por Paulo Neto
"Sim, eu sei que tudo são recordações. Sim, eu sei é triste viver de ilusões." Agora que cheguei a uma certa idade, dou comigo muitas vezes a soltar o Vítor Espadinha que há em mim e a verificar entre nostálgico e atónito o quanto o país e o mundo mudaram entretanto. Por exemplo, consigo lembrar-me ainda de forma extremamente nítida o tempo em que só havia a RTP e parece-me incrível como a televisão no nosso país se transformou tão profundamente desde então, nomeadamente no que diz respeito à programação infantil. Hoje em dia a oferta desse tipo de programas não podia ser mais vasta, pois não só os canais generalistas vão mantendo os blocos dedicados à animação, sobretudo nas manhãs de fim de semana, como existem diversos canais temáticos por cabo dedicados a esses programas, sem falar dos conteúdos disponíveis em DVD e na internet. Pelo que se torna espantoso olhar para trás e pensar que eu fui criança num tempo em que havia muito menos alternativas nesse campo.
No entanto, a programação infantil era algo que a RTP não descurava nos meus tempos de infância e o que não havia então de quantidade, recursos e sofisticação, compensava em criatividade e dedicação. Além disso, o público infantil era bem menos exigente. Por exemplo, um programa como "Cláudio e Carolina" seria certamente recebido pelos petizes de hoje com um enorme bocejo mas era mais que suficiente para encher o olho aos petizes dos idos de 1984.
Entre os diversos conteúdos infantis produzidos pela ou para a RTP nos anos 80, um bastante recorrente era de programas que contavam histórias. Por exemplo, aquele das histórias que se contavam antes do Vitinho ou "Era Uma Vez", um programa onde histórias infantis eram dramatizadas pelos jovens alunos da actriz Lurdes Norberto e com a participação de vários nomes da música portuguesa, nomeadamente de Carlos Alberto Moniz no tema do genérico. Mas o programa que aqui vai ser recordado é "Ora Agora Conto Eu", exibido no famoso espaço "Juventude e Família" da RTP aos fins de semana entre 1986 e 1987, sendo reposto nos anos seguintes até 1990.
O programa foi concebido por Natércia Rocha que fez uma selecção de dezoito contos, cada um deles contado em cada episódio por um actor diferente. No final de cada conto, havia um epílogo musical com Tó Sequeira (que é feito deste senhor que cantava várias cantilenas infantis à viola, como o inesquecível "Fui De Visita À Minha Tia A Marrocos", a versão portuguesa da lendária cantilena country "She'll Be Singing Round The Mountain"?) a cantar uma canção com música da sua autoria e letra de José Fanha sobre o conto previamente narrado.
Outra particularidade do programa é que cada conto tinha uma forma diferente de ser contado: desde a dramatizações do conto quer por outros actores quer pelas crianças presentes no programa, à utilização de fantoches, desenhos, painéis iluminados, maquetas e até desenhos em tempo real. (Aliás, lembro-me que chegou a existir mais tarde um programa de contar histórias que era feito deste modo, com uma voz-off a contar uma história enquanto os desenhos eram entretanto feitos no ecrã).
Eis os 18 episódios:
1. Maria Vieira conta "O Rapaz e a Ponte": com a actriz a fazer tanto de velhota contadeira como do rapaz do dito conto.
2. Vítor de Sousa conta "O Lobo e a Raposa".
3. Óscar Acúrcio ("O Leão Da Estrela", "Os Verdes Anos", "Chuva Na Areia") conta "O Pedro das Malas-Artes".
4. Canto E Castro conta "A Romãzeira do Macaco": onde a narração foi feito com auxílio a painéis iluminados.
5. João Mota ("Pós de Bem-Querer", "Estrada Larga", "Uma Cidade Como A Nossa") conta "A Torre da Má-Hora". Este é um dos episódios que melhor me recordo. Quatro dos jovens petizes da assistência dramatizaram a história: três rapazes a fazer de cavaleiros e uma rapariga a fazer de uma velha feiticeira, isto sem quaisquer figurinos (os quatro usavam as suas roupas normais e não houve nenhum esforço para "envelhecer" a rapariga que fazia de velha), só com a narração a indicar que personagens é que desempenhavam e incluindo algumas cenas de luta em que paus de vassoura substituíam as espadas da história e notava-se que os rapazes, mesmo seguindo a história e sendo a fingir, tiveram dificuldade em mostrar-se vencidos pela rapariga.
6. Adelaide João conta "O Macaco do Rabo Cortado"
7. Amélia Videira conta "A Velha e as Crianças"
8. António Assunção conta "O Pinto Borrachudo". O actor vestiu literalmente a pele da personagem-título.
8. António Assunção conta "O Pinto Borrachudo". O actor vestiu literalmente a pele da personagem-título.
9. Ângela Pinto conta "O Coelhinho Branco". A actriz manipulava uma maqueta enquanto contava a história.
10. Carlos Paulo conta "Dom Caio". O actor contou a história enquanto manipulava umas marionetas dentro de um "palco" embutido no fato que envergava.
10. Carlos Paulo conta "Dom Caio". O actor contou a história enquanto manipulava umas marionetas dentro de um "palco" embutido no fato que envergava.
11. Fernando Gomes conta "A Gaita Milagrosa"
12. Melim Teixeira ("Chuva Na Areia", "Sozinhos Em Casa", "A Ferreirinha") conta "Os Dois Compadres". O actor contou a história com auxílio de máscaras.
13. José Gomes conta "O Sapateiro e o Vizinho Rico"
14. Henriqueta Maia conta "O Grão de Milho". Ao longo da narração, houve várias figuras a "sobrevoar" o tecto do estúdio.
15. Álvaro Faria conta "Branca Flor"
17. Cucha Carvalheiro conta "Os Sete Cabritinhos"
18. José de Carvalho ("Gente Fina É Outra Coisa", "Chuva Na Areia", "Palavras Cruzadas") conta "Os Três Porquinhos"
O site "Brinca Brincando" (de onde vêm as imagens utilizadas neste texto, pelas quais eu agradeço) refere ainda que entre as várias crianças que serviam de audiência às histórias contadas, esteve a actriz Cleia Almeida, decerto ainda longe de imaginar que seria uma actriz tão conhecida como muitos dos contadores que participaram no programa.
1.º episódio com Maria Vieira
5.º episódio com Adelaide João