quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O Diário Da Nossa Paixão (2004)

por Paulo Neto

Toda a década tem o seu grande filme romântico de amour fou ao estilo de Romeu e Julieta, onde dois jovens se apaixonam tão perdidamente que vão contra os seus pais e/ou as convenções da sociedade, numa fuga que quase inevitavelmente termina em tragédia. Nos anos 70, houve "Love Story" de 1970, mas que só foi exibido em Portugal depois do 25 de Abril, a tocar bem fundo aos jovens casais apaixonados da altura (incluindo os meus pais), que se viam livres para sonhar um amor tão arrebatador aos novos ventos da liberdade. Nos anos 80, alguns dirão "Endless Love - Um Amor Infinito" (1981) com uma lindíssima Brooke Shields recém-saída d' "A Lagoa Azul" onde um amor adolescente acaba mesmo por ultrapassar as fronteiras da sanidade mental (e nem de propósito, o filme foi realizado por Franco Zefirelli, autor da mais aclamada adaptação cinematográfica de "Romeu & Julieta") - alguns estarão mais familiarizados com o remake de 2014 - mas como nunca vi esse filme, pessoalmente eu apontaria antes "Fogo Com Fogo" (1986). Nos anos 90, a época da minha adolescência, não haverá maior referência do que "Titanic" com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet não só a lutarem pelo seu amor mas também pela sobrevivência.





E para a primeira década do século XXI, a piéce de résistance do filme romântico de amour fou é "O Diário Da Nossa Paixão", filme de 2004 realizado por Nick Cassavettes e protagonizado por Ryan Gosling e Rachel McAdams, a partir do romance bestseller de Nicholas Sparks, editado em 1996. Já falei aqui de "As Palavras Que Nunca Te Direi" (1999), a primeira adaptação cinematográfica de um livro de Sparks. Esta era a terceira, havendo entre ambas "Um Amor Para Recordar" (2002), adaptado de "Um Momento Inesquecível" (a única vez que os títulos em Portugal do livro de Sparks e respectivo filme são diferentes) com Mandy Moore e Shane West. 

A história é bem conhecida: num lar de terceira idade, um idoso que se diz chamar Duke (James Garner) faz companhia a uma senhora que sofre de Alzheimer (Gena Rowlands), narrando-lhe uma história de amor passada nos anos 40 entre uma jovem da alta sociedade e um rapaz humilde da classe operária. Uma história que rapidamente se vem a saber que é a deles os dois, embora ela não se lembre e ele não lhe diga.



Em 1940, na Carolina do Sul,  Noah Calhoun (Gosling) é um jovem operário que se interessa por Allie Hamilton (McAdams) uma rapariga da elite de Charleston e recorre a uma manobra quase literalmente suicida para a convencer a sair com ele. Apesar do início atribulado, o amor nasce imediatamente entre ambos e o romance floresce ao longo do Verão. Mas Anne (Joan Allen), a mãe de Allie, não vê com bons olhos que a filha namore com um rapaz pobre e trata de terminar a relação convencendo o marido (David Thornton) a voltarem para Charleston, deixando Allie e Noah destroçados.





Decepcionado por ela não responder a nenhuma das cartas que ele escreveu cada dia durante um ano, Noah decide seguir com a vida e alista-se para combater na Segunda Guerra Mundial, onde perde o seu melhor amigo Fin (Kevin Connolly). Em 1948, com a herança do seu falecido pai Frank (Sam Sheppard), Noah reconstruiu a casa abandonada com a qual sonhava viver com Allie e tem uma relação casual com Martha Shaw (Jamie Brown), uma viúva de guerra. Por seu turno, Allie está noiva de Lon Hammond Jr. (James Marsden) um encantador e rico advogado que conheceu quando ela ajudava a tratar os feridos da guerra. Quando os dois se reencontram, um passeio de caiaque pelo rio e uma violenta tempestade reacende ainda mais a paixão que julgavam extinta. Allie terá então de escolher entre Noah e Lon, e inesperadamente a sua mãe dará uma ajuda na sua decisão.




De volta ao lar de idosos, a Allie septuagenária reconhece brevemente Noah mas com a Alzheimer dela e os problemas cardíacos dele, a história de amor dos dois parece chegar ao fim. Ou será que não?

Eu já tinha lido o livro uns anos antes (continua a ser um dos meus preferidos do autor) e quando soube que finalmente tinha sido adaptado ao cinema, a minha expectativa era alta. No entanto, a adaptação cinematográfica tem várias diferenças em relação ao livro, pelo que ver o filme acaba por ser uma experiência diferente daquela de ler o livro. A principal diferença é que o livro foca mais no reencontro entre os dois protagonistas após a Guerra enquanto o filme aborda sobretudo o início do romance entre ambos. 



