Durante uma parte de 1991, as três telenovelas da Rede Globo exibidas na RTP começavam por T. Na RTP2, dava "Ti Ti Ti", no horário nobre da RTP1 "Tieta" e â hora do almoço, "Top Model". Aliás estas duas últimas foram também exibidas quase em simultânea no Brasil entre 1989 e 1990.
Da autoria de Walter Negrão e António Calmon, como o próprio título indica, "Top Model" abordava o mundo da moda, mas outros temas fulcrais foram o conflito entre o idealismo dos anos 60 e o capitalismo dos anos 80, a diversidade de dinâmicas familiares e questões da adolescência.
Malu Mader encarnou a protagonista, Maria Eduarda Pinheiro ou Duda, uma bela e ambiciosa jovem que tem a sua grande oportunidade de vingar como manequim quando assina contrato com a prestigiada marca de confecções Covery, propriedade da família Kundera. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, a jovem conhece os irmãos Gaspar (Nuno Leal Maia) e Alex Kundera (Cecil Thiré), que sempre viveram em eterno conflito sobre tudo, até nas atenções da mãe de ambos, Morgana (Eva Todor).
Duda e Alex
Gaspar e os cinco filhos Ringo, Olívia, Jane, Lennon e Elvis
Gaspar é um eterno "menino do Rio", antigo surfista que vive na praia com os cinco filhos que teve de quatro mulheres. Do primeiro casamento com a americana Bárbara Ellen (Susana Vieira), nasceu Elvis (Marcelo Faria), sucessor do pai nas glórias do surf. Com a esotérica Maria Regina ou Bellatrix (Rita Lee), teve a temperamental Jane Fonda (Carol Machado) e o espertalhão Ringo Starr (Henrique Farias). No seu terceiro casamento com Florinda (Regina Duarte), uma fotógrafa ocupada a correr o mundo, Gaspar coadoptou a doce Olívia (Gabriela Duarte), que se integrou perfeitamente na família. E com a arrivista Marisa (Maria Zilda Bethlem), teve o pequeno Lennon (Igor Lage). E como se estes cinco não fossem já confusão que chegue, há ainda o cão Maradona. Felizmente, para pôr tudo minimamente em ordem, Gaspar conta com a ajuda de Náná (Zézé Polessa). Náná é secretamente apaixonada por Gaspar, mas não só sabe que ele ainda continua a suspirar por Marisa, que o trocou pelo irmão, como não quer ser apenas mais uma na sua lista de conquistas. Outro amigo de Gaspar que também o ajuda com as questões dos filhos é Saldanha (Evandro Mesquita), um ex-surfista que tem um bar na praia e que também já foi apaixonado por Bellatrix.
Naná
Saldanha
Já Alex é o oposto do irmão, frio, materialista e controlador. Apesar de ser duro para com os que rodeia, no trabalho e na família, quando quer tem um lado encantador e sedutor. Quando Marisa se aproximou dele, desiludida com a vida com Gaspar e desejosa de ascensão social, não hesitou em roubá-la ao irmão. A frieza com que Alex trata o filho Alex Jr. (Rodrigo Penna), leva este a procurar afecto junto do tio Gaspar e dos primos, tendo até um fraquinho pela prima Jane. Apaixonado em criar top models, mas não pelas pessoas que elas são, Alex encanta-se com Duda a quem promete uma vida de luxo. Só que o coração dela bate forte por Lucas Pasolini (Taumaturgo Ferreira), um jovem artista de grafitti que Gaspar contrata para desenhar as pranchas de surf que fabrica. Lucas tem um segredo: fugiu de São Paulo para o Rio de Janeiro após se ter envolvido num assalto com qual pretendia pagar um tratamento para a doença grave da sua mãe Suzana (Marília Pera), que acabou por morrer. Segundo uma pista deixada pela mãe antes de morrer, Gaspar ou Alex poderão ser o pai do rapaz.
Lucas e Duda
Tininha e Tânia
Olívia e Artur
Outras personagens marcantes foram Artur (Jonas Torres), com quem vive um grande amor adolescente com Olívia, marcado pela oposição dos pais deles e mais tarde por uma doença grave; Tininha (Adriana Esteves), a namorada de Elvis e a amiga desta, Tânia (Flávia Alessandra); Cleide (Suzana Faini), a neurótica mãe de Duda; Milú (Cinira Camargo), uma manicure que é alvo das fantasias de Ringo; Baby (Felipe Carone), parceiro nos esquemas de Morgana; Simone (Jacqueline Laurence), a governanta da casa de Alex; Raúl (Alexandre Frota), fotógrafo bonitão casado com a modelo Carla (Suzy Rêgo); Giulia (Alexandra Marzo), que vai disputa o coração de Lucas com Duda; e Cida (Drica Moraes), a divertida empregada da casa de Alex, que me lembro de numa cena cantar o tema de abertura da telenovela "Tieta" ("Vem meu amor, vem com calor...")
Cida
A telenovela ainda contou com actores como Vera Holtz, Maria Gladys, Jonas Bloch e Denise Del Vecchio, bem como participações especiais de Marcelo Novaes, Mário Gomes, Eduardo Moscovis, Zilka Salberry e, antes de se tornarem actrizes, Ingra Liberato e Alexia Deschamps apareceram como manequins dos desfiles da Covery.
Jane e Lennon com o Maradona
Tanto no Brasil como em Portugal, o sucesso da telenovela esteve principalmente no núcleo de Gaspar e seus filhos. Nele foram abordados alguns assuntos da adolescência como a menstruação, a masturbação e a gravidez precoce. Recordo também uma cena divertida em que Lennon se interessa por uma japonesinha chamada Yoko Ono, mas quando convida os pais dela lá a casa, Gaspar aparece embriagado e estraga tudo. O cão Maradona, misto de labrador com golden retriever, também conquistou os telespectadores: na verdade foram usados dois cães, Kauê e Kiwi, sendo que esta era uma fêmea.
