Embora alguns programas já tivessem sido filmados a cor, quer para transmissão internacional (como a primeira edição dos Jogos Sem Fronteiras em Portugal, em 1979 na Praça de Touros de Cascais) quer a título experimental (por exemplo, a peça "A Maluquinha de Arroios"), foi apenas a 7 de Março de 1980 que a RTP passou a transmitir a cores, tal como sucedia há algum tempo em quase todo o Mundo Ocidental (e não só), ou não fosse Portugal por excelência o país do "tarda mas não falta".
Nesse dia, a RTP comemorava 23 anos de emissões e claro que não havia melhor ocasião para comemorar o início das transmissões a cor do que com uma das jóias da coroa da RTP, o Festival da Canção. Que a bem dizer, tratava-se de uma final, já que tal como no ano anterior, em 1980 o Festival da Canção teve três semifinais e uma final.
Em cada uma das semifinais que se realizaram no Teatro Villaret, nove canções actuaram perante um júri composto por Filipe de Brito, João David Nunes, Luís Villas-Boas, Pedro Bandeira Freire e Simone de Oliveira. Cada membro do júri pontuava cada canção de 1 a 5 e as três canções mais votadas da semifinal avançariam para a final no Teatro São Luís. Aliás, na final, as canções mantiveram o seu número da semifinal, actuando por essa ordem numérica.
Entre os eliminados nesta primeira fase contaram-se nomes como Lena D'Água ("Olá Cegarrega"), Helena Isabel ("Um Abraço Mais Nada"), Duo Sarabanda, composto por Armando Gama e Cris Kopke ("Made In Portugal"), Rosa do Canto ("Música Suave"), o quarteto all-star As Alegres Comadres composto por Ana Bola, Helena Isabel e as irmãs Adelaide e Mila Ferreira ("Alegria Em Mi Maior"), Lara Li ("E Um Pouco Mais"), Samuel ("Que Ninguém Te Dê Nome"), Carlos Paião ("Amigos Eu Voltei), Alexandra e António Sala ("Uma Razão de Ser") e Carlos Alberto Vidal ("Um Girassol No Olhar").
A final no Teatro São Luiz foi apresentada por Ana Zanatti e Eládio Clímaco e teve como convidadas especiais o grupo brasileiro As Frenéticas, conhecidas na altura por cantarem o tema de abertura da telenovela "Dancin' Days" então a ser exibida na RTP. Nem de propósito, a actuação d'As Frenéticas foi ideal para inaugurar as transmissões a cor da RTP, já que havia palavra para descrever a actuação é "colorida". E alguns dos elementos do grupo envergavam algumas das indumentárias mais reduzidas que foram vistas na televisão portuguesa até então.
E agora vamos analisar as canções por ordem inversa à classificação. O júri de cada distrito pontuou cinco canções com 5, 4, 3, 2 e 1 ponto consoante a sua preferência, ficando as restantes quatro sem pontos.
Zélia Rodrigues |
Em último lugar com apenas 2 pontos ficou a canção n.º 25 (a oitava a actuar na final) "Agosto Em Lisboa" interpretada por Zélia Rodrigues. Curiosamente, não recebeu nenhum ponto do júri de Lisboa, apenas um de Aveiro e outro de Braga. O look com que ela se apresentou em palco foi certamente inspirado por Bo Derek no filme "10 - Uma Mulher de Sonho" de 1979.
Zélia Rodrigues iniciou a sua carreira em Angola ainda antes de 1974. A sua canção teve letra do famoso jornalista e poeta Mário Contumélias e música do casal Manuel José e Isabel Soares que também subiram ao palco nessa noite como intérpretes (no caso dele mais que uma vez). Zélia Rodrigues também participou nos Festivais da Canção de 1981 com "Tu Foste O Mar" e de 1984 com "Tricot de Cheiros".
Dina |
Infelizmente, a cantora Ondina Veloso, conhecida apenas por Dina, deixou-nos em 2019 aos 62 anos. Aqui em 1980, a cantora natural de Carregal do Sal dava os primeiros passos na carreira e defendia a canção n.º 10 "Guardado Em Mim" que embora se tenha ficado pelo penúltimo lugar com 5 pontos, valeu-lhe o Prémio Revelação. Em 1982, ano em que lança o seu álbum de estreia "Dinamite", cantou duas das canções do Festival da Canção desse ano. Mas claro está, a glória festivaleira viria em 1992 quando venceu o Festival e representou Portugal na Eurovisão desse ano na Suécia com o incontornável "Amor de Água Fresca".
Manuel José Soares |
Manuel José Soares (1948-2013) foi um veterano do Festival da Canção, participando muitas vezes, entre autor, compositor, solista e membro dos grupos Duo Orpheu e Bric-A-Brac, sem nunca ter ganho. No Festival da Canção de 1980, subiu duas vezes ao palco da grande final. A sua actuação a solo foi com a canção n.º 8 "Concerto Maior" que ficou em sétimo lugar com dez pontos, o que não foi mau já que foi a canção que passou à final com a menor pontuação nas semifinais . Tal como a canção de Zélia Rodrigues, esta também era uma composição da autoria do próprio com letra de Mário Contumélias. Foi também em 1980 que Manuel José Soares lançou o seu único álbum a solo.
