segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Daria (1997-2002)

por Paulo Neto

Tenho de confessar que nunca fui fã da série "Beavis & Butt-Head". Houve sempre algo nela que nunca me cativou e achava o humor demasiado rasteiro e os traços da animação muito toscos para o meu gosto. Mas nessa série havia uma personagem que viria a ter a sua spin-off, que na minha opinião era muito mais interessante: Daria Morgendorffer


Daria em (e com) "Beavis & Butt-Head"

Em "Beavis & Butt-Head", Daria era uma espécie de contraponto inteligente à acefalia dos protagonistas, sempre com um comentário mordaz na ponta da língua. Mas embora não os tivesse em grande consideração e retirasse prazer de os ver cair nos mais diversos sarilhos, Daria (a quem eles lhes chamavam "diarrhea") era das poucas personagens que se importava minimamente com eles e se dava ao trabalho de lhes explicar coisas aparentemente elementares como pôr sementes no chão para plantar. Inicialmente a personagem era mais expressiva, mas com o tempo foi-se tornando mais inexpressiva, mais sarcástica e com um tom de voz de monocórdico que seria a sua imagem de marca na spin-off.


 

Sob aprovação de Mike Judge, o criador de "Beavis & Butt-Head" e da personagem, Glenn Eichler e Susie Lewis Lynn trabalharam numa série spin-off tendo a personagem de farta cabeleira castanha, óculos, casaco verde, botas da tropa e língua afiada como protagonista, mantendo-se Tracy Wagstaff como a voz de Daria.
"Daria", a série teve cinco temporadas de treze episódios de 22 minutos cada exibidas originalmente entre 1997 e 2002, bem como duas longas metragens: "Is It Fall Yet?" (que ligava os acontecimentos do fim da quarta temporada com os do início da quinta) e "Is It College Yet?", que serviu como episódio final, após os autores da série terem optado por fazer um filme em vez da sugestão da MTV para uma minitemporada final de seis episódios. Além disso, houve também dois episódios especiais, um mostrando os bastidores da série apresentado pela actriz Janeane Garofalo (que muitos acreditavam ser a voz de Daria) e outro de retrospectiva antes do episódio/filme final e um episódio piloto a preto e branco nunca exibido em televisão, mas disponibilizado na internet. A canção do genérico é "You're Standing On My Neck" do grupo rock feminino Splendora
Eu lembro-me de ver a série nos finais dos anos 90, ainda quando Portugal não tinha MTV própria e estava sobre a alçada da MTV Europe, e recentemente a MTV Portugal tem reposto a série, à razão de dois episódios por dia nas noite de segunda a quinta-feira.    

Tirando as características da protagonista e as origens texanas da família, a série não reteve nenhuma referência a "Beavis & Butt-Head". Como tal, vemos Daria a viver em Lawndale, uma comunidade de classe média-alta algures no Nordeste americano, com a sua família. Os seus pais Helen e Jake foram outrora hippies mas agora são obcecados pela sua carreira (ela é advogada, ele é consultor de empresas) e pelo estatuto social e a sua irmã mais nova Quinn (quando vi pela primeira vez a série, o nome dela soava-me a Gwen) mais obcecada com roupas, popularidade e namoros do que com responsabilidades e acha que a sua cara laroca é suficiente para conseguir o que quer. Embora Helen e Jake fiquem frequentemente exasperados com o sarcasmo e pessimismo da primogénita ("eu não tenho baixa auto-estima, tenho baixa estima por toda a gente"), a falta de aplicação aos estudos e às responsabilidades da mais nova deixa-os ainda mais em palpos de aranha. 

Jake, Quinn, Daria, Helen


Jane e Trent


No liceu de Lawndale, enquanto Gwen rapidamente torna-se popular, Daria destoa completamente daquele meio escolar banhado em superficialidades e contradições que ela nunca se faz rogada em apontar. E embora tenha boas notas, não cai nas boas graças dos professores, quer por não gostarem de ela ser respondona, quer por não saberem lidar com alguém assim. Porém, Daria trava logo amizade com uma colega, Jane Lane, que partilha o humor sardónico e o espírito crítico, se bem que Jane seja um pouco mais positiva e sociável. As duas também gostam de comer pizza e ver o programa de televisão "Sick, Sad World"
 Filha de pais ligados ao mundo das artes, dos quais ela herdou o talento, Jane vive numa grande casa onde o único outro residente habitual é o seu irmão Trent, que passa os seus dias entre dormir, tocar na sua banda Mystik Spiral ou praticar na guitarra (dormir agarrado à guitarra contra como praticar!) e que fala com que num sussurro arrastado. Contra os seus próprios esforços, Daria mantém um crush por Trent ao longo das três primeiras temporadas.  