A banda sonora também foi marcante, nomeadamente o tema do genérico de abertura "Eu Só Quero Ser Feliz" dos Buana 4 e a versão em português de "Hey Jude" por Kiko Zambinachi, assim como "Right Here Waiting" de Richard Marx que ilustrava as cenas românticas entre Duda e Lucas ou "Don't Wanna Lose You" de Gloria Estefan nas de Olívia e Artur.
Promo da novela (semelhante à que foi utilizada na RTP)
Tempo para voltar o hino da Eurovisão ("Te Deum - Marche En Ronde" de Marc-Antoine Charpentier) e recordar mais um Festival.
O 23.º Festival Eurovisão da Canção teve lugar a 22 de Abril de 1978 no Palácio de Congressos de Paris. Apesar de ter então cinco vitórias, esta era apenas a terceira edição em França, após as edições de 1959 e 1961 em Cannes. Pela primeira houve uma dupla de apresentadores: Denise Fabre (1942-) e León Zitrone (1914-1995), sendo que este era o primeiro apresentador masculino do Festival desde a edição inicial. Também pela primeira vez atingiu-se as duas dezenas de países participantes, pois aos dezoito países que competiram no ano anterior, assinalou-se o regresso da Dinamarca, que não participava desde 1966, e a da Turquia pela primeira vez desde a sua estreia em 1975. Esta foi também a primeira de onze edições em que Eládio Clímaco esteve a cargo dos comentários para a RTP. Isabel Wolmar foi a porta-voz dos votos de Portugal.
Esta edição é considerada uma das menos memoráveis da história do Festival da Eurovisão sobretudo devido a dois motivos: o nível muito mediano das canções concorrentes e a falta de empenho da televisão francesa (na altura a TF1) na organização. Segundo relatos da imprensa da época, várias delegações queixaram-se do escalonamento dos ensaios e com a ineficácia do staff da organizações, e alguns jornalistas tiveram dificuldade em encontrar o local do certame na zona noroeste de Paris. Durante a noite da exibição, foram notórios problemas de som, nos arranjos da orquestra e nos planos de câmara.
Mas também houve alguns aspectos positivos: o palco gigante com a orquestra numa plataforma rotativa era visualmente impressionante e, ao contrário dos três anos anteriores, as votações decorrerem sem problemas (e foi o único ano entre 1976 e 1979 em que as pontuações finais apresentadas após as votações estavam correctas). Como o quadro das pontuações não estava presente no local (provavelmente estaria noutro estúdio do complexo), foi mostrado amiúde um écran tripartido com o quadro, os apresentadores e a green room onde estavam os artistas ao mesmo tempo, uma inovação para a época. E embora muita gente não goste, eu até acho piada aos postcards desse ano que eram basicamente a câmara a seguir os artistas de cada país a caminho do palco, geralmente encontrando no caminho os artistas que tinham actuado imediatamente antes e que os saudavam.
Como é habitual, falaremos de cada canção pela ordem inversa de classificação.
Jahn Teigen (Noruega)
Pela primeira vez desde a introdução do novo sistema de votação, conhecido como o sistema dos "douze points", uma canção não conseguiu obter qualquer ponto. Essa canção foi a da Noruega, "Mil etter mil" ("milha após milha"), com a interpretação exuberante de Jahn Teigen (1949-2020) a não convencer os júris europeus. No entanto, esse falhanço acabou por tornar a canção ainda mais popular na Noruega, e Teigen acabaria por dar ao álbum subsequente o título de "This Year's Loser". Jahn Teigen voltaria a representar a Noruega na Eurovisão em 1982 e 1983 (com melhores resultados).
Seija Simola (Finlândia)
Com somente dois pontos cada, a Finlândia e a Turquia ficaram em 18.º lugar, Pelas cores finlandesas esteve Seija Simola (1944-2017) que cantou "Anna rakkaudele tilaisuus" ("deem uma chance ao amor"), que teve apenas dois pontos da Noruega. Com a sua carreira iniciada em 1970, Seija Simola foi uma das cantoras mais populares do seu país.
Nilüfer & Nazar (Turquia)
A Turquia tinha-se estreado no Festival em 1975 mas esteve ausente nos dois anos seguintes devido à participação da Grécia, com quem o país esteve em conflito devido à questão de Chipre. Só em 1978 as tensões amainaram ao ponto dos dois países poderem participar no Festival. Para a sua segunda participação, a Turquia levou o tema "Sevince" ("quando se ama"), interpretado por um quarteto composto por Nilüfer Yumlu, Daghan Baydur, Olcayto Tugsuz e Zeynep Tugsuz, actuando sob o nome de Nilüfer & Nazar. A canção turca obteve um ponto da Noruega e outro do Reino Unido.
