Na virtude da vitória de Netta Barzilai na edição do ano passado em Lisboa, este ano o Festival da Eurovisão realiza-se pela terceira vez em Israel, desta feita em Telavive. Por isso, faz todo o sentido recordar uma das duas edições previamente realizadas em solo israelita, em 1979 e 1999. Decidi optar pela primeira, não só porque já falei resumidamente da edição de 1999 no texto "20 coisas que aconteceram há 20 anos (1999)" como também porque ainda não tinha abordado nenhuma edição dos anos 70 e porque musicalmente gosto bem mais da edição de 1979.
O 24.º Festival da Eurovisão teve lugar no Centro Internacional de Convenções de Jerusalém, a 31 de Março de 1979. Foi a primeira vez que o certame realizou em território geograficamente não europeu e a última vez que decorreu no mês de Março (desde então foi sempre em Abril ou Maio).
Dos vinte países participantes no ano anterior, apenas a Turquia esteve ausente porque, apesar de ter uma canção escolhida ("Seviyorum" interpretada por Maria Rita Epik & 21. Peron), esse país acabou por ceder à pressão de outros estados árabes e não viajou para Israel. (No entanto, refira-se que a Turquia participou sem problemas em Jerusalém em 1999).
A apresentação esteve a cargo de Daniel Pe'er e de Yardena Arazi, sendo que esta tinha sido representante de Israel em 1976 e voltaria a sê-lo em 1988. Antes de cada actuação, foi exibido um postal ilustrado de recorte humorístico onde um grupo de actores representava em mímica algo característico do país em questão. (No caso de Portugal, vestiram-se de pescadores que deitavam a rede a uma garrafa de vinho de Porto ao som de "Uma Casa Portuguesa"). Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Fialho Gouveia e o porta-voz dos votos de Portugal foi João Abel Fonseca. Além dos dezanove países concorrentes, o Festival foi exibido na Turquia, Islândia, Roménia, Jugoslávia e Hong Kong.
Como é hábito, segue-se uma descrição das canções por ordem inversa da classificação:
Christina Simon (Áustria) |
Micha Marah (Bélgica) |
Nesse ano, as dores do último lugar foram partilhadas entre dois países, cada um recebendo somente cinco pontos. A Áustria tentou apostar na diferença e no apelo aos anfitriões, com "Heute in Jerusalem" ("hoje em Jerusalém"), um tema jazz interpretado por Christina Simon, que ostentava um espectacular penteado. Porém ficou-se pelas intenções, com o último lugar e sem nenhum ponto de Israel.
Também em último ficou a Bélgica, cuja campanha até Jerusalém foi tão controversa que até o simples facto de Micha Marah subir ao palco para interpretar "Hey Nana" já foi espantoso. Isto porque a cantora (de seu verdadeiro nome Aldegonda Leppens), que tinha sido seleccionada para interpretar todas as canções da pré-selecção belga, não escondeu que tinha uma clara preferência por outra canção e o seu descontento quando "Hey Nana" foi escolhida, recusando-se a gravá-la em disco (a única gravação que existe é a do autor da canção). Diz-se que ela até tentou que a dita fosse desclassificada e fez tantas ameaças de que não iria a Israel cantar essa canção que a televisão belga chegou a recrutar outra cantora para a substituir caso Micha concretizasse as ameaças. Mas no fim, Micha Marah acabou por demonstrar o seu profissionalismo e interpretou a canção usando dois pendentes em forma de caracteres hebraicos que formavam a palavra "khai" ("viva") e pela sua cara e postura alegre em palco, ninguém diria que era uma canção que ela detestava. Mas depois de tanto mau karma, o fraco resultado foi algo evidente.
Ted Gardestad (Suécia) |
Laurent Vaguener (Mónaco) |
A Suécia ficou em 17.º lugar com 8 pontos. Ted Gardestad interpretou o tema "Satellit", que gerou algumas acusações de plagiar "Hold The Line" dos Toto, das as semelhanças com o solo de guitarra. Porém nenhum queixa foi levantada. Infelizmente, Gardestad faleceu em 1997 aos 41 anos.
