O início dos anos 90 foram férteis em termos de ficção nacional televisiva em vários géneros, com várias série a serem exibidas na RTP e no advento da SIC, embora nem todas com os melhores resultados. Foi o caso desta série que partia de uma premissa bem interessante e embora a execução não tenha sido a melhor, julgo que merecia ter tido mais atenção.
"O Cacilheiro Do Amor" foi uma série da autoria de Júlio César e Mário Lindolfo, sob realização de Nicolau Breyner e produção de Carlos Paço D'Arcos. Dos oito episódios, os cinco primeiros foram exibidos nas tarde de quinta feira entre 16 de Agosto a 13 de Setembro de 1990 na RTP1. Porém, com a entrada da nova grelha, a emissão da série foi descontinuada e, segundo consta no portal de arquivos da RTP onde a série já se encontra disponibilizada, os três restantes episódios só viriam a ser exibidos a 31 de Dezembro de 1991, mais de um ano depois e tem sido reposta algumas vezes na RTP Memória.
Como o próprio título deixa antever, a série era uma paródia à famosa série "O Barco Do Amor" (que, nem de propósito, estava na altura a ter uma temporada exibida na RTP2), com um humor nonsense ainda pouco visto na teledramaturgia nacional.
E se tal como nos luxuosos cruzeiros de "O Barco Do Amor", uma travessia no Tejo a bordo do cacilheiro, entre Cacilhas e o Seixal, proporcionasse a mesma experiência aos portugueses amantes de viagens e aventuras? Como tal, existe "O Cacilheiro Do Amor" sob comando do Comandante Alves Teodósio (Manuel Cavaco), que ostenta orgulhosamente as suas medalhas, e do temperamental imediato Octávio (Luís Aleluia). Josefa Linhares (Margarida Carpinteiro) é a diretora do cruzeiro, mulher acesa, versada em provérbios e que comunica tudo em português do Portugal e do Brasil. O médico do navio é Tito Gaspar (Luís Vicente), que divide as preocupações entre os cuidados com os pacientes e os números do Totoloto, auxiliado pela enfermeira Lisete (Alexandra Diogo). No freeshop, a doce Betinha (Cristina Paço D'Arcos) vende galos de Barcelos e outros souvenirs enquanto suspira pelos cantos pelo Doutor Tito. Albino (Aristides Teixeira) é o barman do cacilheiro, que também dispõe de um salão de barbeiro, onde o dito (Octávio Matos) está sempre a par das fofocas. A segurança do navio é assegurada por Simões (António Rocha), um segurança tão feroz que ruge em vez de falar e tão competente que raramente precisa de sair do seu camarote.
O trio As Estares proporcionam momentos de entretenimento a bordo. Antes de cada partida, os passageiros têm de passar pelas trovas do bilheteiro (Rui Luís), um velho do Restelo dos tempos modernas. E há uma passageira (Adelaide João) sempre acompanhada de uma boia em forma de pato, dividida entre o seu medo de andar de barco e o vício na adrenalina que sente ao fim de cada viagem.
Ao longo dos oito episódios, era possível ver alguns actores sem papel fixo desempenhando papel de passageiros, geralmente comentando entre si sobre os acontecimentos de cada episódio, como por exemplo, José Raposo, Licínio França, Rui Paulo, Mafalda Drummond, Carlos Areia e Marcantónio Del Carlo.
Um gag recorrente do humor nonsense característico da série era o facto do barco ser movido pela força de remadores descamisados, que pareciam saídos de uma galé romana, com um baterista e um guitarrista a marcarem o ritmo.
Na exibição original, eu só vi os três primeiros episódios, e o que mais se destacou foi o segundo episódio onde o Cacilheiro Do Amor recebe um grandioso evento: a eleição da Miss Tejo. Sob o controlo férreo da Frau Grünchen (Noémia Costa), são cinco as candidatas ao título: Sandra Isabel (Miss Douro), Sandra Cristina (Miss Guadiana), Sandra Filomena (Miss Mondego), Sandra Floripes (Miss Nabão) e Sandra Raquel (Miss Ribeira de Loures, interpretada por Maria João Abreu). Mas eis que rebentam dois escândalos: o cronista social Nelson Vanderley descobre que uma candidata é casada e mãe de dois filhos e o ceptro para premiar a vencedora é roubado! Mas claro, no final tudo se resolve.
Como já referi, "O Cacilheiro Do Amor" foi uma série que merecia ter tido mais atenção, embora nem sempre as piadas fossem as mais acertadas. Também sou da opinião que, para fazer mais jus ao título e à fonte de inspiração, talvez tivesse sido melhor explorar uma vertente mais romântica e refrear um pouco o humor nonsense.
Segundo o sempre indispensável "Brinca Brincando", a série acabou por causar uma disputa legal entre dois dos sócios da produtora EV, Nicolau Breyner e Carlos Paço D'Arcos, com este a acusar Breyner, que também era o realizador, de causar prejuízos devido aos seus preciosismos na direção e aos atrasos nas gravações.
