por Paulo Neto
Por esta altura do ano, gostamos analisar algumas compilações de êxitos do passado e desta vez recuámos trinta anos para analisar o alinhamento da edição de 1988 da colectânea Hit Parade. No ano anterior, a editora Polygram portuguesa decidiu renomear as suas colectâneas de êxitos com esta nova designação, abandonando o célebre nome anterior "Polystar". Este era pois o segundo volume desta nova série de colectâneas (que continuaria até 1996) que reunia vinte canções que fizeram sucesso no ano de 1988. Embora já na altura tivesse sido editada em CD, o vinil ainda era o formato mais procurado para este tipo de discos. Eis o anúncio televisivo:
Disco 1
1. Hand In Hand - Koreana: Muito antes do "Gangnam Style" e dos diversos grupos de K-Pop, o único grande hit internacional oriundo da península coreana foi o tema oficial dos Jogos Olímpicos desse ano que se realizaram em Seul. Com o mago Giorgio Moroder na produção, "Hand In Hand" interpretado pelo quarteto Koreana estava sem dúvida à altura da grandiosidade e permanece como uma das melhores canções compostas para a ocasião de um Jogos Olímpicos. Por acaso, tive pena que a canção não tivesse sido recuperada para os Jogos Olímpicos de Inverno deste ano na cidade coreana de Pyeongchang.
2. Yeké Yeké - Mory Kanté: Tal como "Hand In Hand", outro dos grandes sucessos internacionais de 1988 veio de uma origem inusitada: a Guiné-Conakry. Oriundo de uma família de músicos, Mory Kanté já era uma estrela em toda a África Ocidental desde os anos 70, primeiro como vocalista da Rail Band, depois numa carreira a solo. Mas em 1987, um tema do seu terceiro álbum "Akwaba Beach" ultrapassou as barreiras do continente africano e tornou-se um grande hit na Europa. Esse tema era "Yeké Yeké" e apesar de ser cantado no indecifrável idioma Mandikan, tais eram sua energia e o seu ritmo contagiante que facilmente conquistou as pistas de dança europeias, chegando mesmo ao n.º 1 nos tops de Bélgica, Espanha, Finlândia, Holanda e Israel e tornado-se o primeiro single de um artista africano a vender mais de um milhão de cópias. Eu lembro-me de adorar a música e de dançar vigorosamente sempre que ouvia a canção na rádio ou via o videoclip na televisão. Mesmo sem nunca ter repetido a façanha, Mory Kanté continua até hoje a sua prestigiada carreira. Tido como uma das canções responsáveis por trazer a world music ao público geral, "Yeké Yeké" deixou também um legado duradoura nas pistas de danças com vários remixes a serem produzidos desde então, em especial um de 1995 por parte dos alemães Hardfloor.
3. Long And Lasting Love (Once In A Lifetime) - Glenn Medeiros: Já falámos aqui sobre sobre a versão regada a azeita extra-virgem que o havaiano Glenn Medeiros fez de "Nothing's Gonna Change My Love For You", um original de George Benson, que conquistou os tops por esse mundo fora e que se mantém como um dos maiores clássicos da baladaria xaroposa dos anos 80. Embora o dito tema ainda estivesse em alta, Medeiros tinha entretanto o segundo álbum "Not Me", do qual este tema foi o primeiro single, que passou algo despercebido. Porém Glenn Medeiros ainda teria mais alguns momentos de glória, primeiro em França num dueto de 1989 com Elsa Lunghini, depois no seu país em 1990 noutro dueto, desta feita com Bobby Brown.
4. I Know You're Out There Somewhere - The Moody Blues: Os Moody Blues são mais conhecidos pelo seu material editado nos anos 60, nomeadamente o clássico "Nights In White Satin", mas a banda britânica continua em actividade até hoje ainda que o último álbum originais seja de 2003. Nos anos 80, o grupo mantinha a maioria da sua formação inicial e ainda obtinha um hit ocasional, se bem que entretanto já tinham abandonado o seu som de rock progressivo por sonoridades mais condizentes à época. É o caso deste "I Know You're Out There Somewhere", o qual eu confesso não me lembrar de todo e que se encaixaria na perfeição na playlist de uma RFM ou de uma M80.