Na posição acima ficou o Mónaco, que se fez representar pelo francês Jean Baudlot sob o pseudónimo Laurent Vaguener, com o tema "Notre vie c'est la musique". O facto de ter usado um pseudónimo terá sido por Baudlot ser mais conhecido como compositor para outros artistas como Joe Dassin. Nos anos 80 e 90, produziu música para jogos de vídeo e actualmente faz música para documentários. Esta foi a última participação do principado do Mónaco no Festival ao fim de vinte anos (incluindo uma vitória em 1971), tendo regressado apenas brevemente ao evento entre 2004 e 2006.
Matia Bazar (Itália) |
Katri Helena (Finlândia) |
A Itália é um dos países mais habituados aos lugares cimeiros mas não foi o caso nesse ano, ficando-se pelo 15.º lugar com 27 pontos (incluindo oito de Portugal). O grupo genovês Matia Bazar foi formado em 1975 e já tinha três álbuns no repertório quando chegaram a Jerusalém para interpretar "Raggio di luna", tema interpretado pelos vocalistas Antonella Ruggiero e Carlo Marrale. A actuação da Itália fez também história na Eurovisão por ser a primeira vez que não foi utilizado qualquer tipo de orquestração, apenas os instrumentos tocados pela banda. Nos anos 80, os Matia Bazar conheceram algum sucesso internacional, sobretudo com o single de 1985 "Ti Sento". Actualmente o grupo ainda existe mas já sem nenhum dos membros originais. Antonella Ruggiero tem uma carreira a solo desde 1996.
A Finlândia fez-se representar por uma das suas cantoras mais célebres, Katri Helena. Com uma carreira de mais cinquenta anos, é a intérprete feminina finlandesa que mais discos vendeu no seu país. Em Jerusalém, cantou "Katson sineen taivaan" ("vejo o céu azul"), que obteve 38 pontos e o 14.º lugar. Katri Helena regressaria a Eurovisão em 1993.
Jeane Manson (Luxemburgo) |
Uma vez mais, o Luxemburgo recorreu à importação para o seu representante na Eurovisão, e neste ano a escolha recaiu sobre Jeane Manson, uma americana radicada em França. Nascida em Cleveland, Manson entrou em alguns filmes e foi a Playmate de Agosto 1974 da Playboy. Nos anos seguintes, mudar-se-ia para França, onde fez carreira como cantora e actriz. O tema com que representou o grão-ducado chamava-se "J'ai dejá vu ça dans tes yeux" ("já vi isso nos teu olhos"), uma balada que ecoava influências blues e country do seu país natal, alcançando o 13.º lugar com 44 pontos. Em 1991, Jeane Manson integrou o elenco da telenovela "Riviera", uma produção de vários países europeus que pretendia emular as soap operas americanas, que passou na RTP.
A cantora Sandra Reemer representou a Holanda pela terceira vez, depois de 1972 em dueto com Dries Holten (como Andres & Sandra) e depois a solo em 1976. Desta vez, usando o nome Xandra, esta cantora de origem indonésia interpretou "Colorado", composto pelos irmãos Rob e Ferdi Bolland que viriam a ser compositores e produtores de renome nos anos 80 e 90, ficando em 12.º lugar com 51 pontos. Sandra Reemer faleceu em 2017 de cancro da mama.
Anita Skorgan (Noruega) |
Peter, Sue & Marc (Suíça) |
Anita Skorgan, a representante da Noruega, também era repetente nestas andanças, tendo já representando o seu país dois anos antes, obtendo o quarto lugar. Desta vez, cantou um tema slow-disco "Oliver" envergando um vestido cor-de-rosa a fazer lembrar Karen Gorney, a protagonista de "Febre de Sábado À Noite" ao lado de John Travolta mas ficou-se pelo 11.º lugar com 57 pontos. Anita Skorgan regressaria à Eurovisão em 1982 e 1983, ao lado do seu futuro marido Jahn Teighen.
