sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Crime Na Pensão Estrelinha (1990/91)

por Paulo Neto

Para o final de 1990 e rumo à última década do século XX (e por coincidência, o ano em que completei um década de vida), o réveillon da RTP fez-se com um especial de humor de Herman José, "Crime Na Pensão Estrelinha", que ficaria como um dos pontos altos da sua obra e do humor nacional.
Depois dos diferendos devido à interrupção abrupta de "Humor de Perdição", Herman José regressou em força à RTP nesse ano de 1990, primeiro com a exibição de "Casino Royal" no início do ano e depois iniciando a sua apresentação de "A Roda da Sorte", conduzindo este célebre concurso ao longo de quatro anos como mais ninguém no mundo o fez. Pelo meio, também continuou activo na rádio com as suas crónicas na TSF.




"Crime Na Pensão Estrelinha" funcionava a dois níveis: por um lado, havia a história do tal crime do título e por outro havia todo um número de sketches e números musicais incluídos no programa que as personagens da história vêem pela televisão.



Lista de reprodução de "Crime Na Pensão Estrelinha" com 9 dos 10 capítulos do DVD, mais o extra "Na Pista do Crime":




Mas vamos à história: na Pensão Estrelinha, os hóspedes reúnem-se para celebrar a passagem de ano, enquanto na televisão transmite o programa "Adeus 90, Olá 91!", apresentado por Serafim Saudade.
No entanto para os hóspedes são poucas as razões para festejar já que são todos alvos de chantagem e humilhação do dono da pensão, o desprezível Neves (Canto e Castro), que todos o odeiam. Maria Estrelinha (Maria Vieira), a anterior dona da pensão que herdou do pai, não herdou porém o talento para gestão do seu progenitor e odeia o Neves porque a apanhou numa curva, e empréstimo puxa empréstimo, ficou ele dono da pensão e ela reduzida a uma espécie de governanta; Lelo (Vítor de Sousa), funcionário do banco Velha Rede, odeia o Neves porque este sabe do desfalque que ele deu no seu banco; a mulher de Lelo, Célia (Ana Bola), uma nortenha de Vila do Conde, odeia o Neves porque também caiu nas malhas financeiras dele, quando ficou sem capital para gerir a sua boutique e satisfazer a sua paixão por roupa chique; Preciosa (Lídia Franco), a esposa do Neves, odeia o marido porque mantém um caso com o filho deste; Lacerda (José Pedro Gomes), militante de esquerda odeia o Neves porque ele representa todos os males capitalistas que ele abomina; Tónia (Rita Blanco), uma dentista brasileira companheira de Lacerda, odeia o Neves mas muito disfarçadamente, "sacou?"; Lita Gomes (São José Lapa), actriz de teatro independente, famosa pela sua representação da Fedra num cenário em forma de sapato, cheia de tiradas dramáticas e sempre apertada de dinheiro odeia o Neves porque ele exige que ela pague "em géneros" as dívidas que ela tem na pensão; e Bruno (Nuno Melo), o jovem filho de Neves, odeia o pai porque sim.  
Como tal, todos se juntam para elaborar um plano para acabar com o Neves de uma vez por todas: deitar "discretamente" no flûte de champanhe do crápula uma boa dose de uma mistura fatal de bromopatasona, glimificatona e tranatanita. O plano resulta e o Neves bate as botas ao bater das doze badaladas. O detective Hércules Pirô (Herman José) é chamado à pensão para descobrir o enigma do crime. Será que ele vai descobrir o verdadeiro culpado? E será que, mesmo morto, o Neves ainda fica a rir?
Os diálogos eram pautados por vários trocadilhos como por exemplo aquele em que Estrelinha pergunta "Alguém quer um pedaço de quiche?" ao que Preciosa responde "Qui(s)che o destino que eu passasse este fim de ano em sofrimento!"