5. Song For Nadim - Yann Andersen: Ora aí está uma canção que eu não ouvia há séculos! Hoje em dia, ninguém se lembra desta canção mas na altura isto foi um sucesso enorme nestas bandas. Eu lembro-me que o videoclip desta canção passava todos os dias na RTP após o Telejornal com legendas da tradução portuguesa e por isso, ao fim de cada dia lá levávamos com o calvário do pequeno Nadim cujo pai morreu na guerra, imagens de um Médio Oriente assolado pelos diversos conflitos e com a cantiga de paz e amor cantada por Andersen. Tudo isto e mais o facto das vendas do disco reverterem a favor da UNICEF fez com que "Song For Nadim" ficasse um recorde de 24 semanas (!) no n.º 1 do top nacional. Yann Andersen (que o Paulo de 1988 tinha dificuldade em perceber se era homem ou mulher, já que a sua voz deixava alguma margem para dúvidas) também gravou a canção em francês. Como não podia deixar de ser, os Ministars também fizeram a sua versão: "Temos De Ser Nós" que foi a faixa promocional do álbum "É Altamente!" que recebi no Natal desse ano.
6. Missing You - Chris DeBurgh: Se eu vos pedir para dizerem uma música de Chris Davidson, mais conhecido pelo apelido nobiliárquico do avô materno, tenho toda a certeza que dirão o incontornável "The Lady In Red" e que muitos de vós terão dificuldade em indicar um segundo tema. Mas claro que Chris DeBurgh teve outros hits, em especial este "Missing You" que será porventura o seu segundo maior êxito da carreira e que o confirmou como mestre da baladaria embora os fãs mais atentos poderão testemunhar que o repertório de DeBurgh assentava sobretudo no rock. No passado dia 15 de Outubro, Chris DeBurgh completou 70 anos de vida. E sim, continua casado com a sua "dama de vermelho" há mais de quarenta anos.
7. The Big One - Black: Já falámos aqui de Colin Vearcombe, mais conhecido pelo seu stagename de Black, por alturas do seu prematuro falecimento em Janeiro de 2016. Em 1988, o sucesso da sua canção-assinatura "Wonderful Life" no ano transacto ainda estava bem presente nas memórias, daí a inclusão neste disco deste tema do álbum seguinte "Comedy".
8. Angel Eyes - Wet Wet Wet: O terceiro single da banda escocesa que na altura vivia a sua primeira onda de fama, onde apesar da sua sonoridade mais madura do que, por exemplo, a de uns Bros, eram promovidos como ídolos de adolescentes. Este "Angel Eyes" é um dos temas mais conhecidos dessa fase inicial da banda. Nesse ano de 1988, os Wet Wet Wet atingiriam o n.º 1 do top britânico com uma versão de "With A Little Help From My Friends" que fazia parte de álbum de caridade em que várias bandas e artistas britânicos da altura gravaram cada um uma faixa do lendário álbum "Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band" dos Beatles. Na verdade, a versão dos Wet Wet Wet era na verdade um duplo single que também tinha a cover de Billy Bragg de "She's Leaving Home". Quanto aos Wet ao cubo, maiores sucessos esperavam-nos na década seguinte.
9. I Don't Wanna Go On Like You That - Elton John: Os dois anos anteriores tinham sido complicados para Elton John, com uma série de problemas legais e pessoais, nomeadamente uma cirurgia às cordas vocais em 1986 que alterou a sua voz. O seu álbum de 1988 "Reg Strikes Back" era o seu regresso após esse período e este tema desse álbum tornou-se inesperadamente o seu maior hit dos anos 80 nos Estados Unidos.
10. A Minha Casinha - Xutos & Pontapés: E terminamos o disco 1 em beleza com este clássico dos Xutos & Pontapés que punha um spin no original interpretado por Milú no filme "O Costa Do Castelo" e que rapidamente tornou-se um dos temas mais incontornáveis dos Xutos. Segundo consta, a banda tocou pela primeira vez esta versão no Rock Rendez Vous e já costumava tocá-la para encerrar os seus concertos anos antes de finalmente gravarem em estúdio para o álbum "88", que também incluía os clássicos "À Minha Maneira" e "P'ra Ti Maria". Em 2016, "A Minha Casinha" voltou a ter destaque como a música escolhida para as celebrações da vitória de Portugal no Euro 2016 e em 2018, durante um concerto em Lisboa, os Metallica homenagearam o recém falecido Zé Pedro ao tocar uma versão instrumental.