Gemini (Portugal)
Um lugar acima e com cinco pontos (quatro de Itália e um de Espanha) ficou Portugal. Mas apesar do parco resultado, a canção é sobejamente conhecida, mesmo 45 anos depois: o "Dai-Li-Dou" dos Gemini. O quarteto foi formado em 1976 por Tozé Brito, Mike Sergeant, Teresa Miguel e Isabel Ferrão e rapidamente obtiveram um hit com "Pensando Em Ti". Em 1977, interpretaram a outra versão de "Portugal No Coração" no Festival da Canção desse ano e mais tarde, Fátima Padinha substituiu Isabel Ferrão. Para o Festival da Canção de 1978, a RTP indigitou três intérpretes para cantaram cada um quatro canções a concurso: além de "Dai-Li-Dou", os Gemini interpretaram "Ano Novo, Vida Nova", "O Circo E A Cidade" e "Tudo Vale A Pena", enquanto José Cid cantou "O Meu Piano", "Porquê, Meu Amor, Porquê?", "O Largo Do Coreto" e "Aqui Fica Uma Canção" e Tonicha "Canção Da Amizade", "Pela Vida Fora", "Uma Dia, Uma Flor" e "Quem Te Quer Meu Bem". A canção vencedora foi escolhida através de um júri de doze personalidades que incluía Simone de Oliveira, Nicolau Breyner, Florbela Queiróz, Igrejas Caeiro, Fialho Gouveia e a lenda da música brasileira Elis Regina que também foi a atração convidada. "Dai-Li-Dou" tinha letra de Carlos Quintas, música de Vítor Mamede e orquestração de Thilo Krassmann e no coro estava uma tal de Helena Águas, que não tardaria a se tornar muito conhecida sob o nome de Lena D'Água. E claro, em 1982 Fátima Padinha e Teresa Miguel regressaram à Eurovisão com as Doce.
Mabel (Dinamarca)
Doze anos depois, a Dinamarca regressava ao Festival. Não foi um regresso auspicioso uma vez que ficou-se pelo 16.º lugar com 13 pontos. Mas levou uma canção bem-disposta, "Boom Boom", interpretada pela banda Mabel, e não é preciso saber dinamarquês para adivinhar que o título referia-se ao bater de um coração apaixonado, até porque um dos membros levava um bombo com um coração pintado. Um dos vocalistas, Michael Trempenau, então com 17 anos, tornar-se-ia uma voz de referência do hard rock sob o nome de Mike Tramp, ao ser vocalista das bandas White Lion e Freak Of Nature.
Springtime (Áustria)
Com mais um ponto, a Áustria ficou um lugar acima. Este país também levou uma banda, os Springtime, que interpretaram "Mrs. Caroline Robinson", que segundo a letra, se tratava de uma bruxa que voa de balão em vez de vassoura, em que a sua feitiçaria é o seu sex-appeal e o seu ponto fraco é a moda. Um dos membros da banda, Norbert Niedermeyer, tinha tido experiência eurovisiva seis anos noutra banda, os Milestones.
Björn Skifs (Suécia)
A Suécia foi o último país a actuar, na voz de Björn Skifs (1947-), Entre diversos projetos, a solo ou em grupos, Skifs alcançou êxito internacional com a banda Blue Swede que chegou ao n.º1 do top americano de 1974 com uma versão de "Hooked On A Feeling". Em Paris, interpretou a canção "Det blir alltid värre frame natten" ("é sempre pior ao anoitecer"), sendo que a atuação foi marcada por um momento caricato: ao princípio, Björn Skifs balbuciou algo que não era o primeiro verso da letra. Ao que parece, Skifs estava descontente por não poder cantar a canção em inglês e pretendia fazê-lo, mesmo tal sendo contra as regras, mas mudou de ideias assim que começou a cantar. Seja como for, a Suécia ficou 14.º lugar com 26 pontos. Björn Skifs voltaria a representar a Suécia em 1981, onde curiosamente voltaria a ser o último a actuar.
Harmony (Países Baixos)
Os Países Baixos foram representados pelo trio Harmony, composto por Donald Lieveld, Rosina Louwaars e Ab van Woudenberg. Um grupo multicultural já que Lieveld tinha raízes afro-americanas e Louwaars ascendência indonésia. Em Paris, defenderam o tema "t is OK", ficando em 13.º lugar com 37 pontos, com um doze de Israel.
Ricchi E Poveri (Itália)
Pela Itália esteve o quarteto vocal Ricchi E Poveri. Formado em Génova em 1967 e composto por Angelo Sotgiu, Angela Brambati, Franco Gatti e Marina Occhiena, já gozava de grande popularidade dentro e fora das fronteiras transalpinas, nomeadamente com o hit de 1971 "Che sarà", com que ficaram em segundo lugar no Festival de San Remo desse ano. Em Paris, cantaram "Questo amore", ficando em 12.º lugar com 53 pontos. Em 1981, ano em que Marina Occhiena deixou o grupo para uma carreira a solo, obtiveram o seu maior sucesso internacional com "Sará Perché Ti Amo" que foi n.º 1 em França e cuja versão em espanhol fez grande sucesso na América Latina. Os Ricchi E Poveri continuam no activo sendo que desde de 2016 têm sido reduzidos a um duo, só com Brambati e Sotgiu. No entanto em 2020 e 2021, a formação original reuniu-se para umas quantas actuações. Em 2022, Franco Gatti faleceu aos 80 anos.
Co-Co (Reino Unido)
Choque! Pela primeira vez no Festival, o Reino Unido ficou fora dos dez primeiros! Com uns visuais a fazer lembrar vestes circenses, os Co-Co levaram o tema "Bad old days", mas não foram além do 11.º lugar com 61 pontos. O grupo tinha sido formado em 1974 sob o nome Mothers Pride, tendo em 1976 mudado o nome para Co-Co. Na altura da sua participação na Eurovisão o grupo era composto por Josie Andrews, Terry Bradford, Keith Hasler, Cheryl Baker, Paul Rogers e Charlie Brennan. Pessoalmente, eu acho estava longe de ser a pior canção que o Reino Unido tinha levado até então mas acabou por ser a primeira vez que o país ficou fora do top 10, aliás a única até 1987. (Se então se soubesse dos diversos fracos resultados que o Reino Unido obteria no século XXI!) Nesse ano, os Co-Co lançaram o seu único álbum mas a banda terminaria pouco depois. Em 1980, alguns membros ainda se reuniram para um novo projecto, The Main Event, e Terry Bradford e Keith Hasler continuam ainda a formar uma parceria musical até hoje. E em 1981, Cheryl Baker teria uma bem mais gloriosa segunda participação na Eurovisão, como membro dos Bucks Fizz que venceram nesse ano.
