O povo português sempre apreciou os ritmos latinos, mas a verdade é que no início dos anos 90, ainda era pouca a música da América Latina (que não brasileira) que chegava até cá. Mas em 1991, ainda República Dominicana não era o concorrido destino de férias dos portugueses que é hoje, este país enviou-nos um hit que conquistou tudo e todos. E ainda por cima, da autoria de um membro da realeza da música latina, considerado o "rei do merengue".
Juan Luis Guerra nasceu em Santo Domingo a 7 de Junho de 1957. Começou na música ao formar a banda 4.40 com a qual lançou o primeiro álbum em 1984. O que pretendia ser um projecto mais virado para o jazz acabou por se dedicar mais ao merengue e a outros estilos de música latina. Chegados a finais do ano 1990, por altura do lançamento do quinto álbum "Bachata Rosa", Guerra e os 4.40 já tinham obtido algum reconhecimento internacional mas seria este disco que lhes daria a consagração global.
Como o próprio nome indica, o género dominante do disco é a bachata, um tipo de música que teve origem nas zonas rurais dominicanas e que durante tempo era mal visto socialmente devido à sua linguagem de classe baixa e à vulgaridade dos temas. Ao colaborar num disco da cantora Sonia Silvestre, uma das principais intérpretes do género, Guerra interessou-se pela bachata, recuperando-a para uma maior aceitação social e cultural. Aliás, o título "Bachata rosa" pressupunha uma abordagem mais "cor-de-rosa" e menos vulgar da bachata.´
"Burbujas De Amor" foi o terceiro single do álbum e a simples combinação de acordes românticos e da interpretação sentida de Juan Luis Guerra foi suficiente para se tornar o grande hit do disco e ainda hoje o maior da sua carreira, pois tinha todos os ingredientes para uma romântica dança a dois, de preferência bem agarradinhos. Ainda para mais, o tema chegou à Europa no Verão de 1991, mesmo pronto para ser a banda sonora dos romances estivais desse ano, principalmente em Espanha, Portugal e Holanda, os países europeus onde o tema e o respectivo álbum tiveram mais sucesso. E não tardou até que os tugas trauteassem a canção arranhando no seu melhor portunhol: "Tenho um corazón..." E foi com esta canção que aprendi que peixe em castelhano é "pez", como a marca dos doces que saem de doseadores com figuras de bonecos animados.
Só anos mais tarde é que percebi a conotação sexual do refrão "Quisiera ser un pez, para tocar mi nariz en tu pecera y hacer borbujas por donde quiera. Oh! Pasar la noche en vela, mojado en ti.", sobretudo quando se sabe o que se deve entender com a "pecera" (o aquário) da sua amada. Enquanto nas estrofes Juan Luis Guerra lamenta quase em choradinho o quanto o seu coração sofre de amor pela sua amada, no refrão, conclui-se que afinal esse sofrimento advém em grande parte do facto não poder praticar rebaldaria com ela (não se sabe se é por ela não por estar perto ou se por ela não lhe corresponder aos sentimentos). Além disso, a letra de "Burbujas De Amor" foi inspirada pelo poema "Livro de Perguntas" de Pablo Neruda e é sabido que o grande poeta chileno não se fazia rogado quanto a metáforas marotas.
Igualmente inesquecível é o videoclip em que dois bailarinos dançam à chuva em plena rua e Guerra canta abrigado a um canto. Tanto o single como o álbum "Bachata Rosa" chegaram ao primeiro lugar do top nacional. O álbum vendeu cinco milhões de cópias e deu a Juan Luis Guerra o seu primeiro Grammy, para Melhor Álbum Tropical Latino. Além de "Borbujas De Amor", o single seguinte "A Pedir Su Mano" (que era uma versão de um tema originário da República Centro-Africana!) e a faixa que dava nome ao álbum anterior, "Ojalá Que Llueva Café" de 1989, entretanto reeditado em Portugal, também tiveram algum sucesso por cá.
"A Pedir Su Mano"
"Ojalá Que Llueva Café"
Juan Luis Guerra também gravou uma versão em português de "Bachata Rosa", intitulado "Romance Rosa" para o mercado brasileiro. Mas para além do próprio, vários artistas também gravaram uma versão portuguesa de "Burbujas De Amor", sendo a mais conhecida a de Fagner. No entanto, há que dizer a canção não soa tão bem em português. Não é nada a mesma coisa dizer "Quem der ser um PEICHI..."
Mas aquela que é para mim versão brasileira de "Burbujas De Amor" é aquela gravada em 1992 por Jorge Luís, um brasileiro radicado no nosso país, e que nesse ano foi campeão de vendas das cassetes de feira e de estações de serviço com um álbum que reunia versões de conhecidos temas de artistas brasileiros como Leandro & Leonardo, como "Pense Em Mim" e o hino a todas as relações amor-ódio "Paz Na Cama" com o seu mítico refrão: "E se de dia a gente briga, à noite a gente se ama, é que nossas diferença se acabam no quarto em cima da cama." O meu pai tinha essa cassete do Jorge Luís no carro e fez parte da banda sonora das nossas férias em família na Quarteira no Verão de 1992. Quanto a Jorge Luís, eu nunca mais se soube dele. Será que ainda anda por cá?
Disco "Paz Na Cama" de Jorge Luís (versão de "Borbulhas de Amor aos 34:30)
"Burbujas De Amor" inspirou ainda dois momentos do humor nacional. Um deles foi uma das canções interpretadas por Herman José no "Hermanias Especial Fim De Ano 1991/92". Como um dos temas do ano de 1991 foi a extrema poluição verificada em vários rios portugueses, o Tony Silva cantava que queria ser um peixe para rebolar nas águas poluídas terminando o refrão com um rotundo "cagado em ti". Outro foi na "Gala dos Bigodes de Ouro", um especial da RTP para o Carnaval de 1992 da autoria de Fernando Pereira, onde este imitou Juan Luis Guerra num videoclip a simular que estava no fundo do mar, onde até nem faltava um bacalhau, levando-se a queixar no seu discurso que no país dele, havia excesso de produtos portugueses. (É claro que anos mais tarde, o produto português mais presente na República Dominicana eram os turistas.)
Mesmo sem o auge de sucesso de "Bachata Rosa", Juan Luis Guerra mantém uma carreira bastante activa e próspera. Já vendeu mais de 30 milhões de discos, ganhou 18 Grammys Latinos e 2 Grammys "normais". O seu mais recente álbum "Todo Tiene De Su Hora" é de 2014.
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