Disco 2
1. Barcelona - Freddie Mercury & Montserrat Caballé: Com o filme "Bohemian Rapsody" em exibição nos cinemas e o falecimento de Montserrat Caballé no passado mês de Outubro, este esmagador dueto de Caballé e Freddie Mercury ganha outra dimensão. Em 1987, Montserrat, tida como pioneira na colaboração de canto lírico com outros estilos musicais, e Freddie, que nunca esconderam a sua admiração mútua, uniram as suas míticas vozes e o resultado só podia ser grandioso. Recordo-me da primeira vez que vi o videoclip gravado em Ibiza pois foi a primeira vez que vi Freddie Mercury sem bigode.
Como não podia deixar de ser, "Barcelona" foi reeditado em 1992 por altura dos Jogos Olímpicos na capital catalã. Em 1996, Caballé homenagearia Mercury com uma versão de "Bohemian Rapsody" em dueto com Bruce Dickinson. E agora, quero imaginar que Freddie acolheu Montserrat lá no Além e que os dois andam alegremente a cantar por lá.
2. Don't Call Me Baby - Voice Of The Beehive: Esta "voz da colmeia" era formada por duas abelhas mestras, as irmãs californianas Tracy e Melissa Belland, e quatro músicos britânicos, um deles o ex-baterista dos Madness Daniel Woodgate. O seu álbum de 1988 "Let It Bee" estava cheio de pérolas de pop-rock orelhudo, nomeadamente este "Don't Call Me Baby", onde as irmãs Belland cantavam os incómodos de encontrar ao acaso um ex-amante. Os Voice Of The Beehive tiveram mais uns quantos hits até à sua dissolução em 1996 e vários membros dedicaram-se a outros afazeres, como por exemplo Tracey Belland tornando-se professora. Em 2017, a formação original da banda reuniu-se para dois concertos em Londres.
3. There's More To Love - Communards: Os Communards eram o ex-Bronski Beat Jimmy Sommerville e Richard Coles. Em 1986, a sua versão de "Don't Leave Me This Way" (com a conjunção do inconfundível falsete de Sommerville e da voz grave de Sarah-Jane Morris a ser um rasgo de maravilha) foi o single mais vendido nesse ano no Reino Unido e rapidamente tornou-se um clássico eighties. O segundo álbum "Red" é recordado sobretudo por outra celebrada cover "Never Can Say Goodbye". Este "There's More To Love" acabaria por ser o último single da dupla. Trinta anos depois e apesar dos inúmeros avanços quanto aos direitos da comunidade LGBT, a mensagem de que o amor não existe apenas entre indivíduos de diferentes sexos ainda soa pungente. Findo o projecto dos Communards, Jimmy Sommerville prosseguiu a solo e Richard Coles eventualmente tornou-se um padre anglicano.
4. Rolar No Chão - Afonsinhos Do Condado: Eugénio Lopes, mais conhecido por Gimba, é há longos anos uma personalidade proeminente na indústria musical nacional. Mas o seu maior momento como recording artist continua a ser o tempo em que juntamente com Nuno Faria e Jorge Galvão integrou Os Afonsinhos Do Condado, projecto ímpar da música portuguesa que só podia ter mesmo acontecido nos anos 80. Em 1987, fizeram sucesso com o hit "A Salsa Das Amoreiras" e 1988 viu a edição do único álbum de originais do trio, "Açúcar!!!" dos quais este "Rolar No Chão" foi uma das faixas mais celebradas. Lembro-me de achar imensa graça às vozes femininas a dizerem "Duas e meia!" e "P'raaa ondeeee?". Mas embora nas actuações na televisão os Afonsinhos fizessem-se acompanhar por umas moçoilas a fazerem playback das vozes femininas, já ouvi dizer que as ditas cujas eram afinal os Afonsinhos em falsete. Será verdade?