Carole Vinci (Suíça)
Com 65 pontos, Espanha e Suíça ficaram empatadas no nono lugar. Pela Suíça, esteve Carole Vinci (1950-), cantora natural de Genebra, que cantou "Vivre". Segundo a página alemã da Wikipedia sobre ela, outras profissões que Carole Vinci exerceu além da música foram professora de Educação Física e administradora de uma fábrica de queijos.
José Velez (Espanha)
A vizinha Espanha apostava forte na canção "Bailemos un vals", na voz de José Velez (1951-). Natural de Telde, nas Ilhas Canárias, Velez tinha-se mudado em 1967 para Madrid para seguir uma carreira na música até que em 1974 conseguiu um grande hit com "Vino Griego", uma versão em espanhol de "Griechisher Wein" de Udo Jurgens (que mais tarde Paulo Alexandre adaptaria com sucesso para português com "Verde Vinho") e a sua carreira descolou. "Bailemos un vals" tinha vários pontos em comum com "La La La", a canção com que Espanha ganhara o Festival dez anos antes, nomeadamente os mesmos autores e compositores (Ramón Arcusa e Manuel de la Calva) e o mesmo coro formado por Dolores Arenas, Mercedes Valimaña e Maria Jesus Aguirre, conhecido como o Trio La La La, e um refrão cheio de "la la las". Também havia alguns paralelos com "Gwendolyne", a canção com que Julio Iglesias tinha representado a Espanha em 1970, que também teve o Trio La La La no coro e uma letra sobre um romance vivido com uma francesa. Uma vez li algures, mas não sei se foi mesmo verdade, que a deslocação de Velez até Paris foi feita sob fortes medidas de segurança, porque pouco antes fora alvo de ameaças de sequestro por parte de grupos separatistas das Canárias. Posteriormente, José Velez baseou a sua carreira sobretudo na América Latina, chegando a viver vários anos na Argentina.
Tania Tsanaklidou (Grécia)
Charles Chaplin tinha falecido no dia de Natal do ano anterior e o seu desaparecimento ainda estava então muito presente no mundo das artes, pelo que não era de espantar que houvesse uma canção em sua homenagem no Festival da Eurovisão de 1978. O que poucos adivinhariam é que o país que levaria essa canção fosse a Grécia, mas foi o que aconteceu, com Tania Tsanaklidou (1952-) a cantar "Charlie Chaplin". Tsanaklidou começava a afirmar-se como actriz no seu país (ou não fosse oriunda de uma cidade chamada Drama!) e como tal, a sua actuação teve bastante teatralidade, com ela vestida de forma semelhante ao do lendário Charlot, bengala e chapéu de coco incluídos, e fazendo as mesmas poses. Foi uma bonita homenagem que foi recompensada com 66 pontos e o oitavo lugar. Tania Tsanaklidou também interpretou a canção no Festival de Cinema de Cannes desse ano e desde então tem-se dividido entre a música e a representação.
Baccara (Luxemburgo)
O Luxemburgo era outro país que trazia grandes expectativas nesse ano, porque a representar o grão-ducado nesse ano estava o duo espanhol Baccara, que na altura gozada de um enorme sucesso internacional com hits como "Yes, Sir, I Can Boogie" e "Sorry I'm A Lady". Reza a lenda que as madrilenas Maria Mendiola (1952-2021) e Mayte Mateos (1951-) andavam a ganhar a vida actuando em várias estâncias turísticas nas Ilhas Canárias quando Leon Deane, o director da editora RCA na Alemanha, reparou nelas enquanto de férias em Fuerteventura e convidou-as para uma audição em Hamburgo. Aí Deane desenvolveu um conceito para o duo, mesclando disco, pop e música tradicional espanhola, dando-lhe o nome de Baccara (uma variante de rosa negra) e estabelecendo a sua imagem de marca, com Mateos vestida de preto e Mendiola de branco. O sucesso não se fez esperar com "Yes Sir I Can Boogie" a chegar ao primeiro lugar de vários tops europeus, incluindo o Reino Unido. Em Paris, as Baccara cantaram "Parlez-vous français?" (obviamente em francês), um tema com duas particularidades: começava com um diálogo falado entre as duas que se estendia para as estrofes da canção e tinha um dance break onde Mayte e Maria puderam exibir os seus talentos coreográficos. Com 73 pontos, incluindo dozes de Portugal, Itália, e claro!, Espanha, o Luxemburgo ficou no sétimo lugar, um pouco aquém das elevadas expectativas. As Baccara continuaram até 1981, com ambas pretendendo seguir carreiras a solo. Porém tanto Maria Mendiola e Mayte Mateos não tardariam a voltar a actuar sob o nome de Baccara, cada qual com outra parceira. A versão de Mayte Mateos chegou a participar na final nacional sueca para a Eurovisão de 2004 com o tema "Soy Tu Venus" (que foi depois incluída na banda sonora da telenovela portuguesa "Baía Das Mulheres) e a versão de Maria Mendiola regravou "Yes Sir I Can Boogie" como tema de apoio para a seleção escocesa de futebol no Euro 2020. Actualmente, as duas versões das Baccara ainda existem, uma com Mayte Mateos e Paloma Blanco, e outra com Cristina Sevilla, parceira da versão de Maria Mendiola aquando da morte desta em 2021, e Helen De Quiroga.
