segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Tal Canal (1983-84)

por Paulo Neto



"O Tal Canal" é o melhor programa de sempre da televisão portuguesa. A sério. Foi o que ditou uma votação promovida pelo Diário de Notícias, a revista Time Out e as Produções Fictícias em 2007, com os portugueses a darem mais votos ao programa que elevou Herman José ao posto de maior humorista nacional onde permaneceu anos a fio. Votações como esta valem aquilo que valem mas a verdade é que esse pesado título não fica mal entregue a "O Tal Canal", que foi um dos primeiros programas (sem ser desenhos animados) que me lembro de acompanhar com regularidade.  

Escrito por Herman José, António Avelar Pinho (este senhor estava em todas!), Tozé Brito e António Tavares Teles e realizado por Nuno Teixeira, o programa foi a grande novidade na rentrée televisiva de 1983. Foram exibidos doze episódios entre Outubro de 1983 e Janeiro de 1984. Além do Herman, o elenco incluía Helena Isabel, Lídia Franco, Manuel Cavaco, Margarida Carpinteiro, Natália de Sousa e Vítor de Sousa.

O elenco de "O Tal Canal" nas suas personagens da telenovela "O Diário de Marilú"

Tratava-se de um novo canal de televisão, cujo dono e director era o Professor Doutor Oliveira Casca que oferecia aos portugueses, nove anos antes do aparecimento das privadas, uma programação alternativa à RTP1 e à RTP 2. E só o genérico em rap (e que proporcionava um trocadilho badalhoco com o título do programa) era sinal que estávamos perante algo bem inovador.



No início de cada emissão, uma locutora de continuidade (Helena Isabel) recebia os telespectadores e indicava quais os programas que teríamos oportunidade de assistir. Eis uma lista:

- "O Esférico Rolando Sobre a Relva": onde Herman introduziu o emblemático José Estebes e onde apareceram alguns dos jogadores mais famosos da altura como Diamantino, Jordão e até o Eusébio himself.
- "Informação 3": bloco noticiário conduzido por Carlos Filinto Botelho, Beleza de Sousa , Flávio Portugal e Manuel Freio sempre com uma ficha técnica sui generis.
- "Momento Infantil": programa de pedagogia infantil onde o pequeno Nelito põe a Dra. Palmira Peres de cabeça em água.
- "Cozinho para o Povo": programa de culinária apresentado por Filipa de Melo e Castro Bragança Sousa Dias e a sua serviçal Emília onde preparam pratos com imensa paprika. O episódio mais famoso é aquele em  que Filipa e Emília terminam a atirar panquecas contra a parede.
- "Tempo dos Mais Velhos": programa para os jovens com mais de setenta anos. (Paródia de "Tempo dos Mais Novos")
- "Estamos Nesta": magazine musical para novos valores musicais como Tozé, o líder da banda rock Creolina  com o hit "Socorro, Tirem-me da Garagem!" (Paródia de "Estamos Nessa")
-  "Jaquina, Jaquina, Jaquina": magazine de moda onde Jaquina, modista emigrada em França, mostra a Jaquina-doméstica e Jaquina-assalariada rural peças da sua colecção "Crise '84 (quatre-vingts-quatre)". (Paródia de "Maria Maria Maria")
- "O Tal Rural": com o Engenheiro Sousa Viscoso. (Paródia de "TV Rural")
- "Tony Silva Show": com o sucesso no "Passeio dos alegres", o "el creador de toda a música ró" ganhou o seu próprio programa onde recebia estrelas das música como Sérgio Godinho, José Cid, Heróis do Mar e as Doce e onde a sua assistente/coelhinha indicava com cartazes como é que a plateia devia reagir.
- e last but not least, a telenovela "O Diário de Marilú": onde pudemos acompanhar os tormentos da personagem-título como sofredora criada da "Condensa" da Penha de França (a do bordão "Não me chame condensa que me põe tensa!"). Embora (aparentemente) apaixonada pelo professor de francês John Smith, ela não se coibia de alguns contactos próximos com a filha da "Condensa", Cilinha, de quem é amiga e confidente. Por sua vez, Cilinha ama o másculo jardineiro Inácio, sem imaginar que ele é amante da sua mãe. E Marilú nem sonha que o terrível Fabricius tem um plano maquiavélico para a matar, com a cumplicidade de espia Maria do Céu e da capelista Graciete, ambas suas amantes... No último episódio, vem-se a saber que Marilú é afinal Augusto, que se transvestira para se aproximar de Cilinha, a sua paixão de infância. E num bom velho happy ending, Augusto e Cilinha casam-se e são felizes para sempre. (Ou será que Fabricius levou finalmente a sua avante?)

