mendes, que fez parte do Movimento das Forças Armadas que desencadeou a Revolução dos Cravos. Além da carreira militar, Duarte Mendes teve também uma carreira de cantor, tendo participado em todos os Festivais da Canção entre 1970 e 1973. O Festival da Canção de 1975 foi marcado pela revolução, com prestações muito mais informais, onde participaram nomes como José Mário Branco, Jorge Palma, Paco Bandeira e Fernando Girão e com canções com títulos como "Com Uma Arma, Com Uma Flor", "Pecado (do) Capital" e "Batalha-Povo". E claro, a "Madrugada" de Duarte Mendes era uma evocação da Revolução, que foi como um acordar para o país pelo que é um bocado estranho que seja das nossas canções eurovisivas menos recordadas. Segundo consta, Duarte Mendes pretendia-se apresentar em palco com o seu uniforme, completo com uma arma com um cravo no cano mas foi dissuadido pelos organizadores. Pessoalmente gosto muito mais da versão ao vivo de "Madrugada" do que
a versão do videoclip, com os coros das The Dolls em evidência. A canção portuguesa impressionou bastante o júri turco, que fez com que pela primeira vez se ouvisse "
Portugal, 12 points!". Com mais dois pontos de Espanha e dois de França, Portugal totalizou 16 pontos, ficando pelo 16.º lugar.
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Ann-Christy (Bélgica) |
Na posição acima de Portugal com mais um ponto ficou a
Bélgica, com a canção "Gelukkig Zijn (Could It Be Happiness)", apresentada em palco numa versão bilingue de flamengo e inglês. Além desses dois idiomas, a intérprete Ann-Christy gravou versões em francês e alemão. Segundo consta, Mary Boduin, a autora e compositora da canção, tinha inicialmente feito a música para o que seria o
jingle de um anúncio de uma marca de jeans. Infelizmente, Ann-Christy (de seu verdadeiro nome Christianne Leenaerts), faleceu de cancro em 1984, com apenas 38 anos.
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Sophie (Mónaco) |
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Pepel I Kri (Jugoslávia) |
O
Mónaco e a
Jugoslávia ficaram empatados no 13.º lugar com 22 pontos. A representar o principado esteve a cantor Sophie Hecquet com a canção "Une Chanson C'est Une Lettre" ("uma canção é uma carta"). Posteriormente mais dedicada ao trabalho como apresentadora de rádio e televisão, Sophie faleceu em 2012. A Jugoslávia foi representada pelo grupo esloveno Pepel I Kri (que no certame actuou sob a denominação inglesa Ashes And Blood) com o tema "Dan Ljubezni" ("um dia de amor"), com Ditka Haberl como voz principal. Seria a quarta e última vez que a Jugoslávia seria representada na Eurovisão por uma canção em língua eslovena, língua essa que só voltaria a ser ouvida no Festival em 1993, já sob a bandeira de uma Eslovénia independente. Quatro dos membros da banda fariam coro da canção italiana "Insieme 1992" que viria a vencer o Festival da Eurovisão de 1990.
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Renato (Malta) |
Depois de duas participações em 1971 e 1972, onde ficou em último lugar, a pequena nação mediterrânica de
Malta regressava à Eurovisão e desta vez saiu-se bem melhor ao ficar em 12.º lugar com 32 pontos. Talvez o facto de ao contrário das duas anteriores participações em maltês, ter desta feita sido apresentada uma canção em inglês, a outra língua oficial do país, "Singing This Song", tenha ajudado. Além disso, o intérprete Renato Micalaeff não passou despercebido em palco com a sua camisola com enormes franjas. Mas apesar deste melhor resultado, Malta só voltaria à Eurovisão em 1991.
