segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O Barco Do Amor (1977-1987)

por Paulo Neto


Por incrível que pareça, a Enciclopédia ainda não tinha abordado esta mítica série que tanto encantou espectadores nos anos 70 e 80 (e depois) um pouco por todo o mundo. Isto porque tratava-se de uma série que misturava habilmente humor e romance num cenário tão apetecível como era o de um navio de cruzeiro e das paisagens por onde ele passava.



"O Barco do Amor" começou com um telefilme em 1976 inspirado no livro de memórias de Jeraldine Sanders, uma directora de cruzeiro. Mais dois telefilmes seguiram-se nesse ano até que em 1977 a cadeia americana ABC ter decidido converter o formato em série. Série essa que duraria nove temporadas até 1987 mas que ainda gerou mais quatro telefilmes entre 1987 e 1990. Em Portugal, a série passou na RTP em vários horários nos anos 80 (incluindo durante o "Agora Escolha"), na TVI nos anos 90 e na SIC Gold e SIC Comédia já neste século.

Genérico de abertura da 2.ª temporada (1979)



Genérico de abertura  da 5.ª temporada (1982) já com a Vicki no elenco fixo:



Em cada episódio "O Barco do Amor" tinha três histórias diferentes, cada uma escrita pela sua equipa de guionistas. Regra geral, uma das histórias passava-se entre os membros do elenco fixo, isto é da tripulação do navio (normalmente a mais cómica); outra entre um membro de tripulação e um dos passageiros; e a terceira (geralmente a mais dramática) entre passageiros da respectiva viagem. 



Os membros do elenco fixo eram: o Capitão Pacific Princess Merrill Stubing (Gavin McLeod); o médico do navio Adam Bricker (Bernie Kopell), Doc para os amigos; o camareiro Burl Smith (Fred Grander), mais conhecido como Gopher; o barman Isaac Washington (Ted Lange) e a directora do cruzeiro Julie McCoy (Lauren Tewes). A partir da terceira temporada, a filha do capitão Vicki (Jill Whelan) passou a integrar o elenco fixo, bem como o fotógrafo Ace Evans (Ted McGinley) na sétima temporada. Ainda na sétima temporada, com a saída de Lauren Tewes, Patricia Klous assumiu o papel de Judy McCoy, irmã de Julie, que a substituiu nas suas funções.   


Claro que a minha personagem preferida era a Vicki e o meu eu petiz achava-a que era a miúda mais sortuda do mundo por poder andar pelo mundo no navio. Mas também achava imensa graça ao Gopher e ao Doc que apesar de não serem lá muito atraentes, acabavam sempre a namoriscarem as passageiras. Até porque uma piada recorrente da série era a fama de mulherengo de Doc, que apesar do seu aspecto, já tinha sido várias vezes casado e não raras vezes as suas pacientes sucumbiam ao seu charme. (E serei o único achar que o actor era parecido com o  Willie do "Alf"?).
Outro mítico ingrediente da série era o tema do genérico interpretado por Jack Jones, que foi editado em single em 1979.



E claro está, a série teve um sem-fim de participações especiais ao longo dos seus 249 episódios. Eis aqui alguns exemplos: Kirstie Alley, Richard Dean Anderson, Kathy Bates, Sonny Bono, Joan Collins, Billy Crystal, Jamie Lee Curtis, Tony Danza, Patrick Duffy, Linda Evans, Michael J. Fox, Eva e Zsa Zsa Gabor, Pam Grier, Tom Hanks, David Hasselhoff, Janet Jackson, Gene Kelly, Janet Leigh, Heather Locklear, Leslie Nielsen, Ginger Rogers, Mickey Rooney, Frank Sinatra Jr., Jaclyn Smith, Lana Turner, Andy Warhol, Betty White, Vanessa Williams, Jane Wyman e muitos, muitos mais. Alguns como o actor Lorenzo Lamas, chegaram a fazer vários episódios em papéis diferentes. A própria Patricia Klous teve uma aparição num episódio da sétima temporada (num papel diferente) antes de entrar para o elenco fixo na temporada seguinte.

Geralmente os episódios decorriam durante cruzeiros na costa ocidental da América do Norte (Puerto Vallarta, no México, era o destino mais recorrente). Mas costumavam haver episódios, geralmente com duas partes, que decorriam noutras partes do mundo. Houve também alguns episódios de outras séries como "Os Anjos de Charlie" e "A llha Da Fantasia" que interligaram as suas narrativas com a de "O Barco do Amor".



A nona e última temporada teve algumas particularidades: o tema de abertura era agora cantado por Dionne Warwick, o navio passou a ter uma trupe residente de bailarinas, "The Love Boat Mermaids", que incluía Teri Hatcher, um dos episódios foi considerado em 1997 pela revista "TV Guide" um dos cem melhores episódios de séries de sempre e a segunda parte de um dos episódios teve cenas filmadas em Lisboa, mais concretamente na praça do Campo Pequeno, onde se encenou uma tourada (e só de escrever isto já consigo ouvir o David Martins a bufar). Isto porque uma das histórias era a de um neto (Lorenzo Lamas) de um famoso toureiro (César Romero) que hesita em seguir as pisadas do seu avô ao mesmo tempo que se interessa por uma escritora (Mary Crosby).

Lorenzo Lamas e Mary Crosby
numa cena filmada no Campo Pequeno
Eis um texto no site do Correio da Manhã: https://www.cmjornal.pt/tv-media/detalhe/quando-o-barco-do-amor-atraca-em-lisboa 

Genérico da 9.ª temporada (1986) com o genérico cantado por Dionne Warwick:



Para além das nove temporadas, a série teve ainda mais quatro episódios especiais entre 1986 e 1990. Um reboot da série "The Love Boat - The Next Wave" foi exibido nos Estados Unidos em duas temporadas entre 1998 e 1999, e incluiu um episódio de reunião do elenco da série anterior.

Reunião do elenco em 2017

Em 2014, foi concluída a demolição do navio Pacific Princess na Turquia, adquirido por uma empresa especializada em demolições navais, após os seus custos de manutenção inviabilizarem a sua utilização como navio de cruzeiros.