Outros habituados à Eurovisão era o trio suíço Peter Reber, Sue Schell e Marcel Dietrich, ou simplesmente Peter, Sue & Marc. Esta já era terceira vez que participavam pelas cores da Suíça e curiosamente, sempre numa língua diferente: francês em 1971, inglês em 1976 e desta feita em alemão para cantar "Trödler und Co.", acompanhados por outro trio, Pfuri, Gorps & Kniri. Estes contribuíam fazendo sons a partir de objectos como mangueiras, ancinhos, regadores, panelas, sacos de plástico e tesouras de podar. (O que deve ter sido passar aquilo tudo pela alfândega israelita!). Obtiveram 60 pontos, valendo o 10.º lugar. Peter, Sue & Marc regressariam uma quarta vez à Eurovisão em 1981, e novamente numa língua diferente, o italiano.
Manuela Bravo (Portugal) |
Elpida (Grécia) |
Depois de três anos consecutivos no top 10 entre 1971 e 1973, Portugal regressou novamente a essas altitudes (que como se sabe, é algo raro para o nosso país) pela quarta vez com umas das nossas canções eurovisivas mais célebres. Na altura, Manuela Bravo tinha 21 anos e dividia-se entre a sua carreira musical e os estudos de Direito quando foi escolhida para representar as cores nacionais com "Sobe, sobe, balão sobe" da autoria de Carlos Nóbrega e Sousa. Nesse ano, Portugal foi o primeiro país a actuar e bem se pode dizer que abrimos com chave de ouro, obtendo 64 pontos* e o nono lugar. "Sobe, sobe, balão sobe" tornou-se um dos nossos maiores clássicos eurovisivos e a canção-assinatura de Manuela Bravo, que continua activa na música.
* Durante a transmissão, o quadro de pontuações mostrou Portugal com 68 pontos, devido a uma confusão com a divulgação dos votos de Espanha, que parecia ter dado dez pontos a Portugal e Israel. O erro foi corrigido depois do espectáculo, mas os quatro pontos a menos de Portugal não alteraram a classificação final.
Elpida Karaiyannopolou foi a representante da Grécia que interpretou "Sokrati", cuja letra, como o título indica, era um louvor ao famoso filósofo Sócrates, considerando-o um superstar e lamentando a injustiça do seu julgamento e suicídio forçado. A actuação grega obteve o oitavo lugar com 69 pontos (incluindo 10 de Portugal). A versão em inglês obteve algum sucesso internacional, incluindo Portugal. Elpida regressaria à Eurovisão em 1986 representando o Chipre mas ficaria em último lugar.
Black Lace (Reino Unido) |
Tommy Seebach (Dinamarca) |
Se Portugal era (é) um país pouco habituado ao top 10 na Eurovisão, na altura o Reino Unido só tinha falhado os dez primeiros lugar pela primeira vez no ano anterior. Felizmente para as terras de Sua Majestade, nesse ano voltou tudo ao normal com o sétimo lugar e 73 pontos graças ao tema "Mary Ann" interpretado pelos Black Lace (um tema que pessoalmente acho que não merecia tanto). Os Black Lace viriam obter mais sucesso nos anos 80, quando Alan Barton era o único membro de entre os que estiveram em Jerusalém que continuava na banda, com temas kitsch como "Agadoo" de 1984, que em 2003 a revista "Q" considerou a pior canção de sempre.
A Dinamarca ficou em sexto lugar com 76 pontos com uma daquelas canções que o título explica tudo: "Disco-Tango" interpretado por Tommy Seebach. Esta fusão de tango e disco-sound até era deveras interessante. Entre os membros do coro esteve Debbie Cameron que em 1981 participaria em dueto com Seebach representando a Dinamarca. Tommy Seebach teve uma terceira participação na Eurovisão em 1993 e faleceu em 2003.
Cathal Dunne (Irlanda) |
Dschinghis Khan (Alemanha) |
Cathal Dunne cantou a balada "Happy Man" dando à Irlanda o quinto lugar com 80 pontos. Na altura, Dunne era sobrinho do primeiro ministro daquele país, Jack Lynch. Dunne vive actualmente nos Estados Unidos em Pittsburgh.
