segunda-feira, 6 de maio de 2019

Festival da Eurovisão 1989

por Paulo Neto


À medida que se aproxima o Festival da Eurovisão deste ano com Conan Osíris a representar Portugal, porque não recordarmos mais uma edição deste lendário evento? Desta vez recuamos trinta anos até ao 34.º Festival da Eurovisão que decorreu no Palácio Beaulieu em Lausana a 6 de Maio de 1989. 33 anos depois de ter acolhido a primeira edição do Festival, a Suíça voltava a receber o certame na virtude da vitória da Céline Dion em representação daquele país no ano anterior. Aliás foi Dion quem abriu o espectáculo cantando a canção vitoriosa do ano anterior, "Ne Partez Pas Sans Moi", e "Where Does My Heart Beat Now", um dos seus primeiros hits em inglês. Os apresentadores foram Lolita Morena e Jacques Deschenau e foi a última edição até agora em que o certame foi principalmente conduzido em francês.



Com o regresso de Chipre, ausente no ano anterior, 22 países competiram nesta edição. Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Ana Zanatti e Margarida Mercês de Melo foi a porta-voz dos votos de Portugal. 

Como é habitual, vamos recordar as canções pela ordem inversa à da classificação final.

Daniel Agust (Islândia)

A Islândia participava pela quarta vez e depois de ter ficada em 16.º lugar nas suas três primeira participações, desta vez experimentava a amargura do último lugar sem qualquer ponto. Um resultado algo injusto para sua canção "Pad sem enginn ser" ("o que ninguém vê") interpretada por Daniel Agust Haraldsson. Daniel viria obter sucesso internacional como membro do grupo Gus Gus.

Pan (Turquia)

Nos anos 80 e 90, podia-se contar com a Turquia para trazer algo exótico e diferente aos ouvidos da Europa Ocidental e este ano não foi excepção com o quarteto Pan e o tema "Bana, bana" ("a mim, a mim"). A letra podia ser bastante repetitiva mas a canção estava bem ao estilo das sonoridades da Ásia Menor. Porém, a Turquia não obteria mais do que o 21.º lugar com cinco pontos. Uma das parcelas femininas do grupo, Arzu Ece, viria a representar o país a solo em 1995.

Park Café (Luxemburgo)

O Luxemburgo ficou em 20.º lugar com oito pontos. Nesse ano, fizeram-se representar pelos Park Café, uma banda luxemburguesa, mas cuja vocalista Maggie Parke era natural de Salt Lake City nos Estados Unidos (o que explica a sua peculiar pronúncia do francês), interpretando a canção "Monsieur".

Este foi um dos anos em que a Bélgica se fez representar pela vertente flamenga do país, na voz de Ingeborg Sargeant que cantou "Door de vind" ("através do vento") acompanhada no coro pelo autor da canção Stef Bos. Mas como este país costumava sair-se bastante melhor quando cantava em francês, desta vez ficou-se pelo 19.º lugar com 13 pontos. Ingeborg viria a ser mais conhecida no seu país como apresentadora de televisão.

Kiev Connolly & The Missing Passengers (Irlanda)

A Irlanda tinha sido o país anfitrião no ano anterior mas teria de esperar mais três anos até voltar a vencer e trazer de novo o Festival para as suas terras. Desta vez ficou-se pelo modesto 18.º lugar (21 pontos) com a canção "The Real Me", um tema sonoridades bem ao estilo da pop dos anos 80, interpretado por Kiev Connolly & The Missing Passengers.

Britt Synnove (Noruega)

Britt Synnove Johansen foi a representante da Noruega, cantando "Venners naerhet" ("a proximidade dos amigos"), uma balada sobre a amizade, ficando em 17.º lugar com 30 pontos. O momento alto da actuação foi quando um dos cantores lhe deu uma rosa. Britt viria a fazer carreira mais no teatro e espectáculos musicais do que como artista de estúdio. Ainda assim, na sua discografia contam um disco de homenagem a Edith Piaf e outro de tangos noruegueses.