Ireen Sheer (Alemanha)
A final nacional alemã desse ano não foi televisionada, tendo decorrido apenas através da rádio e a canção vencedora seria determinada pela combinação da votação de júri de especialistas e outra dos ouvintes da rádio. Ora reza a história que as quinze canções concorrentes terá desagradado o júri especialista ao ponto deste se recusar a votar e de declarar que se aquilo era o melhor que a Alemanha tinha para oferecer, mais valia nem participar. Como tal, só contou a votação do público ouvinte. Mas pelo menos a avaliar pela eventual canção escolhida, creio que a atitude do júri foi deveras descabida, pois "Feuer" ("fogo"), interpretada por Ireen Sheer (1949-), é uma das minhas canções favoritas do Festival deste ano. Nascida em Romford em Inglaterra, Sheer estava radicada na Alemanha há alguns anos e já tinha estado na Eurovisão quatro anos antes representando o Luxemburgo. Durante a sua atuação, no momento do primeiro refrão, ela removeu o xaile branco que trazia vestido, podendo considerar este instante o primeiro outfit reveal da Eurovisão, um gesto que se viria tornar lugar-comum no certame. A Alemanha ficou em sexto lugar com 84 pontos, incluindo um 12 da Finlândia. Ireen Sheer regressaria ao Festival em 1985, novamente pelo Luxemburgo.
Colm C.T. Wilkinson (Irlanda)
Tal como no ano anterior, a Irlanda foi o primeiro país a actuar, representada por Colm C.T. Wilkinson (1944-) que cantou o tema "Born to sing". E de facto pode-se dizer que Wilkinson nasceu para cantar, tendo feito carreira nos musicais, nomeadamente tendo sido o primeiro Jean Valjean de "Les Misérables" tanto na Broadway como no West End e a voz de Che no álbum da banda sonora original de "Evita". A Irlanda recebeu 86 pontos (12 da Noruega), garantindo o quinto lugar.
Olivier Toussaint & Caline (Mónaco)
O principado do Mónaco obteve o quarto lugar com a canção "Les jardins de Mónaco", interpretado em dueto pelos franceses Olivier Toussaint e Corinne Sauvage a.k.a. Caline. Este foi o momento mais notório de Toussaint como cantor já que ele era mais conhecido como compositor, produtor e director da editora Délphine, que descobriu Richard Clayderman. A canção monegasca arrecadou 86 pontos (doze da Suécia).
Jöel Prévost (França)
Representando o país anfitrião, a França, esteve Jöel Prévost (1950-), cantor natural de Narbonne, com o tema "Il y aura toujours des violons" ("haverá sempre violinos") e que aqui teve o momento mais notório da sua carreira. Apesar de, ainda que bem defendida, ser uma canção que soava já algo datada para a época, a França ficou em terceiro lugar com 119 pontos (12 da Áustria).
Jean Vallée (Bélgica)
Oito anos após ter representado a Bélgica pela primeira vez, Jean Vallée (1941-2014) regressava à Eurovisão, alcançando aquele que era na altura o melhor resultado do país com a canção "L'amour ça fait chanter la vie". Nascido Paul Goeders na província de Liége, Vallée tinha iniciado a sua carreira musical em 1966 que durou até ao final da sua vida, tendo sido coroado cavaleiro da Ordem da Coroa pelo rei Alberto II da Bélgica. A Bélgica começou por liderar e a meio das votações, estava taco a taco com Israel, mas após o júri belga ter dado doze pontos a Israel, este país destacou-se na liderança e a Bélgica teria de esperar mais oito anos para por fim vencer o Festival pela primeira vez, ficando em segundo lugar com 125 pontos (com douze points de França, Grécia, Irlanda, Mónaco e Reino Unido).
Izhar Cohen & Alpha Beta (Israel)
No ano em que se assinalava o 30.º aniversário da fundação do estado, Israel alcançava então a sua primeira vitória com 157 pontos na voz de Izhar Cohen (1951-) acompanhado pelo grupo Alpha Beta. "A-Ba-Ni-Bi" era a palavra "ani" ("eu") em código beta, semelhante à nossa língua do P (portanto podia-se traduzir o título como "eu-peu"). Aliás o refrão "a-ba-ni-bi o-bo-he-bev o-bo-ta-bach" era "eu amo-te" nesse código, com a letra a referir que na infância só se podia exprimir assim o amor. A vitória israelita foi uma grande surpresa para praticamente toda a gente pois não figurava entre os principais favoritos e segundo se diz, até a chefe da delegação de Israel não estava muito confiante e esperava no máximo um lugar nos dez primeiros. Mas o maior choque foi para os países árabes que transmitiram o Festival em directo, que assim que ficou claro que Israel iria ganhar, cortaram logo a emissão; na Jordânia, substituíram a transmissão por imagens de flores e depois anunciaram que a vencedora foi a Bélgica. Mas a verdade é que "A-Ba-Ni-Bi", com os seus ritmos disco sound, era das canções mais ao estilo da época e desde então se tornou mais um grande clássico da Eurovisão. Também foi a única canção vencedora do Festival da Eurovisão cuja orquestração foi dirigida por uma mulher, Nurit Hirsh. Izhar Cohen regressaria a Eurovisão por Israel em 1985, ficando em quinto lugar e esteve presente nos três festivais organizados em Israel: em 1979, entregando o troféu aos vencedores, em 1999, foi visto na audiência e em 2019, anunciou os pontos do júri israelita. Aliás uma nova versão de "A-Ba-Ni-Bi" foi usada para ilustrar uma montagem dos belíssimos postcards do festival de 2019.
