sábado, 6 de fevereiro de 2016

Duelos da Patinagem Artística (Jogos Olímpicos de 1988)

por Paulo Neto

A cidade canadiana Calgary recebeu os Jogos Olímpicos de Inverno de 1988, no pitoresco cenário das Montanhas Rochosas. Vários atletas brilharam nos seus respectivos desportos como o italiano Alberto Tomba e a suíça Vreni Schneider no esqui alpino, a holandesa Yvonne van Gennip na patinagem de velocidade ou finlandês Matti Nykanen nos saltos de esqui. No bobsled participaram equipas de países improváveis como o Mónaco (liderada pelo Príncipe Alberto na primeira das suas quatro participações olímpicas), a Jamaica (que inspirou o filme "Jamaica Abaixo De Zero") e... Portugal, com uma equipa de emigrantes no Canadá.



Porém, apesar do esqui alpino ser considerado o desporto-rei dos desportos de inverno, sem dúvida que a modalidade invernal mais mediática é a patinagem artística. Por exemplo, até meados dos anos 90, a RTP costumava transmitir os campeonatos europeus e mundiais da modalidade (creio eu que até mesmo com as mesmas comentadoras que agora desempenham essa função na Eurosport). Como já se falou anteriormente, a atenção dos media na patinagem artística ganhou proporções desmesuradas nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994, devido ao caso Kerrigan vs. Harding.
Mas no Jogos de 1988, as provas de patinagem artística suscitaram grande atenção dos media porque tanto nos homens como nas senhoras, adivinhavam-se dois duelos promissores para a vitória, felizmente numa rivalidade puramente desportiva. Nos homens, teve lugar a "Batalha dos Brians" e nas senhoras, a "Batalha das Carmens".




Medalha de prata nos Jogos de 1984 em Sarajevo, o canadiano Brian Orser parecia destinado a ser o grande dominador do desporto nos quatro anos seguintes e a ganhar o ouro em 1988 no seu país. Porém, outro Brian, o americano Brian Boitano, quinto em 1984, tornou-se nesses anos um rival à medida. Boitano foi campeão mundial em 1986 e Orser em 1987 e chegados a Calgary, ambos repartiam de forma igual o favoritismo. Como se veio a provar, a vitória foi decidida por muito pouco. No programa curto, Orser liderava por pouca margem pelo que tudo ainda estava em aberto. Boitano foi o primeiro a patinar e ao som de "Napoleão" fez um programa sólido onde incluiu o seu movimento de marca, o triplo lutz com um braço no ar. Já Orser cometeu dois erros que lhe custariam a vitória, aterrando com os dois pés num salto inicial e fazendo apenas duas voltas num triplo axel. O resultado foi decidido no desempate pela nota técnica, dando a vitória ao americano. A medalha de bronze foi para o ucraniano Viktor Petrenko, que ganharia o ouro nos Jogos de Inverno seguintes.


Mas apesar da rivalidade, os dois Brians eram bastante amigos e Boitano admitiu que não conseguiu saborear devidamente a sua vitória diante da tristeza de Orser, que procurava dar ao seu país uma medalha de ouro (algo que o Canadá não conseguiu nestes Jogos, apesar de ser o país organizador).
Após os Jogos Olímpicos, ambos os patinadores ingressaram no circuito profissional. Nos anos 90, Brian Boitano liderou um grupo de atletas que reivindicavam a participação nos Jogos Olímpicos dos patinadores profissionais. Uma vez conseguido esse objectivo, Boitano voltou a competir nos Jogos Olímpicos de 1994, onde foi sétimo, quando já era um ícone americano. Uma das mais famosas homenagens da cultura pop feitas a Boitano foi no filme "South Park - O Filme" com as personagens a dedicarem-lhe uma canção.
Já Brian Orser tornou-se um muito bem sucedido treinador, tendo conduzido a coreana Kim Yu-Na à conquista do título olímpico em 2010.