Da Vinci (Portugal)

Portugal ficou-se pelo 16.º lugar com 39 pontos com mais uma canção daquelas que o país inteiro conhece e canta de cor. O colonialismo até pode ser um assunto demasiado sério para dourar a pílula numa canção pop, mas não há como negar toda a verve contida em "Conquistador" interpretada pelos Da Vinci, em especial o imortal refrão: "Já fui ao Brasil, Praia e Bissau, /Angola, Moçambique, Goa e Macau./Ai fui até Timor, já fui um conquistador!" Acompanhando o casal fundador do grupo, Pedro Luís e Iei-Or, estiveram as irmãs Sandra e Dora Fidalgo, que mais tarde fariam coros para os Delfins.  O co-autor da canção, Ricardo Landum, hoje conhecido como compositor de sucessos para nomes como Tony Carreira, deveria ter acompanhado os Da Vinci mas semanas antes sofrera um acidente de viação que o impossibilitou de viajar para a Suíça. Os Da Vinci tiveram vários hits tanto antes como depois mas "Conquistador" foi incontestavelmente o ponto alto da sua carreira.

Justine Pelmelay (Holanda)

Reza a lenda que anos antes, Justine Pelmelay teve um sonho em que participaria no Festival da Eurovisão pela Holanda. Esse sonho realizou-se em 1988 quando fez coro na canção holandesa cantada por Gerard Joling mas só se tornou verdadeiramente premonitório no ano seguinte, quando foi a vez dela de defender a canção dos Países Baixos, intitulada "Blijf zoals je bent" ("continua a ser como és"), ficando em 15.º lugar com 45 pontos. Justine foi sobrevivente do naufrágio do navio Costa Concordia em 2012.

Nino De Angelo (Alemanha)

Dieter Bohlen dos Modern Talking foi o compositor de duas canções presentes a concurso. Uma delas foi obviamente a do seu país, a Alemanha. Nino De Angelo tinha tido alguns êxitos entre 1983 e 1984, incluindo "Jenseits von Eden" que foi n.º 1 do top alemão, e regressava à ribalta para cantar "Flieger" ("voadores"), ficando em 14.º lugar com 46 pontos (mas é uma das minhas canções preferidas deste ano). Embora sem nunca igualar o seu sucesso dos anos 80, Nino De Angelo continua activo na música. Em 1996 colaborou com o grupo pop Mr. President (os de "Coco Jamboo") para a canção "Olympic Dreams".

Marie-Louise Werth/Furbaz (Suíça)

Como se sabe, são quatro as línguas oficiais da Suíça: francês, alemão, italiano e romanche. E depois de já ter enviado canções nas três primeiras (para além de uma em inglês), fazia sentido que o país fosse representado em casa por uma canção na língua oficial que faltava, o enigmático romanche, falado apenas por 0,7% da população. O grupo Furbaz, liderado por Marie-Louise Werth, é altamente creditado como um dos principais responsáveis por manter vivo o legado desta língua e em Lausana cantaram "Viver senza tei", obtendo o 13.º lugar com 47 pontos.   

Gili & Galit (Israel)

Embora oficialmente a canção de Israel fosse um dueto entre Gili Netanael e Galit Burg-Michael, na verdade o primeiro, de apenas doze anos e com uma voz de querubim, era a estrela do tema "Derekh hamelekh" ("a estrada do Rei") com a segunda a fazer pouco mais que vocais secundários. Infelizmente no dia da actuação, a prestação de Gili ressentiu-se do nervosismo e de ter estado doente alguns dias antes e a magia da versão de estúdio não foi recriada em palco. Ainda assim, um 12.º lugar com 50 pontos não foi nada mau.

Fani Polymeri & Yannis Savvidakis (Chipre)

Já a canção de Chipre não foi um dueto, foi praticamente um casamento. Isto porque Fani Polymeri e Yannis Savvidakis apresentaram-se em palco como se tivessem acabado de casar numa igreja ali próxima, ela de vestido branco, ele de smoking, para cantar "Apopse as vrethume" ("vamos nos encontrar esta noite"). Esta boda musical agradou particularmente ao júri islandês, que deu doze pontos dos 51 que a canção cipriota recebeu, ficando em 11.º lugar.

Fausto Leali & Anna Oxa (Itália)

Itália e Grécia partilharam o nono lugar com 56 pontos. A Itália, o primeiro país a actuar, foi mais outro país que levou um dueto, "Avrei voluto" ("eu queria") nas vozes de Anna Oxa e Fausto Leali, ambos com carreiras já bastante bem-sucedidas tanto antes como depois. Dizem as más-línguas de Oxa e Leali andaram meio de candeias às avessas durante o périplo por Lausana, mas na hora de subir ao palco, as divergências foram postas de lado.