Pacific Princess ou MS Pacific (1971-2014)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

"Voyage Voyage" Desireless (1986)

por Paulo Neto

Eu sou suspeito por ser licenciado em Estudos Franceses e Ingleses, mas adoro a língua francesa e a sua sonoridade. Até gosto do facto de a pronúncia de grande parte das suas palavras ser diferente daquela que as letras que as compõem sugerem (pelo menos aos olhos portugueses). Apesar de só ter começado a estudá-la no 7.º ano, já tinha algumas noções de língua de Voltaire através de um livro que os meus pais me compraram no Círculo de Leitores que ensinava algumas frases e palavras em francês e inglês. Confesso que o meu domínio do francês não é tão forte como o do inglês mas sempre que tenho oportunidade para falar, ouvir ou ler em francês, tento aproveitá-la ao máximo. 
E claro está, aprecio bastante a música francófona desde os tempos de ícones como Edith Piaf e Jacques Brel até à actualidade. E sendo um filho dos anos 80 tenho um carinho especial pelas três canções em língua francesa que se tornaram sucessos internacionais nessa década: a pop de sangue azul em "Ouragon" na voz da Princesa Stéphanie do Mónaco; "Joe Le Taxi" chilreada por uma muitíssimo jovem Vanessa Paradis; e "Voyage Voyage" interpretada pela parisiense Claudie Fritsch-Meintrop sob o nome de Desireless




Nascida na Cidade-Luz no dia de Natal de 1962, Claudie trabalhou como estilista nos anos 70 até que em 1982, uma viagem à Índia inspirou-a a enveredar pela música. Em 1984, integrou o grupo Air 89 que lançou um álbum e em 1986, lançou-se numa carreira a solo com o nome Desireless, compondo uma personagem andrógina e fria, sempre vestida de negro. Mas o seu aspecto mais marcante era sem dúvida o penteado com o cabelo todo em pé. 



Editado no final de 1986, o seu primeiro single "Voyage Voyage", um contagiante tema electro-pop. Na altura, eu ainda não percebia patavina de francês mas lembro-me de gostar de ouvir a música sempre que dava na rádio ou o videoclip na televisão. Ainda que o dito cujo, realizado pela famosa fotógrafa Bettina Reims, me metesse um pouco de medo: num salão de casarão mal iluminado (quiçá um manicómio), Desireless mostra slides com imagens de todo o mundo a um grupo de personagens bizarras incluindo três senhoras entretidas num frenético jogo de cartas, um casalinho de jovens que namora a um canto, um senhor alto que abana incessantemente a cabeça enquanto brinca com uma bola insuflável com o desenho do mapa-mundo com um senhor mais baixo e uma mulher que devora algo que nunca percebi bem o que era (batatas fritas? bolinhos?) que tem numa tigela. Essas estranhas personagens a princípio parecem desinteressadas nos slides até que de repente algo lhes chama a atenção e reúnem-se todas a ver as imagens que surgem no ecrã.  





Mais tarde, quando já dominava o idioma e quis saber o significado da letra, descobri que se tratava de um belíssimo poema sobre como viajar não só nos dá a conhecer o mundo mas como também nos conduz numa viagem ao nosso interior. Daí que quando Desireless canta "Voyage...et jamais ne reviens", não está a dizer para nunca mais regressarmos a casa mas sim para não voltarmos a ser quem éramos antes da viagem. Eis a minha tradução da letra:

No cimo do velhos vulcões
Desliza as asas pelos tapetes de vento
Viaja, viaja,
Eternamente.

Das nuvens aos pantanais,
Dos ventos de Espanha às chuvas do Equador,
Viaja, viaja,
Voa nas alturas. 

No alto das capitais, 
Das ideias fatais
Observa o oceano.

Viaja, viaja, 
Mais longe que a noite e que o dia.
Viaja
No espaço inaudito de amor.
Viaja, viaja
Sobre a água sagrada de um rio indiano.
Viaja
E nunca mais regresses.

Sobre o Ganges ou o Amazonas
Entre os negros, entre os sikhs, entre os asiáticos
Viaja, viaja
Por todo o reino.

Sobre as dunas do Sahara
Das ilhas Fiji ao Fujiyama
Viaja, viaja, 
Não te detenhas.

Sobre os arames farpados, 
Os corações bombardeados,
Observa o oceano. 

Viaja, viaja, 
Mais longe que a noite e que o dia.
Viaja
No espaço inaudito de amor.
Viaja, viaja
Sobre a água sagrada de um rio indiano.
Viaja
E nunca mais regresses.

Em França, "Voyage Voyage" ficou-se pelo n.º 2 do top nacional, bloqueado no topo por "T'en Va Pas" da estrela adolescente Elsa Lunghini. Mas o tema era tão poderoso que não tardou a quebrar a  barreira linguística e fazer sucesso fora dos países francófonos, tendo chegado ao n.º 1 na Alemanha, Áustria, Noruega e Espanha ao longo de 1987. Em 1988, uma edição com remistura dos PWL  ajudou "Voyage Voyage" a tornar-se um dos raros temas cantados em francês a chegar ao top 10 no Reino Unido. Por essa altura, Desireless já tinha editado um novo single, "John", uma tema que falava sobre guerra e religião.


Com o prolongado sucesso de "Voyage Voyage" que levou Desireless a percorrer toda a Europa a promover o tema, o seu primeiro álbum, "François" (o nome do seu marido, François Meintrop), só veria a luz do dia em 1989, já quando o interesse na cantora tinha esmorecido. 
No entanto, mesmo sem nunca ter sequer aproximado o sucesso de "Voyage Voyage", Desireless nunca mais deixou de fazer música e actuar ao vivo. Desde 2012 que tem feito a sua carreira em dueto com o compositor Antoine Aureche e o seu disco mais recente, "Desirless Chante Apollinaire", é de 2017. Entretanto "Voyage Voyage" continua a ser incluído em várias festas e compilações dos anos 80 por esse mundo fora.  