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Shlomo Artzi (Israel) |
Para a grande maioria dos cantores que passaram pela Eurovisão, a sua participação no certame foi o auge ou pelo menos um pico nas suas carreiras. Mas existem aqueles para os quais a Eurovisão não será muito mais que uma nota de rodapé. É o caso de Shlomo Artzi, o representante de
Israel com a canção "At Va' Ani" ("tu e eu", que ficou em 11.º lugar com 40 pontos), que é uma das maiores lendas da música israelita. Tendo iniciado a carreira musical em 1970, por esta altura Artzi estava numa encruzilhada profissional já que os sucessos estavam a escassear. Em 1977, Shlomo Artzi decidiu gravar um último álbum para depois se retirar da música. Ironia das ironias, seria esse álbum, cujo título em português se pode traduzir como "um homem perdido" que salvaria a sua carreira e o catapultaria para um estrondoso sucesso nas décadas seguintes, sendo um dos raros cantores israelitas com mais de um milhão de discos vendidos. Ainda hoje, é habitual que os seus concertos durem mais tempo do que o inicialmente previsto, com o público a pedir mais e mais encores.
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Sergio & Estibaliz (Espanha) |
A vizinha
Espanha ficou em 10.º lugar com 53 pontos, sendo representada pela canção "Tu Volverás" do duo Sergio & Estibaliz, ambos oriundos de Bilbau. Os dois eram um casal na vida real, tendo-se casado nesse mesmo ano de 1975. Os dois tinham feito parte inicialmente do grupo Mocedades, mas já não quando este foram representantes da Espanha no Festival da Eurovisão de 1973, tendo ficado em segundo lugar com o clássico "Eres Tu". Sergio e Estibaliz continuaram juntos na vida e na música, quer como duo, quer integrando mais tarde o grupo El Consorcio, até que a Morte os separou em 2015, quando Sergio Blanco faleceu de doença prolongada aos 66 anos.
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The Swarbriggs (Irlanda) |
A
Irlanda fez-se representar pelos The Swarbriggs e a canção "That's What Friends Are For" (não confundir com a famosa canção de Dionne Warwick do mesmo título), ficando em nono lugar com 68 pontos. Os Swarbriggs eram dois irmãos, Tommy e Jimmy Swarbrigg, que regressariam à Eurovisão dois anos depois. A partir dos anos 80, os Swarbriggs viraram-se para uma carreira nos bastidores da música, na promoção e organização de espectáculos.
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Lars Berghagen (Suécia) |
Lars Berghagen teve a responsabilidade de representar o país da casa, a
Suécia. Curiosamente no ano anterior tinha ficado em segundo lugar atrás do ABBA na final nacional sueca. Em Estcolomo, cantou "Jennie, Jennie" tendo ficado em oitavo lugar com 72 anos. Lars Berghagen continua activo na música de 1965. Entre 1994 e 2003 apresentou "Allsang Pa Skansen", um lendário programa musical da televisão sueca que é transmitido todos os Verões.
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Pihasoittajat (Finlândia) |
Tal como Portugal, a
Finlândia é um país pouco habituado a lugares cimeiros na Eurovisão, por isso em 1975 a terra dos mil lagos conseguiu alcançar um dos seus melhores resultados de sempre, um sétimo lugar com 74 pontos. A Finlândia foi mais um dos países que optou por apresentar a sua canção em inglês, com o título "Old Man Fiddle" cantado pelo grupo Pihasoittajat (que pode ser traduzido como algo como "os tocadores do jardim"), o que fazia sentido já que a canção tinha um certo travo a música country. Depois de um interregno, os Pihasoittajat reuniram-se em 1995 para várias actuações até à morte do membro Hannu Karlsson em 2000. Com uma nova formação, o grupo regressou ao activo em 2009.
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Simone Drexel (Suíça) |
Simone Drexel, a representante da
Suíça, foi a primeira mulher a ser autora, compositora e intérprete de uma canção da Eurovisão, por sinal, a que levou a Estocolmo, "Mikado", obtendo o sexto lugar com 77 pontos. E sim, o tema, cantado em alemão, era sobre o famoso jogo dos pauzinhos coloridos. Em 1984, Simone Drexel fez uma pausa na música devido a maternidade só tendo regressado vários anos depois como vocalista do grupo Bluesonix.