Marianna Esftratiou (Grécia)

Marianna Esfratatiou tinha feito coro na canção grega de 1987 e dois anos volvidos, cabia-lhe agora a responsabilidade de representar o seu país com o tema "Te diko sou asteri" ("a tua própria estrela"), acompanhada pelo flautista Filippos Tsemperoulis. Marianna viria a representar a Grécia novamente em 1996.
Natahlie Pâque (França)

E como se não bastasse o jovenzinho israelita, as responsabilidades de representar a França ficaram nesse ano sobre o pequenos ombros de Nathalie Pâque, que só completaria doze anos de idade cinco dias depois. (No ano seguinte, seria implementada a regra que estabelecia os dezasseis anos como a idade mínima para participar no certame.) No entanto, a jovem cantora belga esteve à altura do desafio interpretando irrepreensivelmente o tema "J'ai volé la vie" ("eu roubei a vida"), alcançando o oitavo lugar com 60 pontos. Nem de propósito, o primeiro verso da canção era: "Não posso dizer-vos a minha idade". Segundo consta, além de alguns discos dos anos 90, Nathalie tem-se dedicado ao teatro musical tanto na França como na Bélgica. 

Anneli Saaristo (Finlândia)

Tal como Portugal, a Finlândia era um país pouco habituado ao topo da classificação, mas nesse ano obteve o seu melhor resultado desde 1975, com o sétimo lugar (76 pontos), na altura apenas superado por um sexto lugar em 1973 (até à célebre vitória em 2006 com os Lordi). Anneli Saaristo cantou "La dolce vita", um tema que evocava sonoridades mais mediterrânicas do que nórdicas. Entre o vasto repertório de Anneli Saaristo, há que destacar uma versão em finlandês de "Silêncio e Tanta Gente", a canção de Portugal do Festival da Eurovisão de 1984.

Nina (Espanha)

Este foi também um ano de bom resultado para a vizinha Espanha, que ficou em sexto com 88 pontos. Envergando uma frondosa cabeleira, a catalã Anna Maria Agustí, ou simplesmente Nina, deu tudo no baladão "Nacida para amar". Apesar de ter carreira na música desde muito cedo, cantando sobretudo em catalão, Nina tinha ficado conhecida uns anos antes em Espanha como assistente da versão espanhola do concurso "1, 2, 3". Anos mais tarde, voltaria a ter destaque como a directora da academia nas primeiras três temporadas do programa "Operación Triunfo", tendo também protagonizado as adaptações espanholas de musicais como "Mamma Mia" e "Cabaret". 

Thomas Forstner (Áustria)

O actual sistema dos "douze points" estava em vigor desde 1975, mas foi preciso chegar até 1989 para se ouvir pela primeira vez: "Austria, twelve points. Autriche, douze points!" E ouviu-se três vezes, contribuindo para que a Áustria ficasse em quinto lugar com 97 pontos, o melhor resultado deste país desde 1976. Tudo graças à canção "Nur ein Lied" ("só uma canção") interpretada por Thomas Forstner e que, tal como a canção alemã, tinha música de Dieter Bohlen dos Modern Talking. Thomas Forstner voltou ao Festival pela Áustria em 1991 mas o resultado foi o pior possível, não tendo qualquer ponto.

Tommy Nilsson (Suécia)

A Suécia ficou em quarto lugar com 110 pontos com o tema "En dag" ("um dia") interpretado por Tommy Nilsson. Além de uma carreira bem-sucedida desde o início dos anos 80, Nilsson também é conhecido pelo seu trabalho nas dobragens tendo sido a voz sueca do John Smith em "Pocahontas" e de Patrick Star em "Spongebob Squarepants".

Birthe Kjaer (Dinamarca)

Com mais um ponto que a Suécia, a Dinamarca repetiu o terceiro lugar do ano anterior. Birthe Kjaer, uma veterna do showbiz dinamarquês, cantou "Vi maler byen rod" ("pintamos a cidade de vermelho"). O compositor da canção, Soren Bundgaard, que também acompanhou Birthe no palco, tinha participado como parte do duo Hot Eyes em 1984, 1985 e 1988. Uma curiosidade foi que a meio da canção, o orquestrador Henrik Krosgaard foi para o palco para se juntar ao coro, sendo substituído por outro maestro. 