Festival da Eurovisão 1978 (comentários em inglês da BBC)
Tempo para recordar mais uma edição anterior do Festival da Eurovisão, e esta talvez seja a mais histórica de sempre. Isto apesar de na altura não ter granjeado grandes elogios na imprensa por essa Europa fora, com o Diário de Lisboa (que nunca foi muito com a cara do evento) a sentenciar: "E depois do Festival, fica-nos a desoladora impressão de nenhuma das canções ter ficado no ouvido…" Mas agora sabemos que não foi bem assim, pelo menos quanto à canção vencedora…
O Luxemburgo tinha vencido pela segunda vez consecutiva no ano anterior mas como o grão-ducado não quis acolher novamente o certame, pela quarta vez a BBC britânica chamou a si os seus deveres para organizar o Festival quando o país vencedor do ano anterior não tinha vontade ou capacidade de o fazer. Algo que voltará a acontecer este ano com a cidade britânica de Liverpool a acolher o evento na impossibilidade da Ucrânia poder fazê-lo devido à guerra que tem assolado o país.
O 19.º Festival da Eurovisão teve lugar a 6 de Abril de 1974 no Teatro Dome em Brighton, cidade na costa meridional de Inglaterra. Katie Boyle (1926-2018) foi a apresentadora, tal como em 1960, 1963 e 1968. O grupo de bonecos The Wombles foram a atração do número de intervalo. Artur Agostinho fez o comentário para a RTP e Henrique Mendes foi o porta-voz (em francês) dos votos do júri português.
Como o sistema actual dos "douze points" só entraria em vigor no ano seguinte, em 1974 a votação procedeu-se assim: cada país tinha um júri composto por dez elementos com cada um dar o seu voto à sua canção preferida (que não a do próprio país). Este sistema de votação tinha sido utilizado entre 1957 e 1961 e mais tarde entre 1967 e 1970. Pela primeira vez, além da ordem de actuação, a ordem de votação também foi sorteada, mas curiosamente em ambos os casos a Finlândia foi sorteada em primeiro lugar e a Itália em último. Por isso, o quadro de pontuações foi o primeiro a indicar qual era o país a votar. Os postais ilustrados desse ano começavam por mostrar uma imagem de cada país (o Terreiro do Paço por Portugal quando na altura era um imenso parque de estacionamento) e depois imagens dos respectivos artistas nos ensaios ou a posar para as câmaras nas imediações do teatro.
Como é habitual, iremos analisar as canções por ordem inversa à classificação.
Dani (França)
Mas antes disso, há que mencionar a França que deveria competir com a canção "La vie à vint-cinq ans" interpretada por Danièle Graul, mais conhecida simplesmente como Dani, tendo sido sorteada para atuar em 14.º lugar. No entanto, quatro dias antes do dia do Festival, o presidente da França, Georges Pompidou, faleceu inesperadamente e com o país em luto nacional, a televisão francesa retirou-se da competição. O que é pena porque a canção era bastante boa e provavelmente teria um bom resultado. Além de cantora, Dani (1948-2022) também era actriz tendo entrado em dois filmes de François Truffaut: "A Noite Americana" e "Amor Em Fuga". Em 2001, Dani teve um inesperado hit com "Comme Un Boomerang" em dueto com Etienne Daho.
Cindy & Bert (Alemanha)
Nesse ano quatro países repartiram o último lugar, cada qual tendo recebido três pontos.
A Alemanha foi representada pelo casal Jutta "Cindy" Gusenberger e Norbert "Bert" Berger" (1945-2012) com "Die Sommermelodie" ("a melodia de Verão"), onde ao contrário deles próprios na altura, falava de um casal de apaixonados contrariados pelo facto de um deles não ser livre. Cindy e Bert divorciaram-se em 1988 e nesse ano Cindy foi segunda na pré-selecção alemã, e desde então que tem tido uma carreira a solo. (Adoro o nome ultra-alemão do orquestrador: Werner Scharfenberger!)
Piera Martell (Suíça)
A Suíça também se apresentou em alemão com "Mein Ruf nach dir" ("o meu apelo a ti") por Piera Martell (1943-). Após mais algumas participações nas finais nacionais helvéticas, Piera Martell retirou-se da música em 1981.
Anne-Karine Strom (Noruega)
A loiríssima Anne-Karine Strom (1951-) já tinha participado pela Noruega no ano transacto como parte do quarteto The Bendik Singers. Agora regressava a solo, ainda que acompanhada nos coros pelos irmãos Bjorn e Philipp Kruse, os seus anteriores companheiros de grupo. Em Brighton, cantou em inglês "The first day of love". A meu ver, das quatro canções empatadas em último lugar, apenas a da Alemanha e da Suíça mereceriam a cauda da tabela, com as da Noruega e do quarto país a serem nitidamente superiores e injustiçadas. Anne-Karine Strom voltou a representar as cores norueguesas em 1976, mas - infelicidade! - mais uma vez ficou injustamente em último lugar.
Paulo de Carvalho (Portugal)
O quarto país do quarteto dos últimos foi, claro está, Portugal. Mas a canção que nos representou para Portugal ganharia um significado muito maior que a Eurovisão. Paulo de Carvalho (1947-) tornou-se conhecido nos The Sheiks como vocalista e baterista, antes de iniciar a sua carreira a solo em 1969. Competiu nos Festivais da Canção de 1970, 1971 e 1973, até vencer à quarta tentativa em 1974. No Festival da Canção desse ano, houve tripla participação de José Cid a solo ("A Rosa Que Te Dei") e com os Green Windows ("Imagens" e sobretudo, "No Dia Em Que O Rei Fez Anos"), além de nomes como Artur Garcia ("Senhora e Dona da Boina"), Duo Ouro Negro ("Baila Dos Trovadores") e Helena Isabel ("Canção Solidão"). "E Depois Do Adeus" tinha letra de José Niza e música e orquestração de José Calvário e se no Festival passou discretamente, semanas mais tarde cumpriria o seu lugar na História de Portugal. No dia 24 de Abril de 1974, às 22:55, a canção passou na emissão radiofónica dos Emissores Associados de Lisboa. Mas ninguém suspeitava que se tratava de uma senha para as forças armadas se prepararem para aquela que seria a revolução na manhã seguinte que poria fim ao regime do Estado Novo. E depois desse adeus, a liberdade…
A carreira de Paulo de Carvalho continuou a somar grande sucesso até aos dias de hoje, onde pontificam outros grandes temas como "Flor Sem Tempo", "Nini Dos Meus Quinze Anos", "Os Meninos de Huambo" e "Mãe Negra", para além de mais um regresso à Eurovisão em 1977 com Os Amigos.