Outros alunos de Lawndale da turma de Daria e Jane são: Brittany Taylor, a típica cheerleader loura burra, que namora com Kevin Thompson, o quarterback da equipa de futebol americano que é ainda mais burro que ela; Charles "Upchuck" Ruttheimer, o chato insuportável que se mete com todas as raparigas; o casal Jodie Landon e Michael Jordan "Mack" MacKenzie, dois dos poucos alunos negros no liceu, ela aluna do quadro de honra, ele capitão da equipa de futebol americano; e Andrea, a rapariga gótica. Jodie era uma das minhas personagens preferidas porque embora estivesse integrada no sistema escolar e da comunidade, ela não se fazia rogada em apontar as injustiças à sua volta, ou sobretudo o facto de ela ser tratada como uma quota de minoria numa comunidade maioritariamente caucasiana. Por vezes, Jodie chegava mesmo a lembrar Daria que esta podia-se dar ao luxo de confrontar o establishment à sua volta sem sofrer grandes represálias porque ela era branca e economicamente privilegiada. (Foi anunciado recentemente que Jodie terá a sua própria série, com Tracee Ellis-Ross a dar-lhe voz.)

Enquanto isso Quinn integra o Clube da Moda com três das raparigas mais populares da escola, priorizando as tendências da moda a tudo o resto: Sandy Griffin, a presidente do clube que nutre uma inveja velada por Quinn, Stacy Rowe, a mais simpática e próxima de Quinn, e Tiffany Blum-Deckler, a asiática meio apática que fala num tom de voz baixa. Entre os  vários pretendentes de Quinn, existem três rapazes sempre atrás dela e a quem ela só liga quando lhe convém: Joey, Jeffy e Jamie, este último alvo de um gag recorrente das outras personagens confundirem sempre o nome dele. Na escola, Quinn faz tudo para que ninguém saiba que Daria é sua irmã e como tal as outras raparigas do Clube Da Moda costumam referir-se a Daria como "a prima da Quinn".

Da esquerda para a direita: Ms. Li, Brittany, Kevin, Jodie, Daria,
Jane, Mack, Upchuck, Andrea e Mr. DeMartino


Entre os professores há a directora Angela Li, obcecada em angariar dinheiro para a escola (e às vezes para ela), nem que seja por esquemas pouco lícitos; Janet Barch, a professora de Economia, que nutre um ódio geral pelo sexo masculino desde que o seu ex-marido fugiu com a amante; Timothy O'Neill, o professor de Inglês, hipersensível, inseguro e com dificuldade em fixar os nomes dos alunos; Claire DeFoe, a professora de Artes, que encoraja o talento de Jane; e Anthony DeMartino, o professor de História, atreito a vários ataques de fúria (nomeadamente devido à burrice dos alunos) que faz o seu olho sair da órbita. 

Daria e Tom


A partir da quarta temporada, surge uma nova personagem importante, Tom Sloane que se torna o namorado de Daria. O início da relação é algo atribulado porque Tom tinha antes namorado brevemente com Jane, o que causou tensão entre as duas amigas. Embora pertença a uma das famílias mais ricas e poderosas de Lawndale e por vezes seja algo presunçoso por causa desses privilégios, Tom partilha a mesma mentalidade sagaz e sarcástica de Daria, embora seja mais sociável. O namoro com Tom vai fazer com que Daria repense as suas atitudes e se confronte com as suas inseguranças e traumas passados (que moldaram a sua personalidade). No final de "Is It College Yet?", Tom e Daria decidem terminar amigavelmente a relação para se focarem no novo capítulo das suas vidas na universidade.

No geral, gosto bastante de tudo em "Daria": os traços da animação (sobretudo no desenho das personagens), do humor mordaz, de como a maioria das personagens foi passando de meros estereótipos a caracteres bem delineados e desenvolvidos e do trabalho dos voice actors. Outro pormenor muito engraçado era durante os créditos finais aparecerem desenhos das personagens da série assumindo outro tipo de personalidade. (Por exemplo, Daria como a rainha Isabel I, Jane como Cleópatra, Quinn como uma freira, Jake como Keith Flint dos Prodigy, Trent como um gangster...)   