A "Batalha das Carmens" na prova de senhoras foi assim chamada porque as duas principais favoritas executaram o seu programa livre ao som de "Carmen" de Georges Bizet. Desde 1984 que a alemã oriental Katarina Witt dominava a cena, tendo ganho o título olímpico desse ano. Além da sua impecável mestria no gelo, Witt também impressionava pela sua beleza e pelo temperamento namoradeiro, que a tornou no primeiro sex-symbol da patinagem artística. Certa vez, Witt revelou que um dos seus truques para combater a ansiedade ao entrar em pista era escolher um homem na assistência e fazer de conta que estava a dançar só para ele. Após a sua vitória em 1984, Katarina Witt recebeu 35 mil cartas de amor de todo o mundo. Porém um dos seus admiradores levou o seu fascínio longe demais: após a queda do muro de Berlim e a reunificação das duas Alemanhas, ficou-se a saber que o líder da RDA, Erich Honecker, tinha mandado a Stasi, a o serviços de espionagem leste-alemães, vigiar todos os passos de Katarina Witt em Berlim Oriental, ao ponto de até haver registos detalhados sobre a sua vida sexual.
Entre 1984 e 1987, a única a quebrar o domínio de Witt foi a americana Debi Thomas, que venceu os Mundiais de 1986 e vista como a única capaz de impedir o segundo título olímpico da alemã. Thomas começou melhor, liderando após o programa curto. Witt foi a primeira a executar o programa livre. Completamente embrenhada na personagem, o seu programa foi bastante forte a nível artístico e de interpretação  mas tecnicamente pouco arriscado pelo que havia margem para Thomas vencer. Porém um erro logo no início da sua prova desmotivou-a, deitando por terra as aspirações da americana. Entretanto, uma intrusa intrometeu-se no duelo. Apesar da sua reputação para ir-se abaixo nos momentos decisivos, a canadiana Elizabeth Manley, encorajada pelo apoio dos seus compatriotas na assistência, superou todas as expectativas e acabou em primeiro no programa livre e em segundo na classificação geral. Katarina Witt ganhou o seu segundo ouro olímpico (a primeira patinadora a consegui-lo desde a lendária Sonja Henie nos anos 30) e Debi Thomas teve de se contentar com o bronze, ainda assim fazendo história como a primeira atleta negra de qualquer género, país ou modalidade a ganhar uma medalha em Jogos Olímpicos de Inverno. Após os Jogos Olímpicos, Thomas deixou a competição para terminar os seus estudos de Medicina, tendo-se tornado cirurgiã ortopédica.


Quanto a Katarina Witt, conseguiu a autorização do regime da RDA para integrar circuito profissional nos Estados Unidos, onde fez digressão com Brian Boitano. Em 1994, beneficiando da autorização da participação de patinadores profissionais nos Jogos Olímpicos, voltou para uma terceira participação olímpica em Lillehammer. Só que desde então o desporto tinha evoluído muito desde os seus dias de glória com as patinadoras de topo a fazerem imensos triplos e combinações e a alemã não foi além do sétimo lugar. No seu programa livre, prestou homenagem às vítimas da guerra na Bósnia Herzegovina, uma vez que ela conquistara o seu primeiro título olímpico em Sarajevo dez anos antes. Em 1998, pousou para a Playboy sendo um dos exemplares mais vendidos de sempre da revista. Katarina Witt também participou em filmes como "Jerry Maguire" e "Ronin".

Excerto de uma reportagem sobre a "Batalha dos Brians"


Katarina Witt e Debi Thomas recordam a "Batalha das Carmens"



"What Would Brian Boitano Do" (South Park - O Filme) 





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1 comentário:

  1. Muito interessante! Eu sou um zero a desporto, e nível de conhecimentos desportivos anda por ai, do Brian Boitano só conhecia mesmo a canção do South Park.

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