Carita (Finlândia)
Tal como no ano anterior, a Finlândia foi o primeiro país a atuar. Sentada ao piano, Carita Holmström (1954-) cantou "Keep Me Warm", ficando em 13.º lugar com 4 pontos.
Korni (Jugoslávia)
A Jugoslávia foi representada pelo grupo sérvio Korni. Liderada por Kornelije Kovac (1942-2022), era uma das bandas pioneiras do rock jugoslavo, inclusivamente com alguma notoriedade fora do país. Com Zlatko Pejakovic (1950-) como vocalista principal, os Korni defenderam em Brighton o tema "Moja generacija" ("minha geração"), que no Festival foi apresentado sob o título "Generacija '42". A letra falava daqueles nascidos em 1942, tal como Kovac, durante a ocupação nazi da Sérvia. A canção jugoslava ficou em 12.º lugar com 6 pontos. Ainda nesse ano, a banda terminou, ainda que tenha tido uma breve reunião em 1987.
Marinella (Grécia)
Apesar de alguns cantores gregos já terem participado por outros países (nomeadamente Vicky Leandros que venceu em 1972 pelo Luxemburgo), foi nesse ano que a Grécia participou pela primeira vez no Festival da Eurovisão. Nesta sua estreia, foi representada por Kyriaki Papadopolou, mais conhecida como Marinella (1938-), que cantou "Krasi, thalassa ke t'agori mou" ("Vinho, mar e o meu namorado), um tema como sonoridades inconfundivelmente gregas, ficando em 11.º lugar com 7 pontos. Com a sua carreira iniciada em 1957, Marinella já era uma das cantoras mais populares da Grécia, popularidade que continuou pelas décadas seguintes, tendo mesmo actuado na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas. (E tal como Portugal, mais tarde nesse ano a Grécia também sairia de um regime autoritário, após o fim da junta militar que governava o país desde 1967, a quem chamavam "a ditadura dos coronéis").
Jacques Hustin (Bélgica)
Com dez pontos cada, Espanha e Bélgica repartiram o nono lugar. Pela Bélgica, Jacques Hustin (1940-2009) cantou "Fleur de liberté" (por acaso, seria essa flor um cravo?). Além da música, Hustin também se destacou como pintor, tendo aliás abandonado a carreira de cantor no final dos anos 80 para se dedicar exclusivamente à pintura até ao final da sua vida.
Peret (Espanha)
Já a vizinha Espanha foi representada por Pedro Pubill Calaf, ou simplesmente Peret (1935-2014), com "Canta y se feliz" uma tema em ritmo de rumba. Aliás Peret foi um dos maiores músicos da rumba catalã. Como na altura em que ainda não havia microfones handsfree, para ter mais liberdade nos movimentos enquanto cantava e tocava guitarra ao mesmo tempo, Peret actuou com um microfone preso na gravata. Após um interregno na música onde esteve envolvido num culto evangélico, Peret actuou na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 1992.
Tina Reynolds (Irlanda)
O sétimo lugar também foi compartido entre dois países, com Irlanda e Israel a receberem onze pontos cada. Pela Irlanda, esteve Tina Reynolds (1949-), de seu verdadeiro nome Philomena Quinn, uma das cantoras mais populares do país nos anos 70, cantando "Cross Your Heart".
Kaveret / Poogy (Israel)
Após a estreia no Festival no ano anterior, Israel participou pela segunda vez com o grupo Kaveret (que competiu sob o nome Poogy), uma das bandas pioneiras do rock israelita. Como na Eurovisão só é permitido um máximo de seis pessoas em palco em cada actuação, seis membros da banda subiram ao palco e o sétimo dirigiu a orquestra. Em Brighton, cantaram "Natati la chiaiai" ("eu dei a minha vida por ela"), que à superfície parece ser sobre um romance falhado, mas a letra continha algumas mensagens políticas, nomeadamente críticas à então primeira-ministra de Israel Golda Meir e defendendo a convivência entre um estado da Palestina e outro de Israel. A canção continua a ser um clássico da música israelita e até teve uma versão em francês de Joe Dassin. Por entre mudanças de formação e vários projetos a solo, os Kaveret ainda actuam juntos ocasionalmente.
Romuald (Mónaco)
E como se já não houvessem bastantes empates, três países repartiram o quarto lugar com 14 pontos: Reino Unido, Luxemburgo e Mónaco. Dez anos depois, o francês Romuald Figuier (1938-) voltava a representar o principado do Mónaco (tendo de representado o Luxemburgo em 1969), interpretando "Celui qui reste et celui qui s'en va" ("aquele que fica e que aquele que parte"), num resplandecente fato de lantejoulas. Segundo a Wikipedia, Romuald estava habituado a representar vários países em festivais de música: em 1968 representou Andorra no Festival de São Paulo e o Luxemburgo no Festival de Sopot na Polónia e em 1973, ficou em segundo lugar pela França no Festival Viña Del Mar no Chile com "Laisse-moi le temps", que teria uma versão em inglês produzida por Paul Anka e gravada por Frank Sinatra.
