Há dias, o David sugeriu uma nova rubrica para a "Enciclopédia de Cromos", com cada colaborador a elaborar um top 5 subordinado a um tema. E como se impõe pela época em que estamos, o primeiro top seria "As melhores prendas de Natal".
Se por um lado a ideia me agradou, por um lado foi-me difícil elaborar uma lista precisa dos presentes que mais gostei de receber nas primeiras duas décadas da minha vida. Sobretudo porque agora quando olho para essas memórias natalícias, mais do que quaisquer presentes que tenha recebido, recordo essencialmente outras coisas: as expectativas com a chegada das Férias de Natal, as festas de Natal na escola, a programação natalícia da RTP e dos primórdios das estações privadas, a comida e sobretudo a noite de consoada em que toda a família do meu lado materno se reunia em casa da minha Avó Ana, que celebrava o seu aniversário na véspera de Natal. Tal não quer dizer que eu não desse importância aos presentes que eu iria receber, eu era tão materialista como qualquer outro miúdo e cobiçava quase tudo o que via nos blocos publicitários da televisão, mas em retrospectiva, outras memórias acabaram por vingar.
Outro facto importante para tal é que frequentemente já sabia o que iria receber, inclusivamente estava presente na loja quando os meus pais ou os meus tios compravam aquilo que lhes tinha pedido para o Natal (sem que isso diminuísse a expectativa de desembrulhá-los na hora H). Por isso, não era costume receber algo de que não estivesse à espera. Por essas e por outras é que nunca acreditei no Pai Natal.
Por isso, resolvi elaborar um top 5 um pouco mais abrangente, onde analiso cinco tipos de presentes que marcaram os meus Natais. Alguns melhores que outros, mas todos eles marcantes.
#5 Cuecas e Meias: Se há presente de Natal mais provável de receber em qualquer altura da vida, são cuecas e meias. É algo que tanto recebia em petiz como em adulto. Era certo e sabido que a par dos jogos, brinquedos e livros, também iria receber um belo lote de peúgas (incluindo as famosas meias com raquetes) ou uns pares de cuecas (primeiro slips e a partir da adolescência boxers).
O problema é que estes são sem dúvida os presentes de Natal menos excitantes. Quem é que pulava de alegria ao receber uma dúzia de meias com raquete ou cuecas compradas na feira? Aliás, por alturas do Natal de 1996 foi editada uma compilação de música portuguesa com o rotundo título de "Mais Valem 36 Músicas No Sapatinho Que Um Par De Peúgas".
Infelizmente nunca encontrei o respectivo anúncio na net, mas ficou na memória de muita gente: num cenário natalício uma rapariga recebe de uma senhora mais velha um presente elegantemente embrulhado. Enquanto ela o desembrulha, tocam excertos de algumas músicas da colectânea. Até que a rapariga descobre que a prenda são um pares de meias e com a cara mais macambúzia e no tom mais monocórdico, ela exclama "Obrigado, tia! A-do-rei!"
Mas apesar disso, por serem um presente relativamente barato e a que se dava uso todo o ano, não admira que continuem a fazer parte das prendas de toda a gente.
#4 Livros: Este é outro presente que se pode continuar a dar e receber ao longo dos Natais de uma vida, só variando o tipo de livro. Entre os livros que recebi no Natal, há que destacar os da incontornável colecção "Uma Aventura" e o livro "O Que É?" de capa amarela com um miúdo com um sextante, da mesma série do famoso livro "Porquê?". Foi através deste livro que aprendi muita coisa sobre temas como geologia, astronomia, desporto e ciência.
Mas houve um Natal em que um tio meu teve a ideia peregrina de me dar um livro da Anita. Lembro-me de pensar para mim quando o recebi onde é que o meu tio tinha a cabeça para ignorar essa regra de ouro de não dar livros da Anita a rapazes. Porém, a história desse volume, "Anita e a Prenda de Anos", será, creio eu, a mais dark da colecção, porque aí a geralmente exemplar Anita roubava uma boneca. A bem-dizer, ela esconde sem ninguém saber uma boneca que estava numa gaveta de um móvel que a mãe dela tinha encomendado de uma loja. Até havia uma parte em que Anita tinha um pesadelo em que as colegas a perseguiam e a chamavam de ladra. Claro que Anita acabava por se redimir e tudo acabava bem, mas foi refrescante para mim descobrir que nem tudo no universo da Anita era fofucho e irrepreensível.