"O Diário Da Nossa Paixão" foi daqueles filmes cujo sucesso não foi retumbante ao início mas que gradualmente foi arrecadando bons e duradouros resultados de bilheteira e depressa ganhou um culto e lugar de destaque no cinema romântico, indicado pelas ainda hoje expressivas vendas e alugueres do DVD e do Blu-Ray. Os seus dois protagonistas (ambos canadianos) foram elevados a superestrelas: graças a este e outro filme icónico do ano de 2004, "Mean Girls - Giras e Terríveis", Rachel McAdams afirmou o seu talento e Ryan Gosling foi considerado um dos novos galãs de Hollywood, muito embora tenha feito tudo para se afastar desse rótulo e optado papéis bastante diversificados, que confirmaram toda a sua versatilidade e talento. (Aliás, o exemplo de Ryan Gosling fez com que outros actores, como Channing Tatum ou Joseph Gordon-Levitt, pudessem alternar entre os filmes de acção e obras mais delicodoces, sem medo dos rótulos.)  Apesar de não se terem dado bem durante o início das filmagens, Gosling e McAdams acabariam por ter uma relação amorosa durante três anos. Gena Rowlands (a mãe do realizador) e James Garner, dois actores muito em voga nos anos 50 e 60, tiveram aqui os seus mais famosos papéis da fase mais adiantada das suas carreiras. 





O legado de "O Diário Da Nossa Paixão" estendeu-se a várias vertentes: tornou-se um tema bastante popular para festas de casamentos e de noivados, e para sessões fotográficas entre casais casadouros, e as zonas costeiras da Carolina do Sul tornaram-se local de romaria para estadias de luas-de-mel e afins. Por ter estreado no advento das redes sociais, foi um dos primeiros filmes a inspirar memes e GIFs na internet. E claro está, foi o filme que sedimentou a adaptação de livros de Nicholas Sparks como um quase subgénero. No início de 2019, foi anunciado que "O Diário da Nossa Paixão" iria ser adaptado a um musical da Broadway, sob direção musical da cantora e compositora Ingrid Michaelson.    


Trailer: 


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A Rainha da Sucata (1990)



por Paulo Neto



Voltamos a recordar telenovelas e esta é uma que me lembro de ter gostado imenso. "A Rainha Da Sucata" foi exibida no Brasil entre Abril e Outubro de 1990 e em Portugal entre 14 de Novembro de 1991 e 2 de Junho de 1992. Foi a primeira telenovela assinada por Sílvio de Abreu a passar no horário nobre no Brasil (ao contrário de Portugal, que já vira "Sassaricando" nesse horário) e talvez por isso, no país-irmão o público estranhou a dose invulgar de humor burlesco (característica das outras telenovelas do autor como "A Guerra dos Sexos" e a já referida "Sassaricando") e não haver tanto melodrama, o que levou Sílvio de Abreu a trazer mais dramatismo à história e a refrear a vertente mais cómica da trama. Em Portugal, no entanto não houve essa estranheza e o público até preferiu as tramas mais engraçadas. Foi a última telenovela do horário nobre a ser exibida na RTP1 sem a concorrência das estações privadas e como tal chegou a ter mais de 95% de share ao longo de toda a sua exibição.  



A novela era protagonizada por Regina Duarte no papel de de Maria de Carmo Ferreira, uma empresária de grande sucesso, peça fundamental em transformar o negócio de sucateira do seu pai Onofre (Lima Duarte) num império empresarial. A sede geral do seu império é o edifício Sucata na Avenida Paulista e além de ser um complexo empresarial e comercial, tem também uma casa de espectáculos frequentada pela fina flor de São Paulo.

Laurinha (Glória de Meneses), Edu (Tony Ramos)
e Maria do Carmo (Regina Duarte)