O Quarteto Música Em Si que defendeu a canção n.º 27, "Esta Página Em Branco", era composto por António Branco, Gustavo Sequeira, Luís Freitas e Carlos Saborida (falecido em 2014) e a canção era da autoria dos dois primeiros. António Branco é sobrinho de José Mário Branco, o autor dos arranjos desta canção que ficou em sexto lugar com 24 pontos. António Branco participaria a solo no Festival do ano seguinte com "Tanto E Tão Pouco" enquanto Gustavo Sequeira, além de participar nos Festivais de 1985 e 1991 (em parceria com Tó Leal), destacar-se-ia sobretudo por dar voz a famosos jingles publicitários como "Selvagem, uma dentada em Lion" e "Gilette, o melhor para o homem".
Bric-A-Brac |
O grupo Bric-A-Brac, então formada pelo casal Manuel José e Isabel Soares, Jorge Barroso e Paula Carreira, teve neste ano a segunda das suas quatro participações no Festival da Canção. Nas semifinais, a sua canção "Música Portuguesa", com forte recorte disco-sound em arranjos de Shegundo Galarza, foi a que teve a maior pontuação (22 pontos em 25 possíveis) mas na final ficar-se-ia pelo quinto lugar com quarenta pontos. Nesse ano de 1980, os Bric-A-Brac editariam um álbum com uma medley de várias canções do Festival, não só de todas as vencedoras até então mas outras popularizadas pelo certame como "Canção de Madrugar", "Cavalo À Solta" e "Rita Rita Limão".
S.AR.L. |
No Festival de 1979, o grupo S.A.R.L deu nas vistas com uma original actuação da sua canção "Uma Canção Comercial" e agora voltavam à carga com a canção n.º 9 "Self Made Man", vencedora da primeira semifinal, que ficou em quarto lugar com 44 pontos. Face a 1979, a única alteração da formação em palco foi a de Helena Isabel no lugar de Maria do Amparo, mantendo-se Carlos Alberto Moniz, Pedro Osório, Samuel Quedas, Madalena Leal e Joana Mendes. Com arranjos de Pedro Osório e direcção de Jorge Machado, "Self Made Man", cuja letra permanece actual, recebeu o prémio de Melhor Orquestração. Os S.A.R.L. voltariam ao Festival da Canção uma última vez em 1982, agora apenas com os membros masculinos.
Madi |
Aquando da morte do seu intérprete em 2015, o David Martins já aqui falou no blogue sobre a canção n.º 4 (a primeira a actuar), "Lição de Português". O sul-africano Madi Nelson era conhecido dos portugueses pela dupla que formou com o moçambicano Sérgio Wonder, Sérgio & Madi (com ambos a terem também uma carreira paralela a solo). Como um dos raríssimos intérpretes do Festival da Canção que não tinham o português como a sua língua materna, a sua canção, que ficou em terceiro lugar com 45 pontos, falava precisamente de alguém vai aprendendo o nosso idioma ao mesmo tempo que se vai apaixonando por uma portuguesa. No coro estavam duas cantoras que tinham participado nas semifinais e que não tardariam a se afirmar nos anos vindouros: Lena D'Água e Lara Li. De ainda referir que a letra era de António Sala e a música de Luís Pedro Fonseca. Madi participou nas eliminatórias do Festival da Canção de 1993 com "Fantasia" mas não se apurou para a final.
Doce |
Com o respectivo filme bio-pic "Bem Bom" actualmente a ser feito, recentemente os media nacionais têm revisitado a carreira das Doce, a nossa mais famosa girl band e um caso ímpar de sucesso na música portuguesa. Fátima, Lena, Teresa e Laura tinham já um enorme hit com o single de estreia "Amanhã de Manhã" e esta participação no Festival da Canção com o tema homónimo do grupo ajudou a consolidar o sucesso que estenderia até ao fim do grupo em 1986. "Doce" (a canção n.º 15), da autoria dos irmãos Tozé e Pedro Brito, ficou num honroso segundo lugar com 68 pontos e nesse ano, sai o primeiro LP, "OK, KO". Claro está, esta seria a primeira de quatro participações das Doce no Festival da Canção, com a vitória a surgir na terceira em 1982 com "Bem Bom".
Mas nesse ano, a vitória foi assaz concludente, com a canção n.º 19, "Um Grande, Grande Amor" de José Cid, a arrecadar 92 pontos, mais 24 que as Doce. Apesar de ter vencido a terceira semifinal, tinha sido a terceira canção mais pontuada das semifinais, atrás de "Música Portuguesa" e "Guardado Em Mim". Depois de várias participações no Festival da Canção desde 1968, entre temas a solo e com os Green Windows, a vitória por fim sorriu a José Cid. Mesmo numa carreira recheada de hits, "Um Grande, Grande Amor" tornou-se um dos temas essenciais da carreira de José Cid deixando para a posteridade o refrão poliglota "Adio, adieu, auf wiedersehen, goodbye/Amore, amour, mein liebe, love of my life".
Refrão poliglota esse que arrancava a versão que foi apresentada no Festival da Eurovisão desse ano em Haia nos Países Baixos (no Festival da Canção, começava com o primeiro verso), talvez um dos factores que contribuíram para o sétimo lugar entre 19 países, que permanece como terceiro melhor resultado de sempre de Portugal no Festival da Eurovisão, apenas superado pela vitória de Salvador Sobral em 2017 e o sexto lugar de Lúcia Moniz em 1996.
Actuação no Festival da Eurovisão de 1980:
Videoclip:
Para terminar um agradecimento especial ao site Festivais da Canção e a Jorge Mangarrinha e João Carlos Callixto, autores do livro "Portugal, 12 Points".
Se gostou, Partilhe: »»
|
Tweet | Save on Delicious |
Sem comentários:
Enviar um comentário