Existem seres que são tão únicos e geniais que até custa a crer que pertencem a este mundo como o resto dos mortais. Kate Bush é uma dessas pessoas, cujo talento para a música marcou um antes e depois no que diz respeito a mulheres na música. O sua obra é marcada pelo misticismo das suas composições e interpretações vocais e pela forma como se alia a outras formas de arte, sobretudo a literatura, a dança e o cinema. É incontável o número de artistas (e não apenas na música) que a citam como influência ou que expressaram admiração pelo seu trabalho.
Catherine Bush nasceu a 30 de Julho de 1958 em Bexleyheath no condado inglês de Kent. Aos 11 anos, inspirada pelo envolvimento do pai e dos irmãos na música, aprendeu sozinha a tocar piano e a compor canções. Reza a lenda que, quando ainda adolescente assinou um contrato discográfico graças a uma demo produzida por David Gilmour, a EMI pagou-lhe para passar dois anos a aperfeiçoar o seu material e sem dúvida que foi uma aposta ganha dado o sucesso do seu álbum de estreia, "The Kick Inside" em 1978.
Mas afinal quais são as minhas canções preferidas de Kate Bush? Como é habitual, várias canções tiveram de ficar de fora deste top 5 (que na realidade é um top 6) mas que merecem ser mencionadas: "The Man With The Child In His Eyes" ( que ela escreveu quando tinha 13 anos, do álbum "The Kick Inside"), "Wow" (de "Lionheart", 1979), "Army Dreamers" (de "Never For Ever", 1980), "Suspended In Gaffa" (de "The Dreaming", 1982), "The Big Sky" (de "Hounds Of Love", 1985), "The Sensual World" (do álbum do mesmo nome de 1989), "Rubberband Girl" e "Moments Of Pleasure" (de "The Red Shoes, 1993) e "King Of The Mountain" (de "Aerial" que em 2005 marcou o seu regresso aos discos após doze anos). Também não decidi incluir "Don't Give Up", o célebre dueto com Peter Gabriel, já que na sua essência é um opus deste. Queria também ainda referir a sua cover com laivos de reggae de 1991 de "Rocket Man", para o álbum "Two Rooms" de tributo às canções de Elton John e Bernie Taupin, porque foi ouvi a versão de Bush antes do original de Elton John.
N.º 5 (ex-aqueo) "Hounds Of Love" e "Cloudbusting": Eu não consegui deixar uma destas duas canções de fora pelo que optei antes por um empate. Curiosamente ambas são do mesmo álbum, "Hounds Of Love" de 1985. Depois de quatro álbuns entre 1978 e 1982 e dada a (então) fraca recepção do último álbum "The Dreaming", Bush retirou-se do olhares públicos durante três anos para regressar com este disco que viria a ser considerado o seu melhor álbum, bem como o mais bem-sucedido comercialmente. Na verdade, pode-se dizer que se trata de um disco 2-em-1: quatro das cinco faixas do lado A (incluindo estas duas) seriam os singles do álbum enquanto o lado B, intitulado "The Ninth Wave" era um conjunto conceptual de canções sobre alguém à deriva no mar.
A faixa-título "Hounds Of Love" é sobre o medo de se apaixonar, comparando essa sensação à de se ser perseguido por uma matilha de cães. Kate Bush costuma afirmar que a maioria das suas canções não são autobiográficas mas apetece pensar se ela experimentou este sentimento na sua relação da altura com o também músico Del Parker. O videoclip (realizado pela própria) era uma homenagem a Hitchcock (sobretudo ao filme "Os 39 Degraus). Em 2005, a banda rock britânica Futureheads fez uma versão de "Hounds Of Love", apresentando-a a uma nova geração. Outras versões incluem as das bandas australianas Frente! e The Church, dos 30 Seconds To Mars e de Patrick Wolf.
"Cloudbusting" foi inspirado na biografia de Peter Reich sobre o seu pai, o filósofo e psicanalista Wilhelm Reich, contando memórias de quando ambos usavam uma máquina para fazer chuva, de forma a manipular uma energia esotérica da atmosfera e da tristeza que Peter sentiu quando o seu pai foi preso. O videoclip era toda uma curta-metragem e chegou a ser exibido em cinemas no Reino Unido: nele, o actor Donald Sutherland fazia de Whilelm Reich e Kate Bush de Peter.
"Cloudbusting" viria a ganhar uma nova vida em 1992 quando foi samplado para o tema "Something Good" do grupo electro-pop Utah Saints (uma nova versão foi editada em 2008), que até incluía algumas cenas do videoclip original.
N.º 4 "Babooshka": O tema mais conhecido do álbum de 1980 "Never For Ever", "Babooshka" conta a história de uma mulher obcecada em testar a fidelidade do seu marido, enviando-lhe cartas assinadas sob o nome do título (Bush não sabia na altura que a palavra queria dizer "avó" em russo), e o marido vai ficando cativado por essa personagem, por ser tão semelhante à esposa quando era mais nova. A primeira vez que eu ouvi esta canção foi quando a RTP a utilizava na rubrica "Fora de Casa" e como então eu não dominava em inglês (e à semelhança do que Nuno Markl referiu na "Caderneta de Cromos") a ideia que eu tinha era a de que a canção era sobre uma mulher que estava a sempre a cair ou a ir contra móveis e que o refrão relatava o seu sofrimento: "Ai, ai! Catrapus! Catrapus! Catrapus! Catrapus! Ai, ai!". E o som de um vidro a partir-se que se ouve na recta final da canção parecia corroborar.