Mas apesar da sua fortuna, Maria do Carmo continua a não ser bem vista pela alta sociedade paulista devido às suas origens humildes. No pólo oposto está a família de Betinho Figueroa (Paulo Gracindo) casado em segundas núpcias com Laurinha Figueiroa (Glória Menezes), que apesar do seu prestígio, está à beira da falência. Edu (Tony Ramos), o filho do primeiro casamento de Betinho, é um playboy irresponsável que fora em tempos a paixão de Maria do Carmo até descobrir que ele esteve por detrás de uma terrível humilhação a la "Carrie" no baile de formatura. Mas quando Maria do Carmo reencontra Edu, conclui que ainda sente algo por ele e propõe casar-se com ele, para que ela aumente o seu prestígio social e a família dele se salve da bancarrota. A princípio, Edu deixa bem claro que só casou com ela por interesse mas aos poucos, os dois vão se apaixonar.
Quem não se conforma com esta união é Laurinha, não só por não aceitar uma ex-suburbana na família mas sobretudo porque é secretamente apaixonada pelo enteado e fará tudo para destruir Maria do Carmo. Mais tarde vem-se a saber que Laurinha tem origens ainda mais duvidosas do que a nora, e que os seus dois rebeldes filhos, Adriana (Cláudia Raia) e Rafael (Maurício Mattar), são fruto de uma relação com um marginal, perfilhados por Betinho após o casamento.

Onofre (Lima Duarte) e Neiva (Nicete Bruno)
Mariana (Renata Sorrah) e Renato (Daniel Filho)


Mas Laurinha não é a única ameaça para Maria do Carmo. Renato Maia (Daniel Filho), o ambicioso e pérfido braço-direito de Onofre planeia afastá-la e ser ele a assumir a liderança do império da Sucata. Durante o funeral de Onofre, vem-se a saber que ele manteve uma relação extraconjugal ao longo da vida com Salomé (Fernanda Montenegro), uma amiga da família que morre também ela pouco depois. Uma revelação que deixa Maria do Carmo e sobretudo a sua mãe Neiva (Nicete Bruno) em choque. Renato conclui que Mariana (Renata Sorrah), a filha de Salomé, é herdeira de Onofre e aproveita-se da sua ingenuidade para casar-se com ela. Após o enlace, Mariana sofre nas mãos de Renato que a manipula psicologicamente para que ela acabe morta ou internada num hospício.

Adriana (Cláudia Raia) e Caio (António Fagundes)

Os momentos mais cómicos da telenovela foram sem dúvida aqueles que provinham do romance tempestuoso entre Adriana e Caio (António Gonçalves), irmão de Mariana. Ela, uma desajeitada aspirante a bailarina e ele um paleontólogo gago passam por divertidos altos e baixos juntos e para acrescentar mais confusão, existe ainda a noiva de Caio, a fogosa Nicinha (Marisa Orth).

Dona Arménia (Aracy Balabanian) e "as suas filhas":
Gino (Jandir Ferrari), Gera (Marcelo Novaes) e Gerson (Gerson Brenner)


Outro núcleo divertido foi o da Dona Arménia Giovanni (Aracy Balabanian) que fala português de forma muito particular, referindo-se às mulheres no masculino e aos homens no feminino, como é o caso das "suas três filhas" Gerson (Gerson Brenner), Geraldo (Marcelo Novaes) e Gino (Jandir Ferrari), três viris e garbosos rapazes que na verdade são três autênticos meninos da mamã. Arménia viveu sempre em conflito com a família de Maria do Carmo pois pensa ser a legítima dona do terreno no qual a Sucata foi construída e quando consegue provar isso, ameaça demolir tudo e "botar a prédio na chon". Quando Maria do Carmo cai em desgraça vítima das armadilhas dos seus inimigos, Arménia passa a administrar as empresas, revelando-se um desastre. 
Dos irmãos Giovanni, Gerson, que começa a novela noivo de Maria do Carmo e sofre quando ela o troca por Edu, é o mais próximo da mãe. Geraldo, ou Gera, é o mais desbocado e namoradeiro. Gino é o mais sensível e durante algum tempo mantém uma ligação secreta com alguém, que se desconfiava ser outro homem, mas que na verdade se trata de Samira (Maria Helena Dias), uma turca madura que o iniciou nos prazeres da carne. No auge da trama, os três irmãos acabam a competir por Ingrid (Andréa Beltrão) uma jovem sofisticada e curiosa, filha de Isabelle (Cleide Yaconis), a requintada irmã de Betinho. No final, Ingrid não se consegue decidir e decide levar os três com ela para a Europa. O núcleo da Dona Arménia fez tanto sucesso que ela e os filhos regressaram numa telenovela posterior, "Deus Nos Acuda".

Paula (Cláudia Ohana)

Rafael (Maurício Mattar) e Alaíde (Patrícia Pillar)

Outras personagens marcantes foram Jonas (Raul Cortez), o mordomo dos Figueroa e a chave de muitos mistérios da trama; Paula (Cláudia Ohana), uma intrépida jornalista, amiga de Adriana e que no início da novela está envolvida com Edu; Alaíde (Patrícia Pillar) a bela filha de Lena (Lolita Rodrigues), a empregada dos Figueroa, que vive um romance proibido com Rafael; e Guida (Mónica Torres), secretária e cúmplice de Renato que revela certas tendências masoquistas.