O programa também teve alguns momentos musicais, onde Herman José vestia um boneco semelhante ao intérprete original da música de que fazia uma versão, adaptada por Rosa Lobato Faria. O meu preferido é quando ele faz de uma cantora ao estilo Lena D'Água para cantar "Sempre Que O País Me Quiser" (versão de "Sempre Que O Amor Me Quiser") e no final vê-se aflita no meio de tanto fumo. Algumas dessas adaptações eram sobre os candidatos às eleições presidenciais de 1991: o já referido "Sempre Que O País Me Quiser" era sobre Basílio Horta, candidato do CDS; "Marinho Dos Olhos Doces" (versão de "Amélia dos Olhos Doces") era sobre (claro!) Mário Soares que viria a ser reeleito nesse sufrágio; "Apesar Do Tempo Frio" ( versão de "Porto Sentido") era sobre Carlos Carvalhas, o candidato do PCP; e apesar de não ter chegado formalmente a ser candidata, a deputada de "Os Verdes" Maria Santos teve direito a uma canção, uma versão de "Morena Morenita" mas não houve porém nenhuma canção para Carlos Marques, que foi candidato pela UDP.
As outras canções foram "As Velhinhas À Volta Da Braseira" (versão de "Os Meninos do Huambo"),
"Em Quem Eu Voto" (versão de "Nem Às Paredes Confesso"), "Oh Melgas Oh Melgas" (versão de "Oh Elvas Oh Elvas"), e uma versão de "Pelos Caminhos de Portugal".

Outros famosos sketches:

Entrevistas nas delegações da RTP no Porto com o incomparável José Estebes, na da Merdaleja com a não menos mítica Maximiana e na de Serpa, para uma entrevista à esteticienne Ivete Marise, preocupada com a doença das vacas loucas e  que volta e meia exclama: "Adérito, filho, volta que tás perdoado!". Ivete Marise regressaria no réveillon seguinte no Hermanias Fim De Ano como consultora sentimental.





Outra personagem que apareceu aqui (e que voltará no ano seguinte) é o jovem delinquente Zé Chunga com o seu bordão "A malta é jovem!"



"O Trevo da Morte", paródia de "O Trevo da Sorte", um dos muitos concursos exibidos na altura pela RTP. Mas n' "O Trevo da Morte", os concorrentes arriscavam-se a levar um tiro do apresentador se não soubessem as respostas às perguntas.



Felizberto Lalande, ou como o próprio diria "Fewisberto Wawande", o presidente da "Associação Daqueles Que Não Sabem Dizer os L's".



O emigrante português em Berlim que assistiu à reunificação da Alemanha e que mesmo sem ver a família há 15 anos, a sua mulher continua a ter filhos seus…



Rosa Lobato Faria promove o seu livro "Palincalunga e os 40 Catrapangalongos", advertindo que ao contrário do que diz na contracapa, as receitas das vendas não revertem a favor da UNICEF ("foi só um truque para vender mais") e que o livro contém vários erros ortográficos para que a leitura fique mais interessante.



Na altura, Filipa Vacondeus aparecia num espaço de culinária das manhãs da RTP onde executava pratos que se podiam fazer com sobras de outras comidas. Seguindo essa filosofia, Herman José encarnou Filipa Vasconcelos que faz um delicioso menu de fim de ano com as batatas que lhe sobraram: gaspacho de batata, chá com cascas de batata, postas de batata com puré de batata, hambúrguer de batata com batata frita e para sobremesa, mousse de batata. Desta vez nem sequer havia paprika!



De referir ainda o tema do genérico do programa, com um pé no tema da Pantera Cor-de-Rosa e outro no "Vogue" da Madonna, cuja versão instrumental também foi utilizada nos separadores da "Roda da Sorte".

Segundo o próprio, Herman José escreveu o programa em quatro dias (dois sábados e dois domingos). As gravações decorreram nos estúdios da RTP no Lumiar ao longo de três semanas. A realização foi de Fernando Ávila. Após a sua exibição no réveillon 1990/91, "Crime Na Pensão Estrelinha" foi reexibido na íntegra em Fevereiro de 1991 (a reposição em Janeiro desse ano foi interrompida pelos acontecimentos na Guerra do Golfo) e passou várias vezes na RTP Memória aquando do final do ano. Em 2007, o programa foi editado em DVD.




Genérico final com bloopers:



O agradecimento aos artigos do "Observador" e do "Brinca Brincando" sobre este programa.

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2 comentários:

  1. O Herman José no seu melhor! Quando era miúda, também víamos a Roda da Sorte religiosamente. E tenho pena que hoje em dia, não façam novamente esse concurso, em vez de certos programas que já não há paciência para ver...
    Feliz ano novo!

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