Ireen Sheer (Luxemburgo)
OLuxemburgo era famoso por importar cantores de várias nacionalidades nas suas participações na Eurovisão e nesse ano, a sua representante foi a britânica Ireen Sheer (1949-), radicada na Alemanha desde 1970. "Bye bye I love you", que apesar do título era sobretudo cantada em francês, marcou a primeira participação do compositor alemão Ralph Siegel no Festival da Eurovisão, tendo composto muitas outras canções concorrentes no evento ao longo das décadas seguintes, sobretudo pela Alemanha, nomeadamente a canção vencedora do certame em 1982, mas também para Luxemburgo, Suíça, Montenegro e São Marino. Ireen Sheer regressaria à Eurovisão mais duas vezes, em 1978 pela Alemanha e em 1985 novamente pelo Luxemburgo.
Olivia Newton-John (Reino Unido)
Como país anfitrião, o Reino Unido apostava forte, fazendo-se representar por Olivia Newton-John (1948-2022), que então já gozava de grande sucesso internacional. Apesar de ter crescido na Austrália, Olivia Newton-John nasceu em Cambridge, pelo que representava o seu país de nascimento com o tema "Long live love". Esta participação na Eurovisão acabou por ser apenas um fait-divers na gloriosa carreira de Olivia Newton-John, com os seus dois maiores auges ainda por acontecer: o filme "Grease" em 1978 e o álbum "Physical" em 1981.
Mouth & MacNeal (Países Baixos)
Com quinze pontos, os Países Baixos ficaram em terceiro lugar, graças ao tema "I see a star", defendido pelo duo Mouth & MacNeal, composto por Willem "Big Mouth" Duyn (1937-2004) e Sjoukie "Maggie MacNeal" Van 't Spijker (1950-), que atuava junto desde 1971. Foi uma actuação bem disposta da canção em que não faltou um realejo que ao manobrar, fazia girar dois bonecos representando a dupla. Ainda nesse ano Mouth e MacNeal terminaram a colaboração, com ele continuando com uma nova parceira, Little Eve, e ela numa carreira a solo. Em 1980, Maggie MacNeal voltou à Eurovisão representando os Países Baixos em Haia com "Amsterdam".
Gigliola Cinquetti (Itália)
Em 1964, Gigliola Cinquetti (1947-) tinha dado à Itália a primeira vitória no Festival da Eurovisão com o intemporal "Non ho l'etá". E dez anos depois, quase que ganhava novamente, ficando em segundo lugar com 18 pontos. Agora Cinquetti já tinha idade para amar e cantou "Sí". Porém, o Festival só seria transmitido em Itália mais de um mês depois, isto porque em Maio de 1974 houve em Itália um referendo sobre o divórcio. Os italianos foram consultados sobre se queriam que o divórcio, legalizado em 1971, voltasse a ser ilegalizado. Como a canção tinha o título "sim" repetido várias vezes, para não haver acusações de influência subliminar, a RAI só transmitiu o Festival e a canção só passou na rádio pública após o referendo (que deu a vitória ao "não", mantendo o divórcio legalizado). Gigliola Cinquetti continuou a ter uma carreira consagrada e regressou ao Festival da Eurovisão nas próximas duas vezes que o evento se realizou em Itália: em 1991 em Roma, como apresentadora (infelizmente contaminada pela condução desastrosa do seu coapresentador Toto Cutugno) e em 2022 em Turim, onde voltou a cantar "Non ho l'etá".
ABBA (Suécia)
Desde início que a Suécia tomou a liderança para não mais largar, e 24 pontos asseguraram a primeira vitória para o país nórdico. Tendo em conta a canção que é, dá ideia que a vitória foi retumbante mas mesmo sempre liderando nunca se distanciou muito dos seus rivais e só assegurou o triunfo na última votação. Além disso, segundo a imprensa da época, a canção sueca não fazia parte dos principais favoritos e não faltou quem dissesse que foi uma vitória imerecida.
Essa canção era, claro está, "Waterloo" dos ABBA. E a história do quarteto maravilha sueco é sobejamente conhecida: em 1972, unidos pela música e pelo amor, Agnetha Faltskog, Björn Uelvaus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad juntaram-se para um projecto conjunto ao qual deram o nome das suas iniciais. Após terem ficado em terceiro lugar na final sueca de 1973 com "Ring Ring", no ano seguinte conquistaram tudo e todos, com uma sonoridade e uns visuais ao estilo do glam rock, onde nem faltou o orquestrador Sven-Olof Walldoff vestido à Napoleão. A letra de "Waterloo" comparava a rendição de Napoleão na célebre batalha da dita localidade a alguém render-se a um novo amor. Curiosamente, a canção não recebeu quaisquer pontos do Reino Unido, a nação vencedora da batalha, nem da Bélgica, o país onde actualmente está situada Waterloo. "Waterloo" teve grande sucesso internacional, atingindo o primeiro lugar do top de vários países como o Reino Unido e a Alemanha e até chegando ao sexto lugar do top americano.
Nos anos seguintes, os ABBA tornar-se-iam um dos mais bem-sucedidos grupos de sempre, somando hits intemporais como "Dancing Queen", "Mamma Mia" e "The Winner Takes It All", e deixando um legado tão marcante na história da música popular que o seu regresso aos discos em 2021 com o álbum "Voyage", após quarenta anos de interregno, foi todo um acontecimento. "Waterloo" é ainda hoje considerada a mais importante canção da história do Festival da Eurovisão, tendo sido eleita como a melhor canção eurovisiva de sempre numa votação pública por ocasião da gala dos 50 anos do Festival em 2005.
Festival da Eurovisão 1974 (sem a actuação dos ABBA)