Algumas curiosidades:

- Para o nome de Daria, Mike Judge, criador de "Beavis & Butt-Head", inspirou-se numa antiga colega de liceu que tinha o mesmo nome (e a mesma alcunha escatológica). 
- Wendy Hoopes fez as vozes de Quinn, Helen e Jane. Fiquei muito surpreendido quando soube isto porque a voz da Quinn era tão aguda e a da Jane tão grave que quase parece inacreditável que as duas vozes saíssem da mesma pessoa. 
- A inspiração para o design da personagem de Brittany foi a actriz e apresentadora Jenny McCarthy (actualmente mais conhecida por ser militante anti-vacinas). 
- Quatro actores fizeram a voz de Mack: Delon Ferdinand, Paul Williams, Kevin Daniels e Amir Williams. Talvez por isso, a personagem não foi tão desenvolvida como as outras.
- Os outros voice actors da série foram Sarah Drew (Stacy), Geoffrey Arend (Upchuck), Marc Thompson (Kevin, Mr. O'Neill, Mr. DeMartino, Jamie), Janie Mertz (Brittany, Sandy), Ashley Albert (Ms. Barch, Tiffany), Alvaro Gonzalez (Trent), Jessica Cydnee Jackson (Jodie) e Russel Hankin (Tom).

Além da série, que teve edições em VHS e DVD, "Daria" também gerou dois livros e dois programas de software para computador. Alguns serviços de GPS disponibilizam a voz de Daria como guia. 

Para terminar deixo-vos os conselhos de Daria no seu discurso da formatura:
"Lutem por aquilo que acreditem até que, ou a não ser que a lógica e a experiência vos prove o contrário; lembrem-se quando o rei parece ir nu, o rei vai nu; a verdade e uma mentira não são "mais ou menos a mesma coisa"; e não há nenhum aspecto, faceta ou momento da vida que não possa ser melhorado com pizza."

Quinze das melhores frases de Daria Morgendorffer



Genérico

 



segunda-feira, 21 de setembro de 2020

As Aventuras De Jack Burton Nas Garras Do Mandarim (1986)

Mais uma para a secção "Filmes que eu vi na "Sessão Da Noite", o espaço de cinema da RTP1 nas noites de sexta-feira no inícios dos anos 90. 

Este "Big Trouble In Little China", que em Portugal recebeu o extenso título "As Aventuras De Jack Burton Nas Garras Do Mandarim", é um misto de thriller sobrenatural, comédia de acção e filme de artes marciais, realizado por John Carpenter, o realizador de "Halloween", "The Thing" e "Starman", naquela que foi a sua quarta colaboração com Kurt Russell depois de "Elvis", "Fuga De Nova Iorque" e "The Thing - Veio De Outro Mundo". 



Russell interpretou a personagem-título Jack Burton, um camionista que ao visitar o seu amigo Wang Chi (Dennis Dun), que tem um restaurante na Chinatown de São Francisco, se vê arrastado para todo um pandemónio chinês de mafiosos e guerreiros sobrenaturais. Tudo começa quando Miao Yin (Suzee Pai), a noiva chinesa de Wang é raptada por um gangue, aparentemente para fins de tráfico sexual. 




Mas a verdade é ainda mais sombria. Lo Pan (James Hong) fora há séculos um grande guerreiro e feiticeiro mas quando se rebelou contra o Imperador, foi castigado com uma maldição que o impede sobreviver apenas dentro de um corpo velho e decrépito. Para quebrar a maldição, Lo Pan terá de casar uma mulher de olhos verdes (como Miao Yin) e depois sacrificá-la aos deuses. Lo Pan também comanda três temíveis guerreiros com poderes sobrehumanos: Thunder (Carter Wong) que consegue expandir o seu corpo, Rain (Peter Kwong) que manobra habilmente uma espada mágica e Lightning (James Pax) que consegue soltar relâmpagos das mãos. 


Auxiliados por Gracie (Kim Cattrall), uma advogada que se envolveu na confusão do rapto de Miao Yin no aeroporto, Eddie Lee (Donald Li) e Egg Shen (Victor Wong), outro camionista que afinal é um feiticeiro e conhecedor das histórias mágicas da China antiga, Jack e Wang descem a um submundo para enfrentar Lo Pan e os seus guerreiros. A certa altura, Gracie também é raptada e ao descobrir que ela também tem olhos verdes, Lo Pan decide também sacrificá-la. Graças a uma poção de Egg, Jack e Wang rumam ao confronto final durante a cerimónia de casamento para salvar Gracie e Miao Yin. 

O mais engraçado neste filme é que apesar de a história se focar sobretudo no ponto de vista de Jack, na verdade o herói é Wang Chi (Jackie Chan chegou a estar equacionado para esse papel) - é ele o lutador sagaz e corajoso que salva a sua amada -  e Burton é na realidade o sidekick e um autêntico peixe fora de água que pouco percebe do que se passa, mas que é tão americanamente convencido que pensa que ele é que vai resolver aquilo tudo. E Kurt Russell é exímio a encarnar esse "boneco". 


