domingo, 23 de setembro de 2018

Rosa Mota campeã olímpica (1988)

por Paulo Neto






Atenas, 1982. Rosa Maria Correia dos Santos Mota é uma atleta determinada e batalhadora, já com bastantes barreiras quebradas. Desde problemas de asma e ciática a fazer orelhas moucas ao insultos que ouvia quando começou a competir, vinda de mentes tacanhas incapazes de aceitar a simples ideia de uma mulher praticar desporto. Mas aos 24 anos, ainda não tinha atingido o seu verdadeiro potencial. As provas de pista são-lhe demasiado curtas e limitadoras e as provas de estrada ainda não estão bem estabelecidas no panorama do atletismo feminino.

Mas eis que na capital grega, um porta se abre. Pela primeira vez numa grande competição, vai ter lugar uma maratona feminina. Algo que não deixa de ser extremamente ambicioso, até porque décadas antes acreditava-se que era impossível as mulheres correrem distâncias longas sem efeitos nocivos para a saúde e nos últimos Jogos Olímpicos, disputados dois anos antes, a prova mais longa do atletismo feminino foram os 1500m.
Depois de ter sido décima segunda nos 3000m, Rosa Mota decide tentar a sua sorte na maratona só para experimentar. O facto de ela nunca antes ter corrido mais de 20 quilómetros, nem mesmo em treino, é um mero detalhe. Mas para surpresa geral, é ela a primeira a cortar a meta no famoso Estádio Panteanaico. Já não restam dúvidas: a maratona é o espaço ideal para Rosa desabrochar e tornar-se uma lenda do desporto português e mundial. Das vinte e uma maratonas em que participará nos próximos dez anos, vencerá catorze delas. De permeio, também vencerá por seis vezes a célebre Corrida de São Silvestre em São Paulo.

Rosa Mota e José Pedrosa

Em 1983, venceu a maratona de Roterdão e foi quarta nos Campeonatos Mundiais em Helsínquia e no ano seguinte, foi terceira na primeira maratona olímpica feminina. Em 1984 venceu ainda a maratona de Chicago.
Chegamos a 1986 e Rosa Mota confirma-se como a maior maratonista do mundo: não só ganhou as maratonas em que participou como fê-lo por larga margem. Tanto o seu segundo título europeu em Estugarda como o triunfo na Maratona de Tóquio foram conquistados por mais de quatro minutos face às segundas classificadas. E em 1987, nos Campeonatos Mundiais em Roma, indiferente ao calor abrasador que se fazia sentir na Cidade Eterna, Rosa vence o título mundial com mais de sete minutos de vantagem sobre a soviética Zoya Ivanova.

Com tantos argumentos, Rosa Mota era a principal favorita ao título olímpico de Seul em 1988. Mas o seu percurso teve um inesperado obstáculo: em 1987, a Federação Portuguesa de Atletismo convocou-a para o Campeonato Mundial de Estrada no Mónaco, mas a atleta recusou participar, alegando que tal iria comprometer a sua preparação para a maratona olímpica em Seul.
Não aceitando as suas razões, a FPA manteve-a sobre alçada disciplinar e Rosa chegou a estar impedida de competir, ao ponto da atleta considerar passar a representar Macau. Foi preciso o caso chegar às altas instâncias nacionais, nomeadamente Mário Soares e Roberto Carneiro (então respectivamente Presidente da República e Ministro da Educação) para que o diferendo não impedisse Rosa Mota de ir a Seul por Portugal e assim perder a sua maior hipótese de obter uma medalha para as cores nacionais na Coreia do Sul. Porém o diferendo só ficaria definitivamente resolvido em 1990.




E assim Rosa Mota seguiu na comitiva portuguesa para Seul e foi uma das 69 atletas que no dia 23 de Setembro de 1988 se apresentaram na partida da segunda maratona olímpica feminina. Aos 30 quilómetros, apenas quatro atletas seguiam na frente: Rosa Mota, a australiana Lisa Martin, a leste-alemã Katrin Dörre e a soviética Tatyana Polovynska. Quatro quilómetros depois, Polovynska perdeu o contacto com a frente e tornou-se evidente que as medalhas iriam ser discutidas entre Rosa Mota, Martin e Dörre. Como a australiana e a alemã estavam relutantes em tomar a dianteira da prova, Rosa foi comandando e por volta dos 37km, num entendimento com José Pedrosa, o seu treinador e companheiro que entretanto surgiu de bicicleta, avançou para a estratégia final combinada por ambos: atacar na próxima subida e dar tudo até ao final. O golpe foi certeiro e Rosa Mota cortou a meta em primeiro lugar ao fim de 2 horas, 25 minutos e 40 segundos. Lisa Martin reagiu tarde ao ataque da portuguesa, conseguindo apenas garantir a medalha de prata e reduzir a sua desvantagem face a Rosa Mota para 13 segundos. Katrin Dörre ficou com a medalha de bronze enquanto Polovynska foi quarta a um centésimo da chinesa Zhao Youfeng.





Quatro anos depois do triunfo de Carlos Lopes em Los Angeles, "A Portuguesa" voltava a tocar em solo olímpico e a bandeira portuguesa subia ao poste mais alto de um pódio olímpico da maratona. 1990 foi o último grande ano de Rosa Mota onde não só conquistou o seu terceiro título europeu em Split (Jugoslávia) como venceu pela terceira vez em Boston, tendo também sido primeira em Osaka. Em 1991, abandonou a prova nos Campeonatos do Mundo de Tóquio mas venceu a maratona de Londres. Ainda existiam esperanças que pudesse obter a sua terceira medalha olímpica em 1992, mas desmotivada pela sua desistência da maratona de Londres desse ano e condicionada por uma lesão, acabou não só por não ir a Barcelona como também por terminar a carreira.


Desde então, Rosa Mota tem-se dedicado às causa desportivas e assumindo com bonomia o seu estatuto de lenda viva do desporto nacional. Já tive a honra de a encontrar em pessoa algumas vezes e revelou ser uma pessoa extremamente acessível e terra-a-terra.
Em 1995, foi eleita para Assembleia da República nas listas do PS para os círculos emigrantes. Desde 2013 é vice-presidente do Comité Olímpico de Portugal. O mundo do desporto internacional também não esquece os seus grandes feitos e Rosa Mota tem sido alvo de várias homenagens um pouco por todo o mundo. Por exemplo a Grécia não esquece a sua vitória nos Europeus de 1982 e já foi por duas vezes convidada a transportar a chama olímpica naquele país: em 2004 em Atenas, que acolhia os Jogos Olímpicos desse ano, e em 2016 na cidade de Maratona.
Em 2012, a Associação Internacional de Maratonas e Corridas de Longa Distância elegeu-a como a maior maratonista feminina de todos os tempos.

Rosa Mota na cidade de Maratona
com a tocha olímpica dos Jogos Olímpicos de 2016



Rosa Mota comenta a sua vitória em Seul: 




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