Com 86 pontos, a Alemanha pode ter ficado no quarto lugar mas deixou um dos mais históricos clássicos da Eurovisão, "Dschinghis Khan" interpretado pelo grupo com o mesmo nome. Canção essa que - surprise, surprise! - era sob o mítico líder mongol Gengis Khan, enaltecendo tanto os seus dotes de guerreiro como de reprodutor (um dos versos dizia que ele fez sete filhos numa só noite). No entanto, Gengis Khan que esteve em palco (de seu verdadeiro nome Louis Hendrik Potgieter) exibiu os seus dotes de bailarino rodopiando agilmente pelo palco enquanto os restante cinco membros cantavam em uníssono. Foi também a primeira vez que se viram torsos masculinos desnudados na Eurovisão, que os quatro elementos masculinos do grupo orgulhosamente exibiram.
"Dschinghis Khan" foi um sucesso comercial em vários países bem como o single seguinte "Moskau", que foi n.º 1 na Austrália em 1980. Potgieter, que era de origem sul-africana, faleceu de SIDA em 1993 e outro membro da banda, Steve Bender faleceu de cancro em 2006. Actualmente parece que existem duas bandas que actuam usando o nome Dschinghis Khan: uma que inclui as duas vocalistas da banda, Edina Pop e Henriette Strobel, e outra liderada por outro membro original da banda, Wolfgang Heichel. Na segunda semifinal do Festival de 2018 em Lisboa, durante um segmento de dança com as quatro apresentadoras, Sílvia Alberto dançou "Dschinghis Khan".
Anne-Marie David (França) |
Betty Missiego (Espanha) |
Em 1973, Anne-Marie David venceu o Festival da Eurovisão representando o Luxemburgo com "Tu te reconnaitras" e agora, seis anos volvidos, procurava nova vitória agora pelo seu país, a França. Não ganhou mas andou lá perto, chegando ao 3.º lugar com 106 pontos com "Je suis l'enfant-soleil" que contava a trágica história de amor entre uma jovem e um forasteiro que é acolhido pelo pai dela, que mais tarde vem-se a saber que é um fugitivo da prisão. Anne-Marie David retirou-se da música e da vida pública nos finais dos anos 70, mas desde 2003 que tem actuado em eventos relacionados com a Eurovisão.
Pela terceira vez na década, a vizinha Espanha ficou em segundo lugar (116 pontos) e desta vez, o sabor de uma terceira vitória espanhola esteve mesmo muito perto pois antes da última votação, precisamente o do júri espanhol, Espanha liderava sobre Israel por um ponto. Mas ao dar dez pontos a Israel, Espanha deu um tiro no pé. Nesse ano, nuestros hermanos estavam representados por Betty Missiego, cantora de origem peruana (tendo representado este país no Festival da OTI de 1972), com "Su canción". Betty surgiu em palco acompanhado por um coro de quatro crianças: Javier, Alexis, Beatriz e Rosalía, que no final da actuação empunharam faixas com a palavra "obrigado" em espanhol, francês, inglês e hebraico. Sem dúvida que a petizada foi o ponto forte da actuação, já que a postura e os movimentos robóticos de Betty Missiego faziam-na parecer mais uma bruxa má que uma fada-madrinha.
Galit Atari e Milk And Honey (Israel) |
Mas foi mesmo Israel que venceu em casa, sendo portanto o terceiro país a ganhar a Eurovisão em dois anos consecutivos (Espanha em 1968 e 1969, Luxemburgo em 1972 e 1973). E tal como "A-ba-ni-bi" do ano anterior, Israel venceu com mais uma canção que ficou para os anais do Festival da Eurovisão, "Hallelujah", um colaboração da cantora Galit Atari com o trio Milk And Honey. E era sem dúvida um tema contagiante e pegadiço, em crescendo até ao final apoteótico e mesmo quem não percebia patavina de hebraico podia facilmente trautear com alguns "aleluias" de premeio. A versão em inglês de "Hallelujah" foi n.º 1 na Irlanda, Finlândia, Suécia e Noruega. Em Portugal, a versão em português dos Maranata rivalizou em popularidade com o original. Quando o Festival da Eurovisão regressou a Jerusalém em 1999, no final todos os concorrentes, apresentadores e bailarinos reuniram-se em palco para cantar "Hallelujah" em memória das vítimas do conflito que na altura assolava as Balcãs, sobretudo no Kosovo. Galit Atari regravou a canção em 2018 com Eden Ben Zaken para as comemorações do 70.º aniversário do Estado de Israel.
Festival da Eurovisão 1979 (transmissão da TV israelita, sem comentários):