Desireless "L'expérience humaine" (2011)



De entre as versões do tema, destaque para a cover de 2008 da cantora belga Kate Ryan e a versão em espanhol de 1991 da boyband mexicana Magneto com o título "Vuela Vuela".  







terça-feira, 30 de outubro de 2018

Armageddon (1998)

por Paulo Neto

Volta e meia, sucede surgirem dois filmes semelhantes no mesmo ano. Por exemplo, duas adaptações de "Les Liaison Dangereuses" de Chorderlos de Laclos em 1989 ("Ligações Perigosas" e "Valmont"), duas bio-pics de Cristóvão Colombo em 1992 ("1492 - A Conquista" e "Cristóvão Colombo - A Descoberta"), dois filmes de animação 3D sobre insectos em 1999 ("A Formiga Z" e "Vida De Insecto") ou duas comédias românticas sobre amizades coloridas em 2011 ("Amor Sem Compromisso" e "Amigos Coloridos"). No ano de 1998, Hollywood providenciou dois filmes sobre um asteroide prestes a colidir com a Terra: "Impacto Profundo" e "Armageddon". Ainda não vi o primeiro que muitos dizem ser melhor e cientificamente mais verosímil mas sem dúvida que o segundo é o mais popular.



Hoje em dia, o realizador Michael Bay é tido como sendo o realizador que acha que efeitos especiais, explosões, movimentos frenéticos de câmara e planos sensuais de corpos femininos fazem por si só um filme. Mas na altura, Bay estava a criar status como realizador de blockbusters após o sucesso de "O Rochedo" e "Os Bad Boys", depois de ter-se iniciado com anúncios publicitários e videoclips (sendo o mais famoso deles "I'd Do Anything For Love" de Meat Loaf). Por isso, a expectativa era grande para "Armageddon", não só por causa de "Impacto Profundo" como também porque contava no elenco com nomes como Bruce Willis, Billy Bob Thornton, Steve Buscemi, Michael Clarke DuncanOwen Wilson, Liv Tyler e um recém-oscarizado (como argumentista) Ben Affleck. Isto para não falar noutro factor de antecipação, quiçá o mais importante.  



A NASA descobre que um asteroide do tamanho do estado do Texas está perto de colidir com a Terra o que certamente significará a extinção da raça humana, senão mesmo a destruição total do planeta. A equipa de cientistas da NASA, liderada por Dan Truman (Thornton), elabora um plano que consiste em recrutar uma equipa de experientes estivadores de perfuração petrolífera, liderada por Harry Stamper (Willis), para viajar no espaço até ao asteroide e perfurá-lo para lançar uma bomba que o fará partir-se em duas partes, que continuarão a sua rota longe da Terra. A equipa de Harry é composta por Chick (Will Patton), Oscar (Wilson), Bear (Duncan), Rockhound (Buscemi), Noonan (Clark Brolly), Max (Ken Campbell) e A.J. Frost (Affleck). Este último namora com Grace (Tyler), a bela filha de Harry, que não aprova a relação pois quer um futuro melhor para a filha do que o de esposa de um estivador.  

  

A equipa de Harry passa por um treino intensivo para a missão, na qual serão acompanhados por uma equipa de astronautas e que inclui uma passagem pela estação espacial russa habitada pelo cosmonauta Lev Andropov (Peter Stormare). Quando meteoritos provenientes do asteroide começam a atingir gravemente algumas cidades como Xangai ou Paris, o mundo aguarda ansiosamente pela salvação da Terra. E após uma série de acontecimentos trágicos durante a missão, a salvação final fica nas mãos e (possíveis sacrifícios) de Harry e AJ. 





O Paulo de 1998 viu "Armageddon" no cinema e gostou bastante, mas o Paulo de 2018 reviu-o recentemente e achou a parra bem maior que a uva, com os clichés apontados nos filmes de Bay bem presentes. A crítica também não foi nada favorável ao filme. No entanto, "Armageddon" foi o maior sucesso comercial de 1998 (sem contar com "Titanic" estreado ainda no ano anterior) e ganhou lugar cativo entre os maiores blockbusters de aventura e acção dos anos 90. 

Porém, está claro é que impossível falar de "Armageddon" sem falar no seu tema principal, "I Don't Want To Miss A Thing", interpretado pelos Aerosmith e escrita pela prolífica compositora Diane Warren. A escolha dos Aerosmith era por demais evidente não só pelo facto do vocalista Steven Tyler ser pai de Liv Tyler como por Michael Bay ter realizado um videoclip para a banda no ano anterior. 
Não só a épica powerballad tornou-se um dos hits do ano como deu à veterana banda o seu primeiro e único n.º 1 nos Estados Unidos. Foi ainda nomeada para o Óscar de Melhor Canção (e para o Razzie de Pior Canção). 
O videoclip de "I Don't Want To Miss A Thing" foi lançado umas semanas antes do filme, servindo como um trailer musical, que terá porventura sido maior chamariz junto do público para ver o filme, como foi o caso do Paulo de 1998. Em alguns países, incluindo Portugal, a edição em VHS de "Armageddon" incluía o videoclip na cassete, numa espécie de antevisão do que seriam os extras de DVD. 

Trailer:


Aerosmith "I Don't Want To Miss A Thing"


terça-feira, 16 de outubro de 2018

"Deixa-me Olhar" AlémMar (1998)

por Paulo Neto

Hoje em dia o conceito de fama é cada vez mais abstracto e aleatório. Parece que a qualquer momento cada um pode ter os seus quinze minutos warholianos sem sequer fazer algo meritório para tal. E claro está, com as novas tecnologias, existem outras plataformas de fama.
Mas eu cresci no tempo em que não só prevalecia a associação da fama ao mérito como o meu eu petiz acreditava que os famosos eram uns quantos escolhidos por alguma providência para se distinguirem do cidadão comum e viviam num universo paralelo que só episodicamente desciam ao mundo da gente comum para concertos ou algo assim. E para um miúdo que cresceu em Torres Novas esse universo paralelo podia muito bem ser Lisboa ou Porto. Qual era o famoso que quereria viver num município tão singelo como Torres Novas?
Bem, havia um famoso no concelho de Torres Novas e como tal, foi o primeiro famoso que eu vi na rua, fora de um contexto artístico: Pedro Barroso (o cantor, não o actor de telenovelas). Apesar de nascido em Lisboa, António Pedro da Silva Chora Barroso cresceu na freguesia dos Riachos e por lá continuou a residir mesmo quando a sua carreira como músico arrancou tendo sido um dos cantautores revelados pelo "Zip-Zip". Os anos 80 foram o seu período de maior sucesso da sua carreira por conta dos seus dois grandes hits: "Cantar Brejeiro" (mais conhecido como "Olha A Perninha Da Menina") em 1982 e "Menina Dos Olhos d'Água" em 1987.