Com a pressão do estúdio para acelerar a produção do filme devido ao facto de outro filme de temática semelhante, "O Menino De Ouro" com Eddie Murphy, também estar para estrear na mesma altura, "As Aventuras de Jack Burton Nas Garras do Mandarim" foi um fracasso de bilheteira e deixou John Carpenter desiludido com Hollywood e decidido a regressar ao cinema independente. O flop também abortou planos para possíveis sequelas, que o final do filme deixava antever. 
No entanto, nos anos seguintes, com o mercado de vídeo e as emissões televisivas, o filme foi ganhando um estatuto de culto que tem crescido com o tempo, ao ponto de hoje ter um merchandising que vai de livros de banda desenhada a figuras de PVC e jogos de tabuleiro e de cartas. O filme também é citado como uma influência dos criadores da saga de jogos de "Mortal Kombat", nomeadamente para a criação das personagens Raiden e Shang-Tsung. 

 


Trailer:

sábado, 19 de setembro de 2020

The Flash (1990)

O primeiro episódio desta série de curta duração - apenas uma temporada de 22 episódios - foi exibido  nos States a 20 de Setembro de 1990. Mas apesar de não ter durado muito tempo nos ecrãs, é das séries do género super-herói mais recordadas, anterior à avalanche mais recente. 
Estreou em Portugal já depois de ter terminado, no dia 6 de Março de 1993, no Canal-1 da RTP. A exibição terminou a 31 de Julho de 1993, dando lugar, uma semana depois às "Marés Vivas".

O genérico de "The Flash", o Relâmpago da Justiça:


Que belíssimo tema musical o da abertura, a recordar os clássicos instrumentais do cinema de aventuras, e mais recentes como o "Batman" do ano anterior. E claro, que o autor do tema é o mesmo desse Batman, o grande Danny Elfman (Eduardo Mãos de Tesoura, The Simpsons, etc). 



Logo a abrir o genérico, um vislumbre do acidente com um relâmpago e químicos que deu os fabulosos poderes a Barry Allen (John Wesley Shipp), o que agora chamamos um CSI, um cientista forense da Polícia de Central City que adopta a identidade secreta de "The Flash" para combater o crime com a sua super-velocidade. Esta adaptação do personagem criou um misto do Barry Allen da banda desenhada e o seu sucessor Wally West, o "Flash" na BD da época da série de TV, visto que "Barry Allen" fora supostamente destruído alguns anos antes no mega evento "Crise nas Infinitas Terras" que revolucionou todas as histórias em banda desenhada da DC Comics.
Um elemento que o distanciou de séries anteriores foi a fidelidade do uniforme em relação ao herói da BD, que apesar da tecnologia aplicada na sua criação e arrefecimento era extremamente desconfortável para o actor.


Algum tempo antes eu tinha comprado uma revista em banda desenhada com a (nova) origem do Flash e dos seus mais famosos vilões, e portanto na época sentia-me um pouco desapontado com os inimigos apresentados na série, o que o orçamento permitia. E falando nisso, segundo a Wikipedia o episódio duplo que serviu de piloto custou mais de 6 milhões de dólares, e cada seguinte foi da ordem do milhão e meio. Apenas os quatro uniformes de latex do herói, necessários para as filmagens [inspirador por arte conceptual de Dave Stevens (o criador de Rocketeer), desenhados por Robert Short e construídos pelos Stan Winston Studios ] foram 100.000 dólares (segundo outras fontes, foram 8 uniformes para o actor e duplos a custar 100.000 cada um). Mas como disse um dos escritores da série, Danny Bilson, depois de "Batman" não podiam ter um fulano a correr num par de collants.
Mais que o conteúdo concreto dos episódios, recordo bem a minha aflição de poder perder a aventura da semana, sempre a dar pressa à família para regressar a casa antes da "hora do Flash" se a minha memória não me atraiçoa, ás 17 horas do Sábado. Infelizmente, eu não tinha gravador de VHS e como não podia correr tão rápido como o Flash para chegar a casa a horas, se perdesse o episódio, estava perdido, para sempre. Como disse, não tinha VHS e só há poucos anos soube que existiu distribuição em homevideo no nosso país, quando consegui numa feira de velharias um conjunto das cassetes originais da edição portuguesa em VHS. 


Além de mafiosos, e criminosos "comuns", dos vilões da BD que marcaram presença, o melhor recordado foi o maníaco Trapaceiro (Trickster) interpretado com garra pelo próprio Luke Skywalker, o actor Mark Hamill, dois anos antes de se tornar a voz definitiva do Joker nas várias séries de animação da DC Comics. Mas não faltaram á chamada clássicos da galeria de vilões do Flash como o Capitão Frio ou o Mestre dos Espelhos.



