Hoje os tempos são outros mas eu, e creio que muitos portugueses, tenho memórias muito vívidas do Festival da Canção nos anos 80 e 90, quando era um ponto alto da saison televisiva. O país parava ver o certame, no dia seguinte havia tantas discussões sobre os resultados como os dos jogos de futebol e pelo menos duas ou três canções tornavam-se hits nacionais. E claro está, muitas das canções vencedoras continuam bem presente no disco rígido mental de qualquer português e são ainda trauteadas por gente de todas as idades.
O Festival RTP da Canção de 1983 é o primeiro de que me lembro ter visto na televisão, se bem que só me recordo da imagem do Armando Gama ao piano. Para a sua 20.ª edição, o Festival deixou pela primeira vez a capital e deslocou-se à Cidade Invicta, tendo tido lugar a 5 de Março desse ano no Coliseu do Porto. Eládio Clímaco e Valentina Torres (com um vestido bem eighties, com uma manga e um mega laçarote) foram os apresentadores de serviço.
Como é bem sabido, Armando Gama venceu o certame com "Esta Balada Que Te Dou" e não só ganhou o bilhete para Munique, onde iria representar Portugal na Eurovisão, como conquistou Valentina Torres com quem viria a casar esse ano, uma união que durou mais de vinte anos e gerou dois filhos. (Actualmente, Armando Gama espera um filho da actual relação). Durante anos a fio, na parte onde Gama canta "Um sonho, um livro", eu e muita gente julgava que ele dizia "Um sonho lindo".
Mas foram muitos os nomes conhecidos que passaram pelo palco do Festival, a começar com Herman José, que ficou em segundo lugar com "A Cor Do Teu Baton"; Helena Isabel que cantou "Afinal Quem És Tu" e que teria em 1983 um ano em cheio (brilhou em "O Tal Canal", protagonizou a telenovela "Origens" e despiu-se em "Os Abismos da Meia-Noite"); Jorge Fernando, dois anos antes do "Umbadá", trazia "Rosas Brancas Para o Meu Amor"; Ana repetindo muitos "Parabéns a Você"; Alexandra com "Rosa Flor Mulher"; os Broa de Mel com "No Calor da Noite", uma canção que não podia ser mais diferente daquela que levaram no ano anterior; o cantor pimba avant-la-lettre Xico Jorge queixava-se de "Mal de Amores" e os malogrados Carlos Paião e Cândida Branca-Flor com "Vinho do Porto, Vinho de Portugal".
Houve também espaço para revelar duas vozes desconhecidas que tiveram neste Festival o seu único momento de notoriedade. Uma delas foi Sofia, que ainda por cima, não cantou uma mas duas canções, curiosamente as duas primeiras canções do certame: "Erva Ruim" e "Terra Desmedida". O que terá acontecido a Sofia de tão doce voz?
A outra ilustre desconhecida da qual nada se ouviu falar antes nem depois foi Maria Teresa de Saint-Maurice, ou simplesmente Tessa, que porém deixou para a posterioridade um dos momentos mais cromos da história do Festival da Canção.
Tessa subiu ao palco para cantar "Ave do Paraíso", com letra e música de Américo Machado de Faria. Na letra estavam versos como "Gosto do teu pijama antes de deitar", "Voltamos ao avesso o nosso quinto andar" e "Ao sentir-te amor na vertical". Pois este foi o resultado (preparem os ouvidos!):
Como seria de prever, "Ave do Paraíso" ficou no 12.º e último lugar, com 6 pontos (4 dados pelo júri de Coimbra). E assim aconteceu o momento de glória croma para Tessa. Ainda assim, o tema foi editado em single pela editora Orfeu.
Nos seus espetáculos, Herman José tem por vezes imitado Tessa, mantendo assim viva a sua memória. Eis aqui um exemplo:
O mesmo número ao vivo na RTP: http://www.youtube.com/watch?v=uofE5FwhuX4
Não é qualquer um que consegue em apenas três minutos de fama manter um cromo tão divertidamente perene trinta anos depois, por isso um aplauso para Tessa!
Brevemente, haverá um cromo dedicado ao Festival da Eurovisão desse mesmo ano de 1983 em Munique, amplamente considerado o mais cromo de sempre!
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