Mas em 1998, vi-me a poucos graus de separação de gente famosa, porque foi nesse ano que se celebrizou uma banda com membros naturais do meu concelho. Isto porque foi nesse ano que os AlémMar editaram o seu primeiro álbum. E não só o vocalista era Nuno Barroso, filho de Pedro Barroso, como três dos membros da banda ou eu conhecia pessoalmente ou conhecia pessoas ligadas a eles. Era o caso de um dos guitarristas, Carlos Lima, cujo pai - que tinha o mesmo nome - era na altura meu professor de IDES (Introdução ao Desenvolvimento Económico-Social) no 12.º ano (e já tinha sido meu professor de Geografia no 10.º ano), e foi um dos professores mais marcantes da minha escolaridade; foi quase para mim o que a personagem de Robin Williams foi para o Clube dos Poetas Mortos. Na altura, além da banda, o Carlos Lima filho trabalhava também como criador dos bonecos do "Contra-Informação". Depois havia a cantora do coro, Ana Rita Damásio, que era da outra turma de Humanidades e por isso já tinha falado esporadicamente com ela - e que mesmo antes já emanava "star power". E havia também o baterista Samuel Henriques que eu conhecia também da escola, pois era amigo de alguns dos meus colegas de turma e de cujo irmão mais novo (também ligado à música) eu próprio viria tornar-me amigo anos mais tarde. Os outros membros da banda eram Ricardo Moreno (guitarra), Pedro Nunes (baixo) e Francisco Velez (teclas). 
O projecto tinha começado alguns anos antes sob o nome de Anúbis e como alguns dos membros andavam na mesma escola secundária que eu, eu ouvia aqui e ali relatos da evolução da banda e do interesse das editoras. Depois correu a notícia que em 1997 tinham assinado contrato com a MCA e que estavam a preparar um álbum a ser lançado no ano seguinte. Mas só mesmo quando ouvi "Deixa-Me Olhar" pela primeira vez na rádio da minha escola é que pensei: "É pá, eles podem ir longe."


E de facto, com a edição do single e do álbum homónimo da banda, o sucesso foi imediato e não tardou que a rádio tocasse "Deixa-me Olhar" com insistência e que os AlémMar aparecessem em todos os programas de televisão e actuassem por todo o país. Até no Mundialito do futebol de praia!




Não fosse o fenómeno Silence 4 pouco tempo depois, e teriam sido a banda nacional com a estreia mais auspiciosa do ano de 1998. Claro está, também os vi ao vivo em Torres Novas nesse ano numa noite chuvosa de Outubro.
"Deixa-me Olhar" obteve imediatamente lugar de honra no panteão da baladaria nacional e continua a ser até hoje um favorito nas noites de karaoke por esse país fora.

Entre as outras faixas do álbum, destacam-se "Carolina (Anda Cá)", "Cidades Não Chores Por Mim", "Zé Das Pintas" e outra powerballad "Já Não Há Mais Baladas".



O segundo álbum "Viver" saiu em Outubro de 1999, mas embora o tema "Sentimento Irreal" tenha tido alguma notoriedade, o disco esteve longe de repetir o sucesso do primeiro álbum.




Após alguns anos de interregno, a banda reuniu-se em 2004 para uma actuação na Festa da Bênção do Gado em Riachos e desde então que os AlémMar actua ocasionalmente com uma formação semi-renovada. Em 2007, editaram o terceiro álbum, "Acreditar" e regravaram "Deixa-me Olhar" para o genérico e banda sonora da telenovela da TVI "Deixa-me Amar".






Nuno Barroso tem tido paralelamente os seus projectos a solo. Ana Rita Damásio foi uma das vocalistas dos Madredeus após a saída de Teresa Salgueiro entre 2008 e 2010. Samuel Henriques foi o baterista na última digressão de José Cid.   


terça-feira, 2 de outubro de 2018

Cocoon - A Aventura dos Corais Perdidos (1985) / Cocoon II - O Regresso (1988)

por Paulo Neto

A "Sessão da Noite", espaço de cinema da RTP1 para as noites de sexta-feira, é parte essencial das minhas memórias cinéfilas, antes de começar a ir regularmente ao cinema. Foi ao longo dos três anos e meio em que este espaço esteve no ar (Setembro 1990 - Abril 1994), que vi vários filmes dos anos 80 e alguns das décadas anteriores, muitos deles que já falei em outros artigos. Recordo-me bem de ver a primeira TV Guia do mês que tinha uma secção que indicava quais eram os filmes a serem exibidos pela RTP nesse preciso mês para ver quais os filmes que iriam dar na "Sessão de Noite". E claro está, havia aquela maravilhosa sensação de deixar para trás uma semana de aulas e começar o fim-de-semana com um bom filme na noite de sexta-feira. 
Desta vez vou falar não sobre um mas sobre dois filmes da mesma saga que, se não me falha a memória, foram exibidos em duas sextas-feiras consecutivas. 



"Cocoon" é daqueles filmes do qual ninguém se lembra do título em português ("A Aventura dos Corais Perdidos"). O filme de 1985 foi realizado por Ron Howard e era uma interessante mistura de ficção científica, comédia e drama para além de ter a particularidade de ter um elenco composto por actores veteranos e personagens idosas como protagonistas, em contracorrente com a eterna obsessão de Hollywood pela juventude. 

Há milénios atrás, uma raça alienígena do planeta Antarea esteve presente na Terra para pesquisar este planeta, tendo a Atlântida como seu posto principal. Quando a Atlântida afundou, vinte Antareanos sobreviveram dentro de uma espécie de casulos rochosos. Na actualidade, um grupo de Anatreanos vem à Terra para recuperar esses casulos e levá-los de novo para esse planeta. Na sua verdadeira forma, os Antareanos são criaturas etéreas e extremamente luminosas, por isso, usam uma pele humana para não levantarem suspeitas e interagir com os humanos.