#3 Discos: A partir da adolescência, nenhuma lista de Natal minha ficava completa sem receber CD ou cassetes. Mas ainda no tempo do vinil, no Natal de 1987, recordo-me da surpresa de chegar a casa da avó e a minha prima Maria João dizer-me que os pais dela tinham-me comprado um álbum dos Ministars, segundo aquilo que lhes tinha dito quando me perguntaram semanas antes no que eu queria (e que entretanto tinha-me esquecido de tal!)
Nos anos seguintes, era certo que, ou oferecido por alguém ou comprado com o dinheiro recebido, tinha mais uma compilação "Número 1" e uma colectânea de dance-music da Vidisco para juntar à colecção a cada Natal.
#2 Playmobil: De entre os meus brinquedos de infância, sem dúvida que os Playmobil têm um lugar de destaque e o Natal era sempre uma altura onde aumentava a minha colecção. Nunca tive os conjuntos mais proeminentes como o Barco de Piratas ou o Fort Randall: tirando um acampamento índio que vinha numa caixa grandinha, recebia quase sempre os conjuntos médios ou dos mais pequenos e baratuscos (como o clássico "homem das obras com uma pá"). Tive Playmobil dos variados temas - dos índios e dos cowboys, da guerra, dos piratas, dos polícias - mas os meus preferidos, talvez porque o primeiro conjunto que tive foi o de uma sala de aula com oito miúdos e porque me identificava mais com estes do que com os bonecos adultos, eram os relacionados com os bonecos de crianças, como os diferentes tipos de baloiços e mobiliários infantis. Sempre que surgia um no mercado, era certo que eu iria cravá-lo a alguém por alturas do Natal ou dos meus anos.
Os bonecos da Playmobil, sobretudo os mais pequenos, foram protagonistas de muitas brincadeiras: para formar grupos tipo Ministars, para recriar uns Jogos Sem Fronteiras nas escadas ou na casa de banho ou para inventar histórias dignas da colecção "Uma Aventura" ou da telenovela "Carrossel".
#1 Avanços da tecnologia: O meu Pai costumava aproveitar a altura das Festas para comprar ou renovar os electrodomésticos de entretenimento em casa. Por exemplo, o nosso videogravador veio para casa uns dias antes do réveillon 1989/1990. Tornámo-nos clientes da TV Cabo em Dezembro de 1997, com a instalação pronta mesmo a tempo das minhas Férias de Natal desse ano. E depois de meses de pedinchanço, no Natal de 1994 o meu Pai levou-me a uma loja no Entroncamento e me pediu para escolher uma aparelhagem dentro de um orçamento razoável. Como não havia nenhuma aparelhagem da Sony disponível dentro do budget, optei por uma da Grundig.
Mas o Natal de 1992 foi particularmente marcante nesse aspecto: foi-nos instalada uma antena parabólica e os senhores foram tão prestáveis ao ponto de me ajudarem a instalar uma consola (daquelas manhosas chinesas mas que tinha o Super Mario e o Tetris, entre outros) que os meus pais tinham-me oferecido uns meses antes e de sintonizarem a RTP 2 e a SIC nas nossas televisões, pondo fim a anos a fio que limitaram a minha infância à RTP 1, como já referi neste texto. A nossa casa passou então de ter apenas um canal de televisão disponível a umas boas dúzias deles.
E pronto aqui fica o meu top 5 de presentes de Natal. Será que alguns deles também fariam parte da vossa lista?
Embora tenha sido bom recordar tudo isto e de ainda gostar de receber prendas, a verdade é que desde há vários anos, mais ou menos desde que sou maior de idade, tenho dado mais importância às prendas que ofereço do que àquilo que eu recebo no Natal. Mas creio que isso também faz parte de crescer. Ou como já ouvi dizer, existem três fases da vida: acreditar no Pai Natal, não acreditar no Pai Natal e ser o Pai Natal.
Seja como for, desejo a todos os leitores, seguidores e amigos da Enciclopédia de Cromos um Natal o mais feliz possível.
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