O actor Luís Pavão, que disponibilizou no YouTube algumas cenas da sua participação no 4.º episódio, conta por exemplo sobre esta cena: "No estúdio estavam um módicos 53 ou 54 graus, o leitão fedia a quilómetros. A cena foi adiada repetidamente vários dias... Um perfume!"
Entre os aspectos mais positivos da série, está sem dúvida o tema do genérico, da autoria de José Cid.
Geralmente quando faço artigos analisando blocos publicitários gosto de coincidir o mês em que foram exibidos com o mês em que o artigo é escrito. Mas os três blocos publicitários de Julho de 1985 que o canal PT Vault recentemente disponibilizou no YouTube são tão fabulosos que não quis esperar até Julho para fazer um artigo sobre eles. Como em muitos dos vídeos desse canal, estas gravações são do arquivo pessoal de Afonso Gageiro.
Estes três blocos foram exibidos pela RTP1 na manhã do dia 14 de Julho de 1985, durante a exibição dos momentos do lendário concerto Live Aid que não tinham sido transmitidos em directo no dia anterior.
0:00 Momento da actuação dos Simple Minds no Live Aid.
0:03 Vinheta da RTP da transmissão do megaevento que denominou "Solidariedade Com África" com fotos de vários dos artistas que participaram.
0:23 Vinheta RTC
0:31 O mais conhecido anúncio aos bombons Allegro é de longe o do rapaz violinista e da professora, mas como podem ver existiram mais dois anúncios. Neste uma banda rock, em que o baterista perde uma das baquetas, que a vocalista recupera e lhe entrega juntamente com uma embalagem de Allegro, tudo isto ao som de "Nowhere Fast" do filme "Estrada De Fogo".
0:39 E eis o primeiro grande tesourinho garimpado nestes blocos: aquele que certamente foi o primeiro anúncio às figuras dos Masters do Universo e ao muito cobiçado Castelo de Grayskull. Não sei se por esta altura já passava na RTP a respectiva série animada do He-Man (tenho a ideia que foi só no ano seguinte) mas este vistoso anúncio com uma narração épica e dois miúdos manobrando o He-Man, o Skeletor e as outras personagens já enchia o olho à petizada.
1:24 Um daqueles anúncios que gritam "Estamos nos anos 80!" ao calçado desportivo Xami Sport, onde nem sequer falta uma musiquita sucedânea do "Thriller" do Michael Jackson.
1:40 O príncipe está prestes a colocar o sapatinho de vidro no pé da Cinderella, quando de repente o sapatinho cai! Felizmente havia Super Cola Vidro para assegurar um final feliz.
1:49 Vinheta RTC
1:55 De novo a vinheta de Solidariedade Com África, onde se pode ouvir o jingle da transmissão da BBC e da sua congénere Radio 1.
2:10 Imagem de um dos estádios do Live Aid apinhado. (Julgo ser o de Wembley em Londres.)
0:00 Mais uma breves imagens do Live Aid. (Não reconheci quem aparece nelas.)
0:18 Vinheta RTC
0:24 Para o ginasta a consertar uma corda, para a trela do cão que se descolou, para colar um vaso partido por um golfista de trazer por casa e para muitas outras situações, Super Cola 3!
0:42 Apesar da concorrência dos Smarties, dos M&M, dos Lacasitos e das marcas brancas, ainda hoje não falta quem chame às drageias redondas de chocolate com capa de açúcar colorida de Pintarolas. Em 1985, ainda não havia as marcas concorrentes e por isso estas reinavam de forma suprema. Este anúncio inclui aquele que será o seu mais famoso slogan: "Redondinhas, às corzinhas, tão docinhas, Pintarolas!"
0:49 As bolachas da Nacional são há décadas uma referência e em 1985, a marca decidiu alargar a sua gama lançando variedade de bolacha Maria de sabor a morango e banana e da bolacha torrada com sabor a limão. Mas eu não me lembro destas variedades, pelo que estou convencido que estes novos aromas não vingaram face às variedade tradicionais de Maria e Torrada.
1:04 Em 1985, a supremacia da Nutella ainda estava distante, por isso em Portugal outras marcas de creme de chocolate e/ou avelãs para barrar no pão tinham o seu quinhão do mercado. Era o caso do Nucrema com este anúncio de uma partida de futebol infantil, nos tempos em que ainda se podia vender a ilusão de um produto assim como algo saudável. Nucrema, o sabor que vence!
1:24 Os anos 80 foram a década por excelência das bebidas de sumos em pó. Marcas como Tang, Dawa e Clic disputavam a liderança e a Royal não lhes ficava atrás. Sobretudo com anúncios como este à bebida de laranja Royal em que um desenho a preto e branco se enche de cor.
1:45 Nos anos 80, havia muitos anúncios a chocolates, mas poucos tinham a opulência daqueles do Jubileu Classic, com aqueles rios de chocolate.