Eles estabelecem-se na Flórida onde alugam uma casa com piscina e recrutam a ajuda do barqueiro Jack Bonner (Steve Guttenberg) para recuperar os casulos do fundo do mar. Jack interessa-se por Kitty (Tahnee Welch), a única mulher do grupo, e descobre o segredo deles quando a vê a tirar a pele humana. Mas Walter (Brian Dennehy), o líder do grupo, assegura-lhe que são uma raça pacífica e Jack aceita manter o seu segredo. Eventualmente, Kitty admite gostar de Jack e não podendo fazer amor com ele da maneira humana, os dois têm um momento íntimo na piscina em que ela compartilha a sua energia vital. 




Entretanto, três amigos que vivem num aldeamento residencial para idosos ali perto, Art Selwyn (Don Ameche), Ben Luckett (Wilform Brimley) e Joe Finley (Hume Cronyn) decidem ir à socapa até à piscina da casa alugada pelos extraterrestres onde estão os casulos recuperados. A piscina está a ser utilizada pelos Antareanos para armazenar a energia que permitirá àqueles dentro dos casulos suportar a viagem de volta ao planeta e ao banharem-se nela, os três idosos curam-se dos seus problemas de saúde (por exemplo, Joe tinha um princípio de leucemia) e sentem-se as suas energias rejuvenescidas. Quando são apanhados por Walter na piscina, eles prometem manter segredo.
Ben e Joe renovam a paixão pelas respectivas esposas Alma (Jessica Tandy) e Mary (Maureen Stapleton) e Art ganha confiança para conquistar Bess McCarthy (Gwen Verdon). Também elas as três  acabam por saber do segredo e desfrutar dos benefícios da energia da piscina. Já um quarto amigo, Bernie Lefkowitz (Jack Gilford) é muito desconfiado dos ocupantes da casa e recusa-se a banhar na piscina e impede a sua mulher Rose (Herta Ware) de o fazer.  





Mas quando as atitudes rejuvenescidas dos três casais levantam demasiadas suspeitas no aldeamento, Bernie revela o segredo e os outros idosos precipitam-se para a piscina, estragando um dos casulos. Mas é Bernie que sofre a pior consequência quando leva uma Rose moribunda à piscina e não a consegue salvar pois os idosos consumiram toda a energia armazenada, impossibilitando os casulos de regressarem a Antarea. 



Walter propõe então aos idosos do aldeamento que venham com eles para Antarea, onde ninguém envelhece ou morre. A maioria aceita, incluindo Art, Bess, Ben, Mary, Joe e Alma, mas Bernie decide ficar. Ben e Mary têm uma despedida particularmente emotiva com o seu neto David (Barret Oliver) de quem sempre foram muito próximos. A partida é atribulada, sendo perseguidos pela Polícia, mas com a ajuda de Jack e David, extraterrestres e idosos conseguem chegar ao planeta.

"Cocoon" foi um inesperado êxito do Verão de 1985 (estreou em Portugal em Dezembro), sendo o sexto filme mais rentável desse ano e conquistando dois Óscares: o de Melhor Actor Secundário para Don Ameche e o de Melhores Efeitos Visuais. Ron Howard venceu também o Prémio Saturn para Melhor Realizador. Inicialmente era para ser Robert Zemeckis o realizador mas a 20th Century Fox  considerava-o na altura um realizador "veneno de bilheteira" e optou por Howard. (Zemeckis seria o último a rir quando "Em Busca da Esmeralda Perdida", o filme que acabou por dirigir nessa altura, tornou-se um êxito, permitindo o arranque de um certo projecto seu até então constantemente rejeitado chamado "Regresso Ao Futuro".)



Três anos mais tarde surgiu a sequela, "Cocoon 2 - O Regresso", realizada por Daniel Petrie, com praticamente todo o elenco do primeiro filme. Cinco anos depois da acção do primeiro filme, os Antareanos regressam à Terra para recuperar os casulos perdidos. Com eles regressam também os idosos que tinham partido com eles, incluindo os três casais protagonistas, para decidirem se querem ficar na Terra e voltarem a envelhecer e serem mortais ou ficar definitivamente em Antarea. O problema é que um dos casulos foi achado por um grupo de cientistas que o mantém num laboratório secreto. Ainda apaixonado por Kitty, Jack tenta recuperar o romance mas a Antareana garante que a relação deles não tem futuro e conta-lhe que teve uma visão de que ele irá se casar com uma terrestre com um sinal em forma de coração no pescoço.



De volta a Terra, os três casais ficam felizes por saber que depois de uma longa depressão pela morte de Rose, Bernie parece ter encontrado novamente o amor com Ruby (Elaine Stritch). Mas para além da missão de recuperar os casulos, eles enfrentam novos dilemas. Bess descobre que está grávida de Art, Joe descobre que a sua leucemia regressou e Ben e Mary ressentem-se de terem passado tanto tempo longe dos seus ente-queridos, sobretudo de David que passa por uma fase complicada da adolescência.  
A tragédia acontece quando Alma é atropelada por um carro para salvar uma criança e Joe decide sacrificar a sua energia vital que lhe resta para a salvar. Art, Ben, Jack, Kitty e David entram no laboratório para salvar o casulo detido pelos cientistas e são ajudados por Sara (Courteney Cox), uma cientista que se revolta quando descobre que os seus colegas pretendem entregar o extraterrestre do casulo ao Exército. 


Na hora da partida, Art e Bess escolhem voltar para Antarea para viverem o tempo suficiente para ver o seu filho crescer. Por seu turno, Ben e Mary escolhem ficar no Terra junto da família e amigos e deixar a vida seguir o seu curso natural. Alma opta também por ficar na Terra para aceitar a oferta de trabalho num ATL, onde as crianças adoram ouvir as suas histórias sobre o planeta Antarea.
Depois de Art, Bess e os Antareanos terem partido com os casulos deixados para trás na viagem anterior, Jack descobre que Sara tem um sinal em forma de coração no pescoço e que é ela a mulher da visão de Kitty. 