Na recta final, Laurinha suicida-se saltando do tecto da Sucata mas fazendo-o de forma a parecer que foi empurrada por Maria do Carmo, incriminando-a. Mas Edu consegue provar a inocência da esposa e Maria do Carmo acaba feliz ao lado dele e recuperando o controlo das suas empresas.  

O site "Brinca Brincando" salienta que tal como outras telenovelas de Sílvio de Abreu, existiam muitas referências cinematográficas na telenovela, não só assemelhando os acontecimentos de certas personagens a cenas de certos filmes (como a já referida cena de humilhação de Maria do Carmo no baile a fazer lembrar "Carrie") mas utilizando mesmo músicas de filmes como "O Homem Elefante", "Fahrenheit 451" ou "Viagem Alucinante". 

O tema do genérico era "Me Chama Que Eu Vou", interpretado por Sidney Magal. O cantor teve uma aparição especial numa cena da novela a cantar este tema na Sucata, acompanhada por um grupo de bailarinos de lambada que incluía Adriana e Alaíde.




Genérico:




Chamada de elenco:




Para terminar, uma memória relacionada com esta telenovela que eu nunca esqueci. Além dos discos oficiais, era frequente ver-se à venda por esse Portugal fora cassetes com versões manhosas dos temas das telenovelas, e "A Rainha do Sucata" não foi excepção. Pois bem, nunca me esqueci de certa vez ter visto num expositor de cassetes do café perto do trabalho da minha mãe, uma cassete que tinha escrito "A Rainha da Chupada" num modo semelhante ao do logótipo da telenovela ao lado do desenho de uma mulher em fato de banho com um rosto semelhante ao de Regina Duarte. Vinha ainda escrito em letras pequenas "só para adultos - interpretado por Os Séxis". O alinhamento continha faixas como "Sacudindo a bunda" e "Maria do Carmo, Elu, Konas e Laurinha Filha Boa". O que eu não dava para ouvir hoje essa cassete...
     


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Anúncios aos preservativos Control (anos 80)

por Paulo Neto


Nos tempos em que a televisão parava o país e só havia dois canais, tudo o que passava na caixinha mágica deixava a sua marca: não só os programas, mas também os separadores, os momentos de  continuidade e claro, os anúncios publicitários aos mais diversos tipos de serviços e produtos. E para quem foi criança nos anos 80 como eu, foi provavelmente através da televisão que soube da existência de certos produtos, como os preservativos. Mesmo que ainda faltasse muito tempo para ver um preservativo ao vivo, quanto mais dar-lhe qualquer tipo de uso.

Consta que os primeiros preservativos a serem comercializados remontam ao século XVII, quando eram feitos a partir de tripa animal, para evitar gravidezes indesejadas e a doença venérea mais temida da altura, a sífilis. Com o tempo, passaram a ser feitos de outros materiais (em especial o látex) e a serem mais fáceis de usar e de aceder e na segunda metade do século XX, a comercialização de preservativos foi gradualmente aumentando a sua importância junto do mercado de saúde e higiene. O principal ponto de viragem foi anos 80, onde além da prevenção contraceptiva, os preservativos revelaram-se essenciais para a prevenção de uma nova doença que se propagava de forma alarmante no mundo inteiro: a SIDA. E com tudo isso em jogo, a necessidade de prevenção foi-se sobrepondo paulatinamente à vergonha de ter de comprar preservativos nas farmácias diante de estranhos (e sobretudo diante de conhecidos). 

Entre as principais marcas de preservativos, uma destacou-se desde logo em Portugal através das suas campanhas publicitárias: a Control, criada em 1946 em Itália pelo grupo Artsana. E nos anos 80, uma campanha vencedora marcaria a publicidade televisiva sem sequer mostrar  os ditos cujos preservativos. Bastava uma beldade que aparentava não trazer roupa vestida a olhar sorridente para a câmara e dizer em italiano a célebre frase: "Ho fatto l'amore con control." Depois vinha uma voz em português: "Preservativos Control. Porque amar é natural." Chegou a haver algumas versões em que a beldade italiana era dobrada em português com a frase a transitar do pretérito perfeito para o presente do indicativo ("Eu faço amor com Control!")




 E se bem se lembram, em alguns deles tocava uma musiquinha romântica de guitarra. Como é o caso deste na versão original com narração em italiano.