Jaquina e a sua colecção "Crise quatre-vingts-quatre"

A Dona Palmira explicando os psitacismos do Nelito

José Estebes e o seu "Esférico rolando sobre a relva"

Filipa de Melo e Castro de Bragança Sousa Dias e Emília em "Cozinho para o povo"

Carlos Flinto Botelho em "Informação 3"

Sérgio Godinho, convidado no Tony Silva Show


Pelo meio, havia hilariantes anúncios, alguns parodiando os anúncios mais populares da época, outros anunciando fantásticos produtos como o limpa-sanitas Antrax (com sabor a laranja) ou os pensos Vilaças para a tosse. Mas aquele que eu guardei sempre na memória foi o anúncio dos sabonetes Flávio, onde uma Lídia Franco, de olhos vendados, devora um sabonete que confunde com um pastel de bacalhau.

Com uma boa dose de humor nonsense, "O Tal Canal" marcou o seu tempo ao distanciar-se do humor televisivo que se fazia então, baseado no teatro de revista. Por vezes, os sketches praticavam autênticos exercícios de autodesconstrução como por exemplo, um sketch do "Informação 3" que termina logo depois de ter começado. Além de ter elevado o Herman a génio do humor nacional, o legado do "Tal Canal" foi de tal modo marcante que o programa chegou a ser reposto em horário nobre em 1997 e, como foi referido ao início, ter sido eleito o melhor programa de sempre da televisão portuguesa numa votação pública em 2007.
Em 2008, por ocasião do 25.º aniversário, a série foi finalmente editada em DVD, que vim a adquirir dois anos depois. O programa ainda hoje mantém muito do seu humor bem conservado. E apesar de também beneficiar do efeito "cápsula do tempo dos anos 80", a verdade é que certas piadas sobre a crise que Portugal atravessava em 1983 soam bem actuais em 2012...Dá a ideia que quanto mais as coisas mudam, mais as coisas ficam na mesma.


Apesar do sucesso de "O Tal Canal" ter sido indiscutível, Herman José tem sido categórico em afirmar que o projecto tinha sido rejeitado ou amplamente editado (leia-se "censurado") pela direcção da RTP, e só com a mudança do poder político e a entrada de José Niza para director de programas é que o programa pôde ser concretizado. Mas Herman confessaria que toda a escrita e elaboração do programa fora um processo tão extenuante que, apesar de pedidos da RTP e do público para uma segunda série, ele preferiu não dar continuidade e optou por um projecto menos elaborado, que viria a ser o "Hermanias".

Cromo da "Caderneta de Cromos" de Nuno Markl  sobre "O Tal Canal", com a participação de Herman José: (n.º 604, 8.4.2011)        

Alguns episódios:







  


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6 comentários:

  1. Paulo, isto também era dos meus favoritos! O anúncio do limpa-sanitas(com sabor a laranja)foi das coisas que me ficou marcada na memória para sempre! :D

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  2. Em jeito de convite: https://www.facebook.com/pages/Nat%C3%A1lia-de-Sousa/360650137288821

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  3. O Melhor Programa de Sempre do Herman José, que também acompanhei há pouco tempo na RTP/Memória. Trata-se de um programa verdadeiramente hilariante, e que chegou a ser alvo de censuras da parte dos reaccionários da RTP, pois nessa altura, o fascismo ainda reinava na estação oficial da TV.
    Provavelmente, hoje já não existirão tão facilmente programas como este na nossa TV dos dias de hoje.

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    Respostas
    1. Não é o meu preferido, mas deve estar em 2º lugar :)
      Infelizmente, nos últimos anos ainda se tem sentido esse tentáculo reaccionário na RTP, mas mais na Informação....

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    2. Tudo bem, caro amigo, e gostos não se discutem.
      Em parte é verdade que o tentáculo reaccionário da RTP ainda se tem descoberto, e parte dela está ainda na Informação. Um exemplo é a omissão de notícias que são sómente divulgadas na TVI ou na SIC, ou noutras emissoras privadas. Mas a nova direcção do Paulo Dentinho tem feito imenso, e nada pouco por sinal, para tentar ocultar esse mesmo tentáculo.
      Mais tarde ou mais cedo os ideais dos reaccionários da RTP desaparecerão, pois como diz o povo: «Não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe».

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