1:53 Vinheta RTC
2:00 E porque já estávamos em pleno Verão desse ano, havia as habituais campanhas de sensibilização de segurança nas praias, promovidas pelo Instituto de Socorro a Náufragos. Em meados dos anos 80, essa campanha surgia através de anúncios de still image com uma figura ilustrativa correspondente ao conselho divulgado. Neste caso, a importância de evitar a exposição excessiva ao sol (que passados 37 anos é ainda mais prejudicial), advertindo para, após uma exposição solar demorada, entrar na água gradualmente para habituar o corpo à temperatura da dita e beber água à temperatura ambiente. E no fim, o lendário slogan "Há mar e mar, há ir e voltar" criado pelo poeta Alexandre O'Neill, que viria falecer no Verão seguinte.
0:28 Em 1985, o Tulicreme ainda não tinha a sua célebre mascote do ursinho Tuli, mas já era uma marca muito popular, ao ponto de fazer uma promoção onde daria dezenas de bicicletas. E não, não era por sorteio de cartas enviadas por correio até Lisboa Codex, mas sim num concurso de desenho onde os jovens consumidores de Tulicreme teriam de fazer um desenho alusivo e juntar dois recortes das tampas, com um júri a eleger os melhores desenhos, dignos de receber uma bicicleta.
0:50 Apesar de sempre gostar muito de gelados, confesso que nunca achei muita graça àqueles gelados de gelo com sabor a sumo de fruta, que nos placards da Olá e das outras marcas, costumavam ser os mais baratuscos. Mas lembro-me de, apesar de nunca ter conseguido convencer a minha mãe a comprá-los, ter curiosidade de experimentar os Pólos Royal em que podíamos ser nós a fazê-los, juntando água e levando ao congelador. Tudo graças a este divertido anúncio com um jingle orelhudo e uns petizes com os mais diversos disfarces.
1:10 Pelo que pude apurar, a boneca Barbie só chegou a Portugal em 1983, (24 anos depois de ter sido originalmente lançadas na América), pelo que por esta altura ainda era uma novidade por estas bandas e e este terá sido um dos primeiros anúncios da lendária boneca, que não tardaria a reinar suprema por cá tal como já o fazia noutros países.
1:40 E eis o outro anúncio aos bombons Allegro, em que uma jovem bailarina dá um tropeção e cai ao chão, sendo auxiliada pelo seu parceiro de dança que lhe oferece uma embalagem de bombons. E a voz inconfundível de Ana Zanatti a dizer "Allegro, um gesto de amor". Num dos vídeos do YouTube com o anúncio do Allegro com o rapaz violinista, havia um comentário de Mafalda de Barros que dizia ser precisamente a bailarina deste anúncio, anteriormente indisponível online. Se a Mafalda estiver a ler este artigo, eis aqui o que ela há tanto tempo procurava!
1:49 Vinheta RTC
1:56 Outro anúncio da segurança nas praias, desta vez avisando para o respeito pelos sinais das bandeiras: bandeira vermelha - perigo, não tomar banho; bandeira amarela - cuidado, não nadar; bandeira verde - pode tomar banho e nadar. (Eu confesso que já me aventurei a nadar com a bandeira amarela mas creio que nunca fiz mais do que molhar os pés com a bandeira vermelha.)
2:24 Vinheta RTP1
2:33 Live Aid, com imagens de um dos apresentadores da BBC e a locução a referir que tinha acabado de haver uma actuação conjunta de duas lendas musicais: Carlos Santana e Pat Metheny.
BÓNUS
Após esta transmissão em diferido de parte do Live Aid, eis um bloco de continuidade com a locutora Ana Maria Cordeiro em que é anunciada a programação para a tarde e noite daquele domingo. E que dia em cheio: o filme "O Cão Que Salvou Hollywood" na "Sessão Da Tarde", a Gala dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz desse ano, "O Mundo Dos Fraggles", o "Top Disco" e à noite "Falando de Schubert" com o maestro José Atalaya, a série "Ventos De Guerra" e o "Domingo Desportivo". Antes do filme "O Cão Que Salvou Hollywood" (filme de 1976 protagonizado por Bruce Dern e Madeline Khan, parodiando o fenómeno do Rim Tin Tin, e que contou com inúmeros cameos de estrelas de outras eras de Hollywood, sendo a última aparição em cinema de Johnny Weissmuller), podíamos ver os desenhos animados de Crazy Claws, dos estúdios Hanna-Barbera. Que saudades de tempos televisivos como estes!
(De fundo, pode-se ouvir uma versão instrumental de um dos hits desse ano, "Easy Lover" de Phil Collins e Phillip Bailey.)
E já agora, eis também Ana Maria Cordeiro no dia anterior a anunciar a transmissão da RTP do Live Aid (que começou à 17 horas do dia 13 de Julho de 1985 após a exibição da série "Separados Pela Espada") com a introdução a cargo de António Sérgio na sua inconfundível voz radiofónica, e começando com Bryan Adams a cantar "Summer Of 69".
Uma vez mais o meu agradecimento a Afonso Gageiro e ao canal PT Vault por disponibilizar este preciosíssimo conteúdo.