Do lado dos bons, o "Flash" era auxiliado por Tina McGee (Amanda Pays) uma cientista dos S.T.A.R. Labs que além de despertar o interesse romântico de Barry o auxilia com invenções para controlar melhor os seus poderes e capturar os vilões da semana; e  Julio Mendez (Alex Désert) amigo e colega de Barry no laboratório da Polícia.




Se ignorarmos o terrível tele-fime/piloto de "Justice League of America" de 1997, o Homem Mais Rápido do Mundo só regressou ao pequeno ecrã na série "The Flash" de 2014*, que curiosamente recupera o actor principal da dos anos 90 (John Wesley Shipp) como o pai do novo Barry Allen/Flash. E - alerta de spoilers - além de desempenhar (graças aos universos paralelos mostrados nessa série) o pai do Flash, John Wesley Shipp também é o Flash original (Jay Garrick) e o Barry Allen desta mesma série dos anos 90, com uso do icónico uniforme e tudo. Foi um grande presente para os fãs:
 



* "Smallville" não conta, não era o Barry Allen!

Texto original publicado no Tumblr da enciclopédia de Cromos: "The Flash".

domingo, 13 de setembro de 2020

Golo! Golo! Golo! (1995)

 por Paulo Neto

Ora aqui está um tesourinho televisivo esquecido dos anos 90. Lembro-me que dava na RTP1 ao fim da tarde de segunda a sexta e que estreou em 1995 mas não me lembro quanto tempo durou. 

A premissa do programa "Golo! Golo! Golo!" era bem simples. Num cenário que replicava a grande área de um campo de futebol com uma baliza em evidência, um telespectador em casa inscrito via telefone interagia carregando com a tecla 5 do seu telefone fixo (ainda estávamos a uns anitos da massificação dos telemóveis), fazendo disparar a bola embutida num canhão robótico, tentando marcar golo na baliza defendida por um guarda-redes convidado, muitas vezes de uma equipa do escalão principal do futebol nacional (na altura, ainda denominado de 1.ª Divisão).


  

Ao que eu pude apurar, a ideia original do programa era da Turquia e foi depois vendida a vários países como Argentina, Espanha, Indonésia, Brasil e claro, Portugal. A apresentação estava a cargo de Jorge Correia, secundado pela inconfundível voz-off de António Macedo e por um grupo de oito cheerleaders (duas delas eram Filomena Nascimento, que viria a apresentar "O Templo Dos Jogos" na SIC, e Sofia Cerveira, que viria tornar-se uma conhecida apresentadora, primeiro na RTP e depois na SIC). E, numa daquelas coincidências boas demais para ser verdade, elas eram coreografadas por João Frango! O programa era filmado em directo no Zona Mais, uma discoteca em Lisboa que na altura a RTP converteu como um dos seus estúdios. 

Mas vamos lá esmiuçar este episódio de "Golo! Golo! Golo!" onde o guarda-redes convidado era Ivo, que então defendia as cores do Sporting Clube Farense e na assistência estava a claque do clube algarvio, os South Side Boys. Na altura, o Farense era presença assídua na 1.ª Divisão e vinha da sua melhor classificação de sempre na época anterior, um quinto lugar e o acesso à Taça UEFA, com o histórico Paco Fortes nos comandos da equipa. 

Estando nós nos anos 90, estávamos na era das linhas de valor acrescentado, e o número de telefone para participar no programa era daqueles com o célebre indicativo 0641, com cada minuto chamada a custar 186 escudos e o valor mínimo da chamada de 460 mérreis (cerca de 2,30 euros). 

Ivo Soares ou Ivo tout-court, o guarda-redes convidado, era uma figura do futebol algarvio. Natural de Moncarapacho, começara nas escolas do Olhanense, passou no escalão juvenil para o Farense e também jogou emprestado noutros clubes da região como os Leões de Tavira e o Louletano. (O único clube fora do Algarve onde jogaria na sua carreira foi no Sporting de Espinho). Então com 24 anos, Ivo era na altura o guarda-redes titular do Farense, face à lesão do guardião principal, o nigeriano Peter Rufai. 

Valter Santos, de 14 anos e residente em Pinhel, foi o primeiro telespectador concorrente. Os seus três remates pelo canhão robótico (Nuno Markl, quando do episódio da "Caderneta de Cromos" dedicado a este programa, chamou-lhe de "caranguejola") entraram na baliza, não dando hipóteses a Ivo de se mexer. Com cada golo a valer dez contos da moeda antiga (cerca de 50 euros), Valter ganhou 30 contos.