"Cocoon 2" foi um flop comercial e crítico, mas eu não achei assim tão inferior ao primeiro filme. Embora toda o elenco tenha regressado, Brian Dennehy só aparece no final como Walter. Dennehy tinha recusado participar na sequela, mas acabou por fazer essa participação especial por carinho e respeito pelos seus colegas de elenco. 
  


Trailer "Cocoon - A Aventura dos Corais Perdidos":



Trailer "Cocoon 2 - O Regresso"




  

domingo, 23 de setembro de 2018

Rosa Mota campeã olímpica (1988)

por Paulo Neto






Atenas, 1982. Rosa Maria Correia dos Santos Mota é uma atleta determinada e batalhadora, já com bastantes barreiras quebradas. Desde problemas de asma e ciática a fazer orelhas moucas ao insultos que ouvia quando começou a competir, vinda de mentes tacanhas incapazes de aceitar a simples ideia de uma mulher praticar desporto. Mas aos 24 anos, ainda não tinha atingido o seu verdadeiro potencial. As provas de pista são-lhe demasiado curtas e limitadoras e as provas de estrada ainda não estão bem estabelecidas no panorama do atletismo feminino.

Mas eis que na capital grega, um porta se abre. Pela primeira vez numa grande competição, vai ter lugar uma maratona feminina. Algo que não deixa de ser extremamente ambicioso, até porque décadas antes acreditava-se que era impossível as mulheres correrem distâncias longas sem efeitos nocivos para a saúde e nos últimos Jogos Olímpicos, disputados dois anos antes, a prova mais longa do atletismo feminino foram os 1500m.
Depois de ter sido décima segunda nos 3000m, Rosa Mota decide tentar a sua sorte na maratona só para experimentar. O facto de ela nunca antes ter corrido mais de 20 quilómetros, nem mesmo em treino, é um mero detalhe. Mas para surpresa geral, é ela a primeira a cortar a meta no famoso Estádio Panteanaico. Já não restam dúvidas: a maratona é o espaço ideal para Rosa desabrochar e tornar-se uma lenda do desporto português e mundial. Das vinte e uma maratonas em que participará nos próximos dez anos, vencerá catorze delas. De permeio, também vencerá por seis vezes a célebre Corrida de São Silvestre em São Paulo.

Rosa Mota e José Pedrosa

Em 1983, venceu a maratona de Roterdão e foi quarta nos Campeonatos Mundiais em Helsínquia e no ano seguinte, foi terceira na primeira maratona olímpica feminina. Em 1984 venceu ainda a maratona de Chicago.
Chegamos a 1986 e Rosa Mota confirma-se como a maior maratonista do mundo: não só ganhou as maratonas em que participou como fê-lo por larga margem. Tanto o seu segundo título europeu em Estugarda como o triunfo na Maratona de Tóquio foram conquistados por mais de quatro minutos face às segundas classificadas. E em 1987, nos Campeonatos Mundiais em Roma, indiferente ao calor abrasador que se fazia sentir na Cidade Eterna, Rosa vence o título mundial com mais de sete minutos de vantagem sobre a soviética Zoya Ivanova.

Com tantos argumentos, Rosa Mota era a principal favorita ao título olímpico de Seul em 1988. Mas o seu percurso teve um inesperado obstáculo: em 1987, a Federação Portuguesa de Atletismo convocou-a para o Campeonato Mundial de Estrada no Mónaco, mas a atleta recusou participar, alegando que tal iria comprometer a sua preparação para a maratona olímpica em Seul.
Não aceitando as suas razões, a FPA manteve-a sobre alçada disciplinar e Rosa chegou a estar impedida de competir, ao ponto da atleta considerar passar a representar Macau. Foi preciso o caso chegar às altas instâncias nacionais, nomeadamente Mário Soares e Roberto Carneiro (então respectivamente Presidente da República e Ministro da Educação) para que o diferendo não impedisse Rosa Mota de ir a Seul por Portugal e assim perder a sua maior hipótese de obter uma medalha para as cores nacionais na Coreia do Sul. Porém o diferendo só ficaria definitivamente resolvido em 1990.




E assim Rosa Mota seguiu na comitiva portuguesa para Seul e foi uma das 69 atletas que no dia 23 de Setembro de 1988 se apresentaram na partida da segunda maratona olímpica feminina. Aos 30 quilómetros, apenas quatro atletas seguiam na frente: Rosa Mota, a australiana Lisa Martin, a leste-alemã Katrin Dörre e a soviética Tatyana Polovynska. Quatro quilómetros depois, Polovynska perdeu o contacto com a frente e tornou-se evidente que as medalhas iriam ser discutidas entre Rosa Mota, Martin e Dörre. Como a australiana e a alemã estavam relutantes em tomar a dianteira da prova, Rosa foi comandando e por volta dos 37km, num entendimento com José Pedrosa, o seu treinador e companheiro que entretanto surgiu de bicicleta, avançou para a estratégia final combinada por ambos: atacar na próxima subida e dar tudo até ao final. O golpe foi certeiro e Rosa Mota cortou a meta em primeiro lugar ao fim de 2 horas, 25 minutos e 40 segundos. Lisa Martin reagiu tarde ao ataque da portuguesa, conseguindo apenas garantir a medalha de prata e reduzir a sua desvantagem face a Rosa Mota para 13 segundos. Katrin Dörre ficou com a medalha de bronze enquanto Polovynska foi quarta a um centésimo da chinesa Zhao Youfeng.





Quatro anos depois do triunfo de Carlos Lopes em Los Angeles, "A Portuguesa" voltava a tocar em solo olímpico e a bandeira portuguesa subia ao poste mais alto de um pódio olímpico da maratona. 1990 foi o último grande ano de Rosa Mota onde não só conquistou o seu terceiro título europeu em Split (Jugoslávia) como venceu pela terceira vez em Boston, tendo também sido primeira em Osaka. Em 1991, abandonou a prova nos Campeonatos do Mundo de Tóquio mas venceu a maratona de Londres. Ainda existiam esperanças que pudesse obter a sua terceira medalha olímpica em 1992, mas desmotivada pela sua desistência da maratona de Londres desse ano e condicionada por uma lesão, acabou não só por não ir a Barcelona como também por terminar a carreira.


