Nas suas campanhas publicitárias, a Calvin Klein desde cedo pautava-se pelas suas inovações e transgressões, como por exemplo nos anúncios com uma lindíssima e ainda proibitivamente jovem Brooke Shields em poses sensuais, a ronronar frases como: "Nothing comes between me and my Calvins".
E em 1982, uma fotografia tirada na ilha grega de Santorini pelo fotógrafo Bruce Webber para uma nova campanha mudaria o modo como o mundo veria a roupa interior masculina.
A foto mostrava um modelo encostado a uma chaminé branca, vestindo apenas umas cuecas brancas, de olhos fechados como que a sentir o calor do sol mediterrânico no seu corpanzil bronzeado. Além do bronze do corpo do modelo e do branco da chaminé e das cuecas, a outra cor em destaque é o profundo azul cobalto do céu.
Dos outdoors gigantes em Times Square, às páginas de revistas e às montras das lojas, essa foto espalhou-se pela América e alterou duas ideias estabelecidas.
Uma delas foi a reinvenção da roupa interior masculina, até então sempre vista como um produto baratusco que se comprava aos packs, num objecto de luxo e status. Nos anos 80, em plena era de consumismo desenfreado, onde mais do que nunca, o status de alguém passava pelos produtos que se tinha e pelas marcas que se usava. E não tardou que um par de cuecas Calvin Klein fosse um desses must-haves para os americanos dos anos 80, ainda que um par custasse tanto ou mais que um pack de meia-dúzia de cuecas normais.
Por exemplo, em "The 80's: The Decade That Made Us", a excelente série documental da National Geographic sobre os anos 80, Naomi Campbell conta que quando começou a trabalhar como manequim em Nova Iorque, se havia coisa que os seus amigos em Londres pediam que ela lhes trouxesse de lá, eram cuecas Calvin Klein. E as ditas cujas acabariam por ser enraizadas na cultura pop no filme "Regresso Ao Futuro", quando a personagem de Michael J. Fox viaja ao passado e é acolhido pela família da sua mãe enquanto jovem e esta parte do princípio que ele se chama Calvin Klein porque era o que estava escrito nas cuecas que ele usava.
A outra subversão provocada por essa fotografia foi a forma como pela primeira vez, pelo menos de forma tão mainstream, uma publicidade apresentava um homem como objecto de desejo sexual. O mundo da publicidade já há muito sabia da máxima "sex sells" e já era habitual haver campanhas que apostavam fortemente na sexualização das