O segundo concorrente, José Nuno Martins de Guimarães (que a julgar pela voz, devia ter uma idade semelhante à do concorrente anterior), marcou os dois primeiros golos no canhão mas o terceiro remate foi parar às mãos de Ivo.   


Mas não foram só os telespectadores manobrando o canhão que tiveram oportunidade de marcar golo à baliza defendida por Ivo. "Golo! Golo! Golo!" tinha também convidados em estúdio para fazer o gosto ao pé e neste programa, o convidado era nada mais nada menos que a lenda da música nacional Fernando Tordo, que na altura lançava o seu 19.º álbum. Equipado com uma camisola da Bélgica (?), o cantor de "Cavalo À Solta" e "Adeus Tristeza" fez três remates, tendo marcado o primeiro e chutado os outros dois para cima. 
Também um membro da assistência presente em estúdio teve a hipótese de rematar para marcar um golo a Ivo, mas ao contrário de Fernando Tordo, o espectador de seu nome Nuno também manobrava a caranguejola com um telefone existente no estúdio. Mas ao contrário dos telespectadores, Ivo defendeu dois remates e só deixou escapar o terceiro.

Para terminar, mais um telespectador para rematar no canhão-caranguejola. António Moreira marcou dois golos, com o terceiro a ser defendido por Ivo. Por ter sido o único a marcar três golos, o primeiro telespectador, Valter Santos de Pinhel, recebeu um prémio adicional de 200 contos (cerca de 1000 euros) em compras nas Lojas Singer (que já se sabe que patrocinavam tudo quanto era concurso nos anos 90). O guarda-redes Ivo, por ter feito quatro defesas, ganhou cinco contos por cada uma, num total de 20 contos que declarou oferecer à Casa de Rapazes Aboim-Ascensão de Faro. 

Na ficha técnica, pode-se ler "Consultor Especial: Humberto Coelho". Como puderam comprovar, foi um tesourinho com uma boa dose de cringe. Jorge Correia, mais conhecido como jornalista desportivo, não estava muito à vontade na apresentação de entretenimento. Os espectadores no estúdio estavam um tanto atolados e as cheerleaders não faziam muito mais do que agitar os pompons com o entusiasmo de uma couve de Bruxelas.  

Quanto a Ivo Soares, como muitos outros futebolistas, transitou de jogador para treinador, começando no Juventude Campinense (onde na época 2007/08, ainda defendeu a baliza) e passou por outros clubes algarvios como o Olhanense, o Lusitano de Vila Real de Santo António, o Louletano, treinando actualmente o clube da sua localidade natal, o Moncaparachense, onde joga o seu filho João Soares, não como guarda-redes, mas como médio-avançado esquerdo. 

De acordo com este vídeo do canal YouTube brasileiro Switcher, o programa fez muito mais sucesso no Brasil sob o nome de "Gol Show", apresentado pelo eterno mago da televisão brasileira Sílvio Santos. As dinâmicas eram diferentes em relação a outros países porque os telespectadores ganhavam mais ou menos prémios consoante acertassem na baliza, não só quando marcavam golos aos guarda-redes convidados (como por exemplo o lendário José Luís Chilavert do Paraguai), mas também se acertassem na trave, na barra ou num pequeno orifício no canto superior da baliza que era o que dava direito ao prémio maior. Além disso, os telespectadores não carregavam nas teclas de telefone para disparar a bola do canhão mas sim dizendo Gol. E em 1998, alguém conseguiu que a bola acertasse no orifício que dava a o prémio maior e pela primeira vez num concurso televisivo do país-irmão, foi atribuído um prémio de um milhão de reais. 


A estreia de "Gol Show" no Brasil em 1997, com a presença de José Luis Chilavert,
onde Sílvio Santos explica como trouxe o programa para o Brasil e mostra imagens das versões de outros países, incluindo Portugal. 