E porque já então haveria alguma preocupação com a equidade entre os géneros, chegou a haver um anúncio em que quem olhava para a câmara e dizia a célebre frase era um senhor que ostentava um magnífico bigode.


Para muitos de nós, "Ho fatto l'amore con Control" foi provavelmente a primeira frase em italiano que ouvimos na vida e claro que teve todo o tipo de paródias, quer nas galhofas entre colegas de escola quer em programas de comédia na televisão. Por exemplo, no episódio do "Euronico" dedicado à Itália, havia um sketch em que um Luís Aleluia todo ferido e enfaixado dizia para a câmara: "Ho fatto l'amore senza Control".

Claro que esta não foi a única campanha marcante da Control. Sempre na vanguarda do mercado, nos anos 90, lançaria um daqueles anúncios que marca uma geração. O anúncio "De quem é isto?" em que um professor com um ar mega-austero acha um preservativo na sala de aula e profere a dita pergunta com uma severidade algo desmedida. Um aluno de óculos, meio envergonhado e já antecipando uma descompostura, levanta-se e diz "É meu." mas pouco depois, os outros colegas vão se levantando e reclamando a propriedade do preservativo num misto de solidariedade e rebeldia. 


E eis a versão em italiano:




quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O Voo do Navegante (1986)



Depois de quase 3 minutos de cães a tentar apanhar frisbees, e de letras dos créditos que ninguém lê, começa o filme propriamente dito. É o dia 4 Julho de 1978 e o jovem David (Joey Cramer) entra na mata ao anoitecer para ir buscar Jeff (Albie Whitaker), o irmão que já estava atrasado para a família poder ir lançar fogos de artificio. Portanto, no tempo que os putos podiam ir para casa sozinhos e manusear vários quilos de explosivos (cá em Portugal contentávamo-nos com algumas bombinhas no Carnaval). Mas David perde-se entre as árvores, e cai num buraco. Quando recupera os sentidos e regressa a casa, tudo começa a correr mal, na casa de família vive agora um casal de idosos que não conhece. A polícia consegue reuni-lo com a família mas o choque é enorme quando descobre que esteve desaparecido durante oito anos e foi dado como morto. Ele continua a ter 12 anos mas a mãe, o pai e o irmão mais pequeno (agora o actor Matt Adler) estão quase uma década mais velhos. David está não em 1978, mas em 1986, o presidente americano já não era Jimmy Carter e ainda a Sarah Jessica Parker não tinha cara de cavalo. Entretanto, um OVNI é capturado depois de colidir com cabos de alta tensão. Os cientistas não conseguem penetrar no casco da nave, mas quando os médicos que estão a acompanhar David lhe fazem testes, torna-se óbvia a ligação deste a uma entidade exterior. David é levado para as instalações da NASA com a desculpa de ser testado mas com o propósito de conseguirem informações sobre a relação que este tem com o veículo alienígena.



David tenta fugir com a ajuda de Carolyn (Sarah Jessica Parker) mas é a própria nave que lhe proporciona os meios de fuga, ou melhor dizendo, a Inteligência Artificial que conduz a nave, Trimaxion Drone Ship abreviado para Max (voz de Paul Reubens).  Entretanto já tinha sido esclarecido o pormenor intrigante da diferença temporal: David foi levado por Max na nave até outro planeta, e devido à velocidade da viagem mais rápida que a luz, para David passaram apenas cerca de 4 horas mas no planeta Terra já se tinham passado oito anos. Max precisa da informação armazenada no cérebro de David para recuperar as cartas de navegação e poder regressar ao planeta de origem.



Existem umas quantas cenas manipuladoras, em parece que vamos ver um OVNI, mas era só um frisbee, um zeppelin ou um depósito de água (verdade seja dita, na minha zona há um velho depósito de água que parece um OVNI). Um pouco como os filmes de terror em que parece que o monstro vai atacar mas era só um gato a saltar do armário. Mas a primeira metade consegue manter uma boa tensão, algum mistério sobre o que aconteceu durante o desaparecimento, e o está a acontecer no laboratório, quais as intenções dos cientistas - liderados pelo Dr. Farady - que estudam a nave e David e até onde são capazes de ir. E até a inteligência artificial - que raptou David e o levou ao planeta Phaelon para ser analizado - apesar dos comentários divertidos, é por vezes ambígua... Das inevitáveis referências a outros filmes de ficção-cientifica, como "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" ou "E.T. O Extraterrestre", a que achei mais divertida foi a do "He just said that wanted to phone home", quando David faz uma pausa na fuga para telefonar aos pais e conseguir orientações. 