Desde então, Rosa Mota tem-se dedicado às causa desportivas e assumindo com bonomia o seu estatuto de lenda viva do desporto nacional. Já tive a honra de a encontrar em pessoa algumas vezes e revelou ser uma pessoa extremamente acessível e terra-a-terra.
Em 1995, foi eleita para Assembleia da República nas listas do PS para os círculos emigrantes. Desde 2013 é vice-presidente do Comité Olímpico de Portugal. O mundo do desporto internacional também não esquece os seus grandes feitos e Rosa Mota tem sido alvo de várias homenagens um pouco por todo o mundo. Por exemplo a Grécia não esquece a sua vitória nos Europeus de 1982 e já foi por duas vezes convidada a transportar a chama olímpica naquele país: em 2004 em Atenas, que acolhia os Jogos Olímpicos desse ano, e em 2016 na cidade de Maratona.
Em 2012, a Associação Internacional de Maratonas e Corridas de Longa Distância elegeu-a como a maior maratonista feminina de todos os tempos.

Rosa Mota na cidade de Maratona
com a tocha olímpica dos Jogos Olímpicos de 2016



Rosa Mota comenta a sua vitória em Seul: 




quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Morangos Com Açúcar (1.ª série) (2003-04)

por Paulo Neto





Caros leitores millenials, querem sentir-se velhos? No passado dia 30 de Agosto, fez quinze anos que a primeira temporada dos "Morangos Com Açúcar" estreou na TVI. (Esperem lá, o ano de 2003 já foi há DÉCADA E MEIA? Chiça penico!). Encorajada pelo sucesso de telenovelas como "Jardins Proibidos", "Olhos de Água" e "Anjo Selvagem", a estação da Queluz procurava alargar a sua oferta de teledramturgia nacional e para a grelha da rentrée de 2003, a sua grande aposta foi uma série virada para o público adolescente. Sem dúvida que a telenovela brasileira de longa duração "Malhação" que na altura era exibida na SIC com título de "New Wave" terá sido a grande inspiração, mas a verdade é que desde "Riscos" que não havia um produto de ficção nacional dirigido aos adolescentes e era uma lacuna que se impunha preencher. No entanto, creio que nem nas perspectivas mais optimistas da TVI imaginariam que seria o primeiro passo de uma verdadeira instituição que marcaria toda uma geração, que seria uma enorme referência da cultura popular nacional e um viveiro para novos talentos da representação em Portugal ao longo de nove temporadas (compartimentadas entre a respectiva série de ano lectivo e série de Verão). Mas para os efeitos deste texto, vamos recordar a primeira série, aquela que fundou os alicerces para o que viria depois. 

Pipo (João Catarré) e Joana (Benedita Pereira)

Catarina (Joana Solnado) e Rafa (Rodrigo Saraiva)
Ricardo (Diogo Amaral)

Filipe "Pipo" Gomes (João Catarré) é um jovem de 20 anos e o mais velho de quatro irmãos que perderam os pais num trágico acidente de viação. Quando Pipo descobre que os seus irmãos Catarina (Joana Solnado), Tiago (João Queiroga) e Susana (Carolina Castelinho) sofrem nas mãos da tia Vitória Guimarães (Carmen Santos), uma mulher interesseira e cruel, decide deixar os seus estudos na Holanda e assumir a tutela legal dos irmãos. Com a ajuda de Martim Moura Bastos (Luís Zagallo), os quatro irmãos mudam-se para Cascais, com Pipo a gerir o bar da Praia dos Rebeldes e os três irmãos a frequentar o Colégio da Barra. Martim tem um filho, Ricardo (Diogo Amaral), um velho amigo de infância de Pipo. Mas ao contrário deste, Ricardo tornou-se um rapaz presunçoso e irresponsável. E a amizade de ambos será definitivamente desfeita por causa de Joana Duarte (Benedita Pereira). 

Joana namora com Ricardo e julgava ser feliz no amor até que na festa do seu 18.º aniversário, surpreende o namorado aos beijos com uma convidada. Desnorteada, a rapariga dirige-se ao mar e é salva por Pipo. E assim começa uma história de amor que vai ter bastantes obstáculos, sobretudo porque, apesar dos seus pulos de cerca, Ricardo sente-se traído pelo amigo e fará tudo para os separar, desde seduzir Catarina a sabotar o noivado de ambos. E as coisas só pioram quando Martim morre e é revelado que Pipo é filho de um caso dele com a mãe dos irmãos Gomes e o herdeiro da fortuna em detrimento de Ricardo. 
O amor de Pipo e Joana também não é bem visto pelo pai da jovem, Daniel (Luís Esparteiro) que contava com o casamento da filha com Ricardo para os seus negócios (como o ginásio Aquabody) que já viram melhores dias. O seu casamento com Teresa (Helena Isabel) há muito que se tornou baseado em aparências e os dois já nem disfarçam os desentendimentos diante dos filhos. Joana tem um irmão mais novo, Dani (Diogo Martins), um miúdo inteligente e metediço que rapidamente se torna o melhor amigo de Susana.

Helena (Sofia de Portugal) e Sapinho (Guilherme Filipe)
Carlos Vieira (Nuno) e Madalena (Dalila Carmo)
Eduardo (Almeno Gonçalves) e Teresa (Helena Isabel)


O Colégio da Barra, do qual Martim é proprietário, é um colégio reputado pela qualidade do seu ensino e pelos seu inovadores métodos pedagógicos. A directora é Constança Meireles (Rita Salema), professora do ensino primário, que exerce as suas funções de modo exemplar, sem desconfiar que Rogério Sapinho (Guilherme Felipe), o terrível professor de Inglês, pretende o seu posto. Eduardo Nogueira (Almeno Gonçalves), o professor de Português, está nas mãos de Sapinho porque este sabe do seu terrível segredo: foi ele o responsável pelo acidente que causou a morte dos pais dos irmãos Gomes. Sapinho tem ainda mais dois aliados no corpo docente: o seu sobrinho Gil (Rodrigo Menezes) e Helena Fernandes (Sofia de Portugal), a professora de História, que tem um fraco por ele. Pelo contrário, Nuno Sacramento (Carlos Vieira) é o seu principal opositor de Sapinho e o seu completo oposto: jovem, simpático, preocupado com os alunos e com um inovador método de ensino de Matemática. Nuno vai-se apaixonar por Madalena Soares (Dalila Carmo), a professora de Educação Física, e embora esta lhe corresponda, ela ainda recupera de um grande desilusão amorosa. 