Cromo da "Caderneta de Cromos" sobre "Golo! Golo! Golo!": (Soundcloud)

domingo, 6 de setembro de 2020

Filha Do Mar (2001-02)

por Paulo Neto




Com o sucesso de "Todo O Tempo Do Mundo", "Jardins Proibidos" e sobretudo "Olhos De Água", em 2001 as telenovelas portuguesas emitidas pela TVI tinham finalmente destronado o longo reinado das telenovelas brasileiras da Globo no pináculo das audiências. Percebendo que aí havia um filão a expandir, a TVI apostou em grande para a rentrée de 2001 e no dia 3 de Setembro desse ano fez estrear três novas telenovelas portuguesas, "Anjo Selvagem" para o horário do fim da tarde e "Filha Do Mar" e "Nunca Digas Adeus" para o horário nobre onde também se encaixaria a terceira edição do Big Brother. Ao contrário das outras duas, que eram adaptações de duas telenovelas latino-americanas ("Anjo Selvagem" da argentina "Muñeca Brava", "Nunca Digas Adeus" da mexicana "Mirada de Mujer", que por sua vez era uma adaptação de um original colombiano), "Filha Do Mar" era uma trama original de Manuel Arouca, o mesmo autor de "Jardins Proibidos", em parceria com Tomás Múrias.

O paralelismo com "Jardins Proibidos" também se verificou em muitos actores do elenco também entrarem nesta telenovela e que a protagonista juvenil foi seleccionada através de um casting promovido pela TVI entre centenas de candidatas.
"Filha Do Mar" foi exibida em 169 episódios entre 3 de Setembro de 2001 e 12 de Abril de 2002, tendo desde então sido reposta algumas vezes quer na TVI Ficção, quer nas madrugadas da TVI generalista e pôs em evidência duas regiões emblemáticas do nosso país: os Açores e o Ribatejo.

Salvador e Marta

Em 1991, Salvador Valadas (Marcantónio Del Carlo), oriundo de uma abastada família ribatejana, decide fazer uma viagem de veleiro em travessia do Atlântico com os seus amigos Guilherme (José Neves) e António Augusto, mais conhecido por Tutas (José Meireles). Chegados à ilha do Faial, Tutas entra em coma alcoólico e é socorrido por Marta Barquinho (Dalila Carmo), uma jovem médica natural da ilha. A partir desse momento, Salvador e Marta apaixonam-se loucamente um pelo outro e o que era apenas para ser uma curta estadia de poucos dias nos Açores acaba por se prolongar por um mês. Quando por fim, Salvador e os amigos partem, ele e Marta trocam promessas de amor e casamento.

Maria e Marta



Guilherme e Tutas

Mas é então que Guilherme se revela um amigo da onça. Com olho nas terras da família de Salvador, em especial a valiosa herdade A Lusitana, ele pretendia apresentar-lhe Sofia (Fernanda Serrano), uma gestora financeira recém-formada e que serve os seus interesses, em Nova Iorque e o amor que nasceu entre Salvador e Marta empecilhou-lhe os planos. Guilherme também controla Tutas ao instigar-lhe o trauma de uma suposta impotência sexual que o levou ao alcoolismo. Quando Salvador confia a Guilherme e Tutas uma carta e um anel para entregar a Marta, o veterinário decide mentir e dizer à jovem que Salvador morreu. Marta fica em choque, até porque está grávida de Salvador e pensa em se suicidar, mas acaba por decidir ter o bebé, dando à luz uma menina chamada Maria (Diana Marquês Guerra), a quem dirá que é filha do mar.

Dez anos depois em 2001, após a morte do seu pai Augusto (José Martins), Marta decide deixar os Açores com Maria e as duas partem para Santarém, onde Marta conseguiu uma colocação. Numa vila do concelho, alugam casa a Francisca Nogueira (Noémia Costa), conhecida como Chica dos Provérbios, que tal como Marta criou sozinha a sua filha Diana (Vera Kolodzig). Na escola, Maria faz logo amizade com Tomás (Luís Simões) e será  através dele que Marta descobrirá a verdade, já que o petiz é filho de Salvador, que afinal estava vivo.

Diana
Chica



Tomás e Sofia

Convencido por Guilherme que Marta rejeitara o anel, Salvador acabou por se casar com Sofia que, independentemente dos ardis de Guilherme, se apaixonou verdadeiramente pelo marido. Embora não tenham tido um casamento infeliz, Salvador e Sofia vivem um momento tenso na relação já que ela tem se dedicado demais ao trabalho, descurando o marido e o filho.

Eduardo


Augusta

Alberto


Salvador é filho de Alberto Valadas (Luís Alberto), o dono da próspera herdade Lusitana, e de Augusta (Irene Cruz), que renega as suas origens humildes e é a prova do ditado "nunca sirvas a quem já serviu", tais as suas nova-riquices. Tem ainda dois irmãos, Eduardo (Rogério Jacques), com quem sempre teve um relacionamento tenso e Constança (Daniela Ruah), ainda adolescente. Salvador também é muito próximo da sua tia Concha (Lurdes Norberto), a quem o conservadorismo da família cortou o seu sonho de se tornar artista, tendo buscado conforto na academia de dança que fundou na zona e que é frequentada pelos jovens locais, como Diana e Constança.