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Geraldine (Luxemburgo) |
Devido à sua pequenez, era habitual o
Luxemburgo recrutar a outras bandas os seus representantes para a Eurovisão. Desta feita, o grão-ducado fez-se representar por uma cantora irlandesa, Geraldine Brannigan, e o seu sotaque fez-se notar quando cantou "Toi" em francês. A canção luxemburguesa ficou em quinto lugar com 84 pontos e ficou para a história do certame por receber os primeiros famigerados "douze points", atribuídos pelo primeiro júri, o dos Países Baixos. Ao que parece, Phil Coulter, um dos autores da canção, apaixonou-se por Geraldine quando a viu num anúncio à cerveja Guinness. Os dois casaram-se em 1998, já depois de terem tido seis filhos!
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Nicole Rieu (França) |
Os primeiros "
douze points" de Portugal na Eurovisão foram para a canção da
França, "Et Bonjour À Toi L'artiste", interpretada por Nicole Rieu, que ficou em quarto lugar com 91 pontos. Além do original em francês, Rieu gravou esta canção em inglês, alemão, espanhol, italiano e japonês! Entre os seus discos subsequentes, destaque para uma versão em francês de "Do You Know Where You're Going To" de Diana Ross. Após uma pausa na carreira para maternidade nos anos 80, Nicole Rieu ainda vai actuando e editando música esporadicamente.
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Wess & Dori Ghezzi (Itália) |
A
Itália fez-se representar pelo duo Wess & Dori Ghezzi, ficando em terceiro lugar com 115 pontos. Wess, ou Wes Johnson, era um americano radicado em terras italianas e desde 1973 que ele e Ghezzi actuavam como duo. Mas ao contrário dos espanhóis, a relação deles foi simplesmente profissional. A sua canção "Era", a última a desfilar no certame, tinha um certo travo a reggae e falava sobre um casal que comparava o fulgor do início da relação à monotonia do presente. A parceria entre os dois durou até 1977, quando Dori Ghezzi teve uma filha. Em 1979 ela e o seu marido Fabrizio De André foram raptados na Sardenha. Ghezzi prosseguiu a solo até que parou a carreira em 1990 devido a problemas de saúde no seu aparelho vocal. Wess continuou no activo até à sua morte em 2009 em Nova Iorque aos 64 anos. A sua filha Romina Johnson também é cantora, sobretudo conhecida por ser a vocalista no hit de 2000, "Movin' Too Fast" dos Artful Dodger.
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The Shadows (Reino Unido) |
A lendária banda britânica The Shadows (famosos por temas instrumentais como "Apache", "Kon-Tiki" e "Dance On!") foram os representantes do
Reino Unido. Por esta altura, a banda estava numa segunda encarnação onde passaram a editar temas cantados, numa formação que incluía o australiano John Farrar, conhecido pela sua colaboração com Olivia Newton-John. A canção que levaram à Eurovisão foi "Let Me Be The One" que teve 138 pontos e o nono de 14 segundos lugares do Reino Unido na história da Eurovisão. Os The Shadows continuaram no activo até 2015.
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Teach-In (Países Baixos) |
Mas nesse ano, pela primeira vez, o vencedor foi o primeiro país a actuar. Os
Países Baixos (a designação que o governo deste país tem feito questão a partir deste ano que seja usada em vez de Holanda) obtiveram a sua quarta vitória no Festival da Eurovisão com o bem-disposto tema "Ding-a- Dong" (onde não é difícil adivinhar as influências dos ABBA) interpretado pelo grupo Teach-In. A canção também é conhecida como "Dinge-Dong", o título do original em neerlandês, tendo-se optado no Festival por apresentar a versão em inglês. Entre várias mudanças na formação da banda, os Teach In duraram de 1969 e 1980. Na altura, a vocalista era Gertrude "Getty" Kaspers que era de origem austríaca. Como já foi referido, esta foi a quarta vitória holandesa na Eurovisão depois de 1957, 1959 e 1969 (em ex-aqueo com Espanha, França e Reino Unido) e como se sabe, foi preciso esperar até 2019 pela quinta vitória.
Esta semana foi anunciado que devido à actual pandemia que assola o mundo, pela primeira na história do evento não se realizará o Festival da Eurovisão este ano, mantendo-se Roterdão como a cidade anfitriã para 2021. Segundo consta, estava previsto que Getty Kaspers fosse uma das convidadas a actuar cantando "Ding-a-Dong".
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A alegria dos vencedores |
Festival da Eurovisão de 1975 (na íntegra, sem comentários):