O trailer:




Imagino que a nave cromada - criada em computador - também deve ter servido de inspiração para as naves da rainha de Naboo nas prequelas de a Guerra das Estrelas. O puto não tem tanto carisma como outros em filmes da década - ou pelo menos não tem uma personalidade tão excêntrica - mas desenrasca-se muito bem nas cenas mais emocionais, apesar de noutras parecer estar a fazer um grande frete. Fica a sensação que o filme podia ter ido um pouco mais longe, mas apesar do elemento sci-fi tentou manter  dentro do possível os personagens com os pés assentes no chão - apesar dos longos voos - e sem nunca deixar esquecer a família, mas sem ser muito lamechas. Aliás, a família de David deve ser das menos disfuncionais do cinema juvenil dos 80s, mas pronto, é um filme com a chancela Disney (apesar de basicamente a Disney só ter aceite distribuir a co-produção de Producers Sales Organization e a empresa norueguesa Viking Films).
Toda a banda sonora de Alan Silvestri ("Regresso Ao Futuro") foi criada electronicamente com um sintetizador e sampler Synclavier. A realização esteve a cargo de Randal Kleiser, também responsável pelos êxitos "Grease" ou "A Lagoa Azul". Como curiosidade, o protagonista Joey Cramer voltou a ser notícia 2016 quando foi preso por assaltar um banco no seu Canadá natal!

No IMDB não consegui encontrar informação de estreia em Portugal de "Flight Of The Navigator". A Wikipedia indica o título "O Voo do Navegante" e suspeito que tal como no Brasil (O Voo do Navegador) tenha ido directamente para vídeo, depois do fracasso nos EUA. Passei revista ás estreias entre 1986 e 1988 em Portugal e não encontrei vestígios dela nas páginas de cinema do "Diário de Lisboa". Se algum leitor possuir mais informação, faça favor de partilhar nos comentários!

Resumindo, um simpático e perfeito filme para toda a família. Quando o escolhi da lista de "filmes-dos-anos-80-para-ver" tinha receio que fosse semelhante demais ao "Os Exploradores" (1985), devido á temática similar de adolescentes a bordo de naves espaciais. Envelheceu bem, tem um pouco de aventura, mistério e aquele sentimento de excitação e deslumbramento que aparentemente só os filmes juvenis dos anos 80 podiam proporcionar.


domingo, 20 de janeiro de 2019

O Humanoide (1979)



Depois do êxito colossal do "Star Wars" de 1977 ("A Guerra das Estrelas") havia a vontade geral de produzir um êxito espacial que aproveitasse essa tendência. Muitos tentaram e quase tantos fracassaram.
Tive conhecimento deste exemplar em 2015, e na época descrevi-o assim:









"Provavelmente encontrei por acaso o novo Rei da Chungaria. Se há coisa que adoro mais de cópias, são cópias descaradas.
Estava a navegar por albuns do Pinterest, quando num grupo de capas de revista sci-fi dos anos 70, saltou à minha face, uma versão que faz lembrar "levemente" o vilão Darth Vader. A legenda da foto não engana: "Darth Who"?"






"Julguei ser algum vilão da série clássica do "Doctor Who", mas com uma pesquisa rápida percebi que é o malvado "Graal"; do filme italiano "The Humanoid" ("L'umanoide"), que vi descrito como um bizarro clone de "Star Wars". E sim senhor, parece-me uma boa descrição."


"A cena inicial do trailer, que duplica a melhor abertura do cinema de sempre, já me deixou a salivar para ver o filme. Mas fiz pause para vir aqui começar a escrever.
Vou agora voltar ao vídeo. Espero que não desiluda." 

 Trailer: 



 Um clipe do filme:


Podem ver o filme completo no Youtube:




"Depois de visto o trailer e o clipe, nota-se as "influências" de "A Guerra das Estrelas", mas têm um arco bem diferente, em redor da criação forçada do humanóide que dá titulo ao livro.
Provavelmente reconhecerão a bond girl Barbara Bach - Lady Agatha, e o seu generoso decote - e o bond villain Richard "Jaws" Kiel  e a sua "beleza" peculiar, transformado no humanóide. Aposto que a Evil-Lyn dos Mestres do Universo tirou umas dicas das vestimentas desta Lady Agatha.
A banda sonora esteve a cargo do mestre Ennio Morricone, e temos ainda direito a um droid canino, talvez inspirado pelo Muffit II da Galactica e pelo K-9 do Doctor Who. Fiquei mesmo interessado em ver, vai para a watchlist."