Inevitavelmente Marta e Salvador acabam por se encontrar e apesar dos ressentimentos, a paixão entre ambos, que acreditavam extinta, renasce mais forte do que nunca. Mas não só Guilherme semeia mais mentiras e mal-entendidos como Sofia está disposta a tudo para lutar pelo marido. Com tudo isso, Marta acaba por desanimar e ceder às atenções de Eduardo que se apaixona por ela, criando ainda mais conflito entre os dois irmãos.

Constança e Manel do Coice

Outra história de amor proibido é aquela vivida por Constança e o jovem campino Manel do Coice (Hugo Sequeira). Os pais da jovem opõem-se ao romance aparentemente devido às diferenças sociais, mas existe um motivo é outro: Manel é filho ilegítimo de Alberto, perfilhado pelo seu braço direito Zé do Coice (José Eduardo). Mas mais tarde, vem-se a saber que Constança é na verdade filha de Eduardo com Fernanda (Ana Nave), uma paixão antiga. Só que esta tem um segredo: na verdade o pai da sua filha é Guilherme, com quem se envolveu no passado.

Entretanto Tutas, arrependido por ter contribuído para separar Salvador e Marta e descobrindo que nunca foi impotente, revolta-se contra as intrigas de Guilherme e expõe todas as mentiras e esquemas do veterinário. Guilherme vem também a perder o emprego quando Tomé Vieira (Almeno Gonçalves), o outro veterinário local que tinha sido desacreditado por Guilherme, salva o valioso cavalo Lafões. Rejeitado por todos, Guilherme acaba por morrer num acidente de automóvel. Depois de esclarecida a verdade, Marta e Salvador ficam livres para amar mas surge mais um obstáculo: Sofia espera um segundo filho do marido numa gravidez de alto risco.

Tomé


Migalhas


Ângela

Entre outras personagens, destaque para: Cajó Antunes (Luís Aleluia), o dono do restaurante local, conhecido como o Migalhas por ser obcecado em limpar as migalhas deixadas pelos clientes; Leonel Espiga (Eurico Lopes), o empregado engatatão da academia de dança; Samuel (Gonçalo Neto), um colega de Diana secretamente apaixonado por ela; e Ângela (Maya Booth), a amiga geek de Constança e Diana que disputa as atenções de Bernardo (Nuno Aramac), um garboso empregado da Lusitana, com a presunçosa Mariana (Inês Castel-Branco). O elenco da telenovela contou ainda com nomes como Fernando Ferrão, Rosa Villa, Natalina José, Licínio França, Manuela Cassola e uma participação especial de Ruy de Carvalho.

"Filha Do Mar" teve a particularidade de ter sido o público a escolher o final da novela entre os três que foram gravados: no primeiro, Marta ficava com Salvador e os dois criavam o filho de Sofia, que morre ao dar à luz; no segundo, Marta escolhia ficar com Eduardo e Salvador reconstruía a vida familiar com Sofia e os dois filhos; no terceiro, Marta voltava aos Açores com Maria. O primeiro final, que era também aquele que o autor queria, venceu esmagadoramente.
O autor editou também uma novelização da telenovela em livro (com apenas a trama principal), algo raro na teledramturgia portuguesa. Tanto quanto sei as outras telenovelas nacionais com uma respectiva novelização foram "O Olhar da Serpente" e "Filhos Do Vento".



Na banda sonora, de onde destacaram-se o tema do genérico "Que É De Ti", interpretado por Dina e "Não Há" de João Pedro Pais (que mais tarde serviria como tema de genérico e inspiração para o título da telenovela "Ninguém Como Tu"). Tal como acontecera com Vera Kolodzig em "Jardins Proibidos", Diana Marquês Guerra foi escolhida para a jovem protagonista da telenovela através de um casting aberto promovido pela TVI, voltando à representação já adulta em trabalhos como a série "Os Filhos Do Rock", as telenovelas "O Sábio" e "Alma E Coração" e o filme "Leviano".



Com "Anjo Selvagem" inicialmente pensada para os fins da tarde e "Nunca Digas Adeus" a abordar alguns temas fortes, "Filha Do Mar" era tida entre as três novas telenovelas como a maior aposta para continuar o sucesso de "Olhos de Água". Porém, foi um pouco eclipsada pelo sucesso inesperado (e julgo eu extrapolado) de "Anjo Selvagem" que passou também para o horário nobre, mas pelo que me lembro acho que "Filha Do Mar" era a melhor telenovela de entre as três.  

Genérico:



Promo ao último episódio:



"Filha Do Mar" está disponível para visualização na TVI Player.


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