Mónica (Teresa Tavares), Joana (Benedita Pereira)
e Carla (Filomena Cautela)

No Colégio da Barra, as melhores amigas de Joana são Mónica Rebelo (Teresa Tavares) e Carla Silva (Filomena Cautela). Prima de Ricardo, Mónica é aparentemente uma rapariga e aluna exemplar mas que gradualmente vai questionar a sua existência para além daquilo que os outros esperam dela e essa crise de identidade levar-lhe-à a uma obsessão doentia pelo professor Nuno mas também encontrar inesperadamente o amor em Pedro (João Baptista), um rapaz de um bairro desfavorecido. Carla esconde de todos que é pobre, chegando ao ponto de proibir a sua mãe Idalina (Ilda Roquete), a empregada do bar da escola, de revelar que ela é sua filha. Mas o pior que tudo, tem um caso com Daniel, o pai da sua amiga!  

Lara (Sofia) Arruda e Rodas (Tiago Aldeia)


Tiago é o mais tímido dos irmãos Gomes e por isso fica impressionado com a rebeldia de Rodolfo Damião (Tiago Aldeia), mais conhecido por Rodas. Os dois formam uma inesperada amizade, complementando-se um ao outro. Mas Lara Queirós (Sofia Arruda), a colega por quem ambos se vão interessar, será talvez o maior teste à amizade de Tiago e Rodas.


Dani (Diogo Martins), Patrícia (Núria Real)
e Susana (Carolina Castelinho)


As cenas mais divertidas eram frequentemente aquelas protagonizadas por Dani, Susana e Patrícia (Núria Real) cuja imaginação infantil leva-os a várias aventuras como as de descobrir se Sofia (Ana Rocha), uma amiga de Eduardo, é uma extra-terrestre, vingarem-se da Tia Vitória fazendo-lhe um bolo com laranjas (às quais ela é alérgica) ou quererem organizar um rave para alunos da primária (onde as pastilhas consumidas são as de mastigar e nada alucinogénas)!

Outros alunos do Colégio são Rafa Brandão (Rodrigo Saraiva), o entusiasta director da rádio do colégio, Rui (Manuel Moreira), um jovem amante de cinema que se interessa por Catarina, e Sara (Patrícia Candoso), a filha de Constança que vivia com o pai nos Estados Unidos, que, convencida pelo pai que a mãe a abandonara e nunca quis saber dela, pretende fazer a vida negra à mãe e acaba por se aliar às vilanias de Ricardo. Porém é em Portugal que ela descobre o seu talento para cantar.

A primeira temporada contou ainda com participações especiais de Sara Moniz, Maria José Pascoal, Filipe Crawford, Rogério Jacques, Jorge Corrula, Sylvie Dias, Márcia Leal e Gustavo Santos. Os diálogos eram da autoria do colectivo da Casa Da Criação, liderado por Maria João Mira, e a realização de Atílio Riccó. O tema de abertura era cantado por Berg.






A primeira série de "Morangos Com Açúcar" tornou-se rapidamente um sucesso (para muitos jovens portugueses tornou-se um ritual diário pós-escola) e estabeleceu alguns paradigmas para as temporadas vindouras: um par romântico protagonista, a criação de uma mini-temporada para as férias de Verão que apresentaria algumas personagens para a temporada seguinte; uma banda sonora que mesclava vários hits nacionais e internacionais com futuros êxitos; aparições especiais de alguns cantores e grupos nacionais e estrangeiros (por exemplo, nesta primeira temporada por lá passaram os alemães Reamonn e as britânicas Sugababes); a revelação de um talento musical (neste caso Patrícia Candoso cujo álbum "O Outro Lado" foi disco de ouro); todo o tipo de marcas comerciais a acotovelarem-se para ter cenas com product placement e claro está, todo o tipo de merchandising (roupas, material escolar, livros, perfumes…) O Governo chegou mesmo a aproveitar o sucesso da telenovela para promover o pedido de facturas com número de contribuinte por parte dos consumidores, pedindo aos guionistas para incluírem diálogos onde os clientes do Bar dos Rebeldes e de outros estabelecimentos pediam sempre factura.

CD Banda sonora


CD "O Outro Lado" de Patrícia Candoso



Claro que nas temporadas seguintes (sobretudo a segunda que revelou nomes como Cláudia Vieira, Pedro Teixeira, Rita Pereira e os D'ZRT e a terceira em que inclusivamente uma storyline de um vírus perigoso que assolava o Colégio gerou um dos maiores casos diagnosticados de histeria colectiva neste século) os "Morangos Com Açúcar" tornar-se-iam ainda mais estratosféricos. Mas muitos fãs ainda recordam com saudade a primeira temporada e Pipo/Joana ainda é um dos mais acarinhados casais protagonistas. (Espanta-me que a TVI nunca se tenha lembrado de recuperar a química de João Catarré e Benedita Pereira para um novo par romântico numa telenovela).   

Em 2011, o canal Panda Biggs repôs a primeira temporada  de "Morangos Com Açúcar" e em 2016, foi reposta na TVI Ficção. Chegou ainda a ser exibida ainda num canal brasileiro (com dobragem em português do Brasil!) mas foi cancelada ao fim de dois meses. Neste ano, começou também a ser exibida na TV Galicia e no final de cada episódio existe uma vinheta educativa onde se utiliza cenas da telenovela para ensinas português aos jovens galegos. (E ainda diziam que os "Morangos" era deseducativos!)

Excertos do 1.º episódio





Pipo e Joana in love




Músicas da banda sonora:

"Morangos Com Açúcar" Berg



"Pele Salgada" Berg



"Somebody" Belinda More


"I Thought You'd Leave Your Heart With Me" Rita Guerra


"Electric Mind" André Indiana


Ensinando português aos galegos com "Morangos Com Açúcar"


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