Nota: Passados quase 4 anos, ainda não o vi por completo.


A fita estreou em Portugal a 28 Fevereiro de 1980. O realizador foi George B. Lewis, o nome americanizado do italiano Aldo Lado, a tentar emular o êxito de George Lucas, o criador do universo da Guerra das Estrelas

"Diário de Lisboa [28-02-1980]"


No Diário de Lisboa a reacção da critica foi a esperada:
"Abrindo a via para a ficção-spaghetti, este filme é uma das coisas mais débeis que me foi dado a ver nos últimos meses. A ficção cientifica prostituída pelas hienas seguidoras do leão americano."

"Diário de Lisboa [08-03-1980]"
E ainda foi brindado não com apenas uma estrela, mas com um bolinha preta, "A evitar".
"Diário de Lisboa [08-03-1980]"


O Poster português:

"Diário de Lisboa [28-02-1980]"






sábado, 19 de janeiro de 2019

A Paixão de Shakespeare (1998)

por Paulo Neto

Quando se fazem listas de injustiças nos Óscares, volta e meia é discutido o merecimento de  "A Paixão de Shakespeare" da estatueta de Melhor Filme de 1998, sobretudo quando concorria contra títulos como "Elizabeth", "A Vida É Bela", "A Barreira Invisível" e sobretudo, "O Resgate do Soldado Ryan" (e ainda para mais sabendo que por detrás de tudo isso houve uma campanha cerrada movida por um tal de Harvey Weinstein). Seja como for, "A Paixão de Shakespeare" é um dos meus filmes preferidos de sempre. Foi o primeiro filme que decidi rever no cinema por exclusiva vontade própria, se bem que em salas de cinema (e cidades) diferentes. E também me fez comprar um exemplar de "Romeu e Julieta", mais concretamente uma edição de bolso que continha o original em inglês e a tradução em português. 



Realizado por John Madden, "A Paixão de Shakespeare" tinha um elenco luxuosíssimo com Gwyneth Paltrow, Joseph Fiennes, Geoffrey Rush, Ben Affleck, Judi Dench, Colin Firth, Imelda Stauton e Rupert Everett. Como o próprio nome indica, o filme prestava homenagem a William Shakespeare, não tanto através de factos históricos, mas tornando-o personagem de uma história que mesclava várias das suas peças.




Em 1593, William Shakespeare (Fiennes) é actor no Rose Theatre, propriedade de Philip Henslowe (Rush) e um dramaturgo em crise de inspiração, que há demasiado tempo que não consegue progredir na escrita de sua nova peça, "Romeu e Ethel, a Filha do Pirata". O facto de não conseguir vender a sua peça ao teatro rival Curtain Theatre e de descobrir que Rosaline (Sandra Leinton), a mulher que ele anda a catraspiscar, é amante de Edmund Tilney (Simon Callow), o Master Of Revels (um cargo que é uma espécie de mistura de Ministro da Cultura com chefe da Censura) só complica mais as coisas, acrescendo ainda o facto de Henslowe estar a ser brutalmente pressionado pelo seu credor Frennyman (Tom Wilkinson) para saldar as dívidas. E depois há ainda o autor rival Christopher Marlowe (Everett) que vive o sucesso com a suas obras, para inveja de Shakespeare. 

Entretanto, Lady Viola de Lessops (Paltrow) é uma bela dama, filha de um mercador rico, que adora assistir a peças de teatro. Viola sonha em ser actriz e ter uma vida bem diferente daquela que lhe está traçada, mas não só as mulheres estavam proibidas de actuar em teatros como está prometida em casamento a Lord Wessex (Firth), um pérfido aristocrata. Mesmo assim, Viola decide prestar audições para a nova peça de Shakespeare disfarçada de um rapaz chamado Thomas Kent e impressiona o dramaturgo com o seu talento.  
Eventualmente William descobre a identidade dela e os dois iniciam um apaixonado romance secreto, com a cumplicidade da ama de Viola (Stauton) e os acontecimentos desencadeados inspiram o dramaturgo a escrever "Romeu e Julieta", onde entrarão o famoso actor Ned Alleyn (Affleck) e o próprio Fennyman que entretanto se deixou fascinar pelo mundo do teatro dos seus devedores.



Por entre várias peripécias, algumas divertidas, outras dramáticas, tudo culminará na representação da peça onde Will e Viola a desempenhar o par protagonista e uma intervenção inesperada da Rainha Isabel I (Dench) a seu favor. Mesmo com o amor de ambos condenado pela força do destino, Shakespeare imortalizará a sua amada, dando o seu nome à protagonista da sua peça seguinte, "Noite de Reis". 