Ray Caruana / Live Report (Reino Unido)

Também o Reino Unido repetiu o segundo lugar de 1988, desta vez com o grupo Live Report e a balada "Why do I always get it wrong", onde brilhou a voz do vocalista Ray Caruana, com um timbre semelhante ao de Chris De Burgh. Obteve 130 pontos incluindo o doze de Portugal. 

Riva (Jugoslávia)

Mas desde muito cedo que a Jugoslávia tomou a liderança e nunca mais a largou, somando 137 pontos. Tal como nos dois anos anteriores, o país apostou na mesma fórmula: uma banda pop croata com uma vocalista carismática a cantar um tema animado. E à terceira foi de vez com o grupo Riva, liderado por Emilija Kokic, com "Rock me". Foi uma vitória algo inesperada e embora seja sem dúvida uma canção bem agradável, creio que não era das melhores e questiono-me o que é que a canção da Jugoslávia tinha que a de Portugal não tinha.
Seja como for, foi um dos últimos triunfos da Jugoslávia antes do seu violento desmembramento poucos anos depois. Os Riva terminariam em 1991 mas desde então que Emilija Kokic tem a sua carreira a solo.

Festival da Eurovisão 1989 (comentários da BBC)




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2 comentários:

  1. Olá a todos:
    Queria comentar várias curiosidades.
    A cantora do Luxemburgo (Margaret Elizabeth "Maggie" Parke) é parecida fisicamente com a Brigitte Nielsen (ex-mulher do Sylvester Stallone).
    A cantora portuguesa Iei-Or (Maria Manuela dos Santos Alves) faz lembrar a Carmen Sandiego ou uma bruxa com esse chapéu e esse vestido preto.
    A tradução certa do título da canção alemã "Flieger" é "Aviadores" ou "Pilotos", julgo que "Voadores" é demasiado literal e soa pouco natural.
    O casal cipriota parecia tirado de um filme norte-americano da altura ou do anúncio de Gillette daquele ano com o slogan "O melhor para o homem".
    O casal italiano podiam ser tidos como "A bela e o monstro" devido ao contraste das vozes (rouca no caso dele e sensual ao estilo da sua compatriota Mina no caso dela) e ao facto de serem fisicamente muito diferentes.
    A cantora grega foi voz de jingles publicitários, entre eles a versão grega do novo anúncio de Coca-Cola que foi estreado em Março desse ano 1989, "Sensação de viver". Eis a prova: https://www.youtube.com/watch?v=nHkZFfQC6F8
    Um dos guitarristas que acompanhava a cantora finlandesa (o senhor de barba) fazia lembrar o saudoso Paco de Lucía, que levou o flamenco aos quatro cantos do mundo.
    A cantora espanhola Nina fazia lembrar a Whitney Houston, a Tina Turner ou até a Jennifer Rush com esses caracóis "afro".
    O cantor sueco tinha um cabelo ou penteado à Jon Bon Jovi ou Joey Tempest (cantor dos Europe), muito na berra há 30 anos.
    A canção dinamarquesa parecia tirada do filme "Cabaret".
    O cantor britânico fazia lembrar o Michael Bolton, o Paul Young ou o Joe Cocker com essa voz rouca.

    Mais um vídeo, desta vez os bastidores do júri português desse ano na então sede da 5 de Outubro, nomeadamente no Centro de Formação da RTP (12º andar). Era constituido por 16 elementos (8 homens e 8 mulheres) que não tinham qualquer ligação com a música e votavam todas as canções excepto a portuguesa numa escala de 1 a 10, além de um presidente (funcionário da RTP em caso de empate), um secretário (recolhia os boletins de voto) e um notário (da Ordem dos Notários de Lisboa). https://arquivos.rtp.pt/conteudos/juri-do-festival-da-cancao/

    Finalmente, por falar em 1989, podias postar um artigo sobre o filme "Uma mulher de sucesso", com a Melanie Griffith, a Sigourney Weaver e o Harrison Ford? Foi uma "ganda malha" de Hollywood aquele ano e representa muito fielmente o fenómeno social dos "yuppies" (executivos janotas e agressivos com esse ritmo frenético no mundo dos negócios por causa do seu oportunismo).

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  2. Desculpem, nem reparei que o artigo sobre "Uma mulher de sucesso" já tinha sido postado, ninguém é perfeito, quem é que não errou/se enganou alguma vez?

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