5. Joe Le Taxi - Vanessa Paradis: Verdadeiro exemplo do ditado "É de pequenino que se torce o pepino", a parisiense Vanessa Paradis tem vivido no mundo do espectáculo desde que ela se entende por gente e aos 14 anos, alcançou um hit internacional com "Joe Le Taxi". De facto havia de algo totalmente encantador na voz pueril de Paradis a cantar sobre um taxista com uma vida secreta como músico de jazz ao som de saxofones e ritmo de rumba. E à semelhança de outros temas de língua francesa da altura como "Voyage Voyage" ou "Ouragon", "Joe Le Taxi" passou as barreiras do mundo francófono e fez sucesso em outros países, inclusivamente chegando a n.º 3 do top britânico. Ao contrário de outras estrelas infantis e adolescentes, Vanessa Paradis teve um transição bem-sucedida para a carreira como adulta, continuando a somar sucessos como cantora e actriz no seu país. Em 1992, teve mais um hit internacional com "Be My Baby" apesar de desde então o mundo não-francófono a conhecer sobretudo por ter sido a mãe de dois filhos de Johnny Depp. Vanessa Paradis continua ainda hoje a incluir "Joe Le Taxi" nos seus concertos e já regravou o tema mais algumas vezes noutros estilos. Para os mais afoitos, recomendo também a audição da bizarra versão da artista performativa japonesa Hanayo.
6. Balla Balla vol. 2 - Francesco Napoli: Depois de ter feito sucesso em 1987 com a sua medley italo-disco de vários standards da música italiana intitulada "Balla Balla", Francesco Napoli voltava à carga com o volume 2.
7. Balada Da Neve - Carlos Vidal: "Batem leve, levemente, como quem chama por mim..." Quem não conhece pelo menos a primeira estrofe do poema "Balada da Neve" de Augusto Gil? Em 1988, Carlos Vidal/Avô Cantigas musicou o poema.
8. I Want To Be Needed - Shari Belafonte & Chris Norman: Ex-vocalista dos Smokie, o britânico Chris Norman vivia na altura um novo ponto alto da sua carreira desde que o seu single de 1986 "Midnight Lady" chegou ao n.º 1 na Alemanha. Desde então que Norman se focou em promover o seu material sobretudo na Alemanha e outros países da Europa Continental. Era o caso deste dueto com a cantora/actriz/modelo Shari Belafonte, filha do ídolo dos anos 50 Harry Belafonte.
9. Stop Your Fussin' - Toni Childs: Das vinte canções deste disco, esta é a única que eu não me lembro de ter ouvido antes ou sequer ter reconhecido o nome da intérprete. Diz a Wikipedia que Toni Childs nasceu na Califórnia e que aos 15 anos fugiu de casa e dos seus pais ultra-religiosos para se tornar cantora. Acabaria por encontrar sucesso sobretudo na Austrália (onde viria a se radicar e a obter cidadania) e na Nova Zelândia. Mas pelos vistos, alguma da sua música chegou à Europa, como é o caso deste solarengo "Stop Your Fussin' ". Em 2004, Toni Childs ganhou um Emmy pela canção "Because You're Beautiful", incluída num documentário sobre o V-Day, uma plataforma contra a violência sobre as mulheres, fundada por Eve Ensler, a autora de "Os Monólogos da Vagina".
10. Já Estou Farto - Café Lusitano: E terminamos com uma canção que eu fartava de ouvir na rádio na altura mas que desde então quase nunca mais ouvi. O projecto Café Lusitano era liderado por Orlando Mesquita e o seu único álbum contou com participações especiais de Rui Veloso, Tozé Brito e Mário Barreiros. E para sempre deixaram este conto de um indivíduo que deixou a sua aldeia do Norte algures na serra do Gerês para ir ganhar a vida para Lisboa mas que não se consegue adaptar à azáfama citadina e exclama volta e meia: "Já estou farto daqui estar, quero à minha aldeia voltar."
Um agradecimento ao site Viva80 pelas informações sobre o alinhamento desta colectânea.