Pode nunca livrar-se do carimbo de sobrevalorizado, mas para mim, "Shakespeare In Love" é um filme bem conseguido em toda a linha, alcançando um equilíbrio perfeito entre comédia e tragédia, e até deitando uns pozinhos de erotismo (a imagem de Viola a ser desenrolada das suas faixas é icónica!). Todo o elenco dá uma boa prestação e se tal como o Óscar de Melhor Filme, existe margem para se discutir se Gwyneth Paltrow merecia a estatueta de Melhor Actriz (quando uma das outras nomeadas foi a brasileira Fernanda Montenegro), não há dúvida que raramente a vimos com tanto carisma e luminosidade. Com este papel e o de "Elizabeth", estreado no mesmo ano e outro rival dos Óscares, foi o único período em que Joseph Fiennes conseguiu ofuscar a notoriedade do seu irmão Ralph (e acho que também merecia ter sido nomeado para Melhor Actor). 
Além de Paltrow, Judi Dench ganhou o Óscar de Melhor Actriz Secundária, embora só apareça em três cenas e o filme foi ainda distinguido com as estatuetas de Melhor Argumento Original, Melhor Direcção Artística, Melhor Banda Sonora Comédia ou Musical e Melhor Guarda-Roupa. 


Em 2014, o filme foi adaptado para uma peça de teatro. 

Trailer:



 
 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Batman Beyond - Batman do Futuro (1999-2001)



O ano de 1999 foi um bom ano para o cinema, e na TV a maioria das listas recordam a série de mafiosos "Sopranos" que foi exibida pela primeira vez a 10 de Janeiro. Mas no mesmo dia, noutro género, outra série deixou a sua marca na cultura pop, a animação "Batman Beyond" ou "Batman do Futuro" em Portugal e no Brasil.

Quando comecei a acompanhar na RTP-2 as aventuras deste "Batman do Futuro" várias vezes fui recordado da banda desenhada que saiu uns anos antes na concorrente Marvel, "Homem-Aranha 2099". E esse Homem-Aranha do futuro tinha um uniforme, personalidade, poderes e um tom muito diferente do "original" mas também combatia versões futuristas dos vilões tradicionais. Mas é basicamente por ai que terminam as comparações entre o Homem-Aranha e o Homem-Morcego do futuro. O "Batman" de Batman Beyond é um herói que segue a legacia e o seu mentor é o Batman "original", o idoso e reclusivo Bruce Wayne (por Kevin Conroy, que dá voz ao Cavaleiro das Trevas de 1992 até à actualidade), numa continuação directa das séries "Batman The Animated Series (1992-95)" e "The New Batman Adventures" (1997-99). O primeiro e terceiro Robin, a Batgirl e a Catwoman ainda são vivos mas também penduraram a capa. O Batman reformou-se e só décadas mais tarde encontra substituto no adolescente que assume o manto (metafórico, visto que o uniforme de alta tecnologia não tem capa).  Terry McGinnis (Will Friedle) descobre a identidade secreta de Bruce Wayne e depois do velho vigilante negar ajudar a vingar a morte do pai, Terry rouba o uniforme do Batman para tentar levar o vilão Powers à justiça. A contragosto Bruce aceita treinar Terry para combater o crime que devasta Neo-Gotham. O novo Batman, além de vários vilões, novos e outros recauchutados, tem também uma galeria de aliados, como Maxine Gibson (Cree Summer), uma hacker extraordinária, ou a Comissária da Polícia, Barbara Gordon (Stockard Channing, Angie Harmon e Tara Strong) a antiga Batgirl; e o cão de guarda de Bruce, o fiel Ace (Frank Welker, o eterno Megatron). A relação de Terry com Bruce não começa bem, mas com o tempo o rabugento velho herói e o impulsivo jovem (que serve como seu aprendiz, mordomo e ainda tem que lidar com a sua vida familiar, social e escolar) desenvolvem um respeito mútuo e uma ligação quase paterna.




No dia 10 de Janeiro de 1999 foi emitido o primeiro de 52 episódios, cujas três temporadas se estenderam até 18 de Dezembro de 2001. Houve ainda um filme, "Batman Beyond: Return Of The Joker" em 2000. Apesar de existirem planos para uma quarta temporada, foi dada prioridade à animação da "Justice League", e posteriormente "Justice League Unlimited" onde o Batman do Futuro participou de alguns episódios, onde foi revelada uma ligação mais directa a Bruce Wayne... De resto, esta versão do Batman continua a surgir nas páginas da banda desenhada.
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