A canção também é marcante pelo seu videoclip, onde no refrão Kate Bush surge como uma sensual guerreira mitológica, quase uma Xena avant-la-lettre.
N.º 3 "This Woman's Work": Incluído no álbum "The Sensual World" de 1989, "This Woman's Work" já era uma canção conhecida pois no ano anterior fez parte da banda sonora do filme "She's Having A Baby" (título em Portugal: "A Vida Não Pode Esperar") de John Hughes e utilizada precisamente na cena do parto. Kate Bush compôs a canção a partir dessa cena já filmada e escreveu a letra do ponto de vista de um pai que assiste às dificuldades sofridas no parte por parte da mãe e do criança por nascer. (Só cerca de uma década mais tarde é que a própria Kate Bush passaria pela experiência de dar à luz, aquando do nascimento do seu filho Bertie em 1998, que viria a colaborar nos discos mais recentes da mãe e a terá encorajado a voltar aos concertos em 2014, quase 35 anos depois.) Algo despercebido durante a sua edição como segundo single do álbum, "This Woman's Work" viria com o tempo a ser uma das canções mais amadas de Kate Bush e um verdadeiro hino a todas mulheres que já foram mães e/ou ultrapassaram problemas de saúde. Em 1997, o cantor Maxwell gravou uma excelente versão para o seu concerto de MTV Unplugged e uma versão de estúdio foi incluída no seu álbum de 2001 "Now". Desde então ambas as versões têm sido utilizadas em vários programas de televisão. Recomendo a visualização de uma lindíssima coreografia da versão americana de "Achas Que Sabes Dançar" ao som da versão de Maxwell.
N.º 2 "Wuthering Heights": Este foi o single de estreia de Kate Bush e mais de quarenta anos depois, mantém-se como a sua canção mais emblemática. Como o nome indica, "Wuthering Heights" é sobre o famoso clássico da literatura "O Monte dos Vendavais" de Emily Bronte. Aos 18 anos, Bush viu uma adaptação do romance a uma minisérie da BBC e depois leu o livro, descobrindo que tal como ela, Emily Bronte nascera a 30 de Julho. Com a letra do ponto de vista da heroína (que também se chamava Catherine), a canção consegue ao longo dos quatro minutos resumir toda a essência da obra, da paixão ao negrume. "Wuthering Heights" atingiu o primeiro lugar do top britânico, provando que a EMI tinha ganho em apostar na jovem cantora/compositora. Foi também n.º 1 na Austrália, Irlanda, Itália e Nova Zelândia. Existem dois videoclips oficiais para a canção: um gravado em estúdio com Kate Bush interpretando a canção e a coreografia vestida de branco e outro gravado num bosque com Bush vestida de vermelho. Em 1986, Kate Bush regravou uma nova versão para o seu álbum best of de 1986 "The Whole Story" (e essa é a versão que tenho no meu leitor de mp3). Lembro-me de ouvir bastante esta canção na rádio nos anos 90, até porque foi amplamente utilizada em programas de televisão como "Cantigas da Rua", "Mini Chuva de Estrelas" e "Chuva de Estrelas" - aliás à quarta edição do programa foi ganha por Jessi Leal imitando Kate Bush nesta canção.
N.º 1 "Running Up That Hill (A Deal With God)": Sucede que a minha canção preferida de Kate Bush é também a primeira canção dela que eu me lembro de ouvir, mas foi só no final dos anos 90, quando comprei uma colectânea de músicas dos anos 80, que eu ouvi mais atentamente e desde então tornou-se a minha favorita dela.
O primeiro single de "Hounds Of Love", "Running Up That Hill" viria a tornar-se o maior sucesso de Kate Bush nos anos 80, atingindo o top 10 em vários países e sendo o single mais bem-sucedido nos Estados Unidos. A letra da canção afirma que um homem e uma mulher só se poderiam compreender verdadeiramente um ao outro se fizessem um acordo com Deus para trocarem temporariamente de corpos e perceberem realmente como é ser-se do outro sexo. O título original era aliás "A Deal With God", mas a editora estava receosa que uma canção com a palavra "God" no título fosse boicotada pelas rádios e Bush aceitou alterar o título. Mas em edições posteriores, a faixa tem o título original entre parêntesis.
Como a letra fala também em corrida e auto-superação, o tema também tem sido volta e meia utilizado em eventos desportivos, nomeadamente na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 2012. No momento entre a entrada dos atletas no estádio e o início da cerimónia das medalhas da maratona masculina, foi exibida uma nova versão regravada por Kate Bush de propósito para o evento, que posteriormente chegou ao n.º 6 do top britânico.
O respectivo videoclip é também um dos mais emblemáticos da sua carreira, no qual Bush dança com o bailarino Michael Hervieu e numa cena, os dois são separados por uma multidão de estranhos com máscaras com as caras de ambos.
Entre as várias versões de "Running Up That Hill", a mais conhecida é a dos Placebo de 2003. Recentemente descobri uma versão da cantora americana Meg Myers com um videoclip muito interessante. Recomendo também a audição de "Under The Ivy", o lado B do single.
Kate Bush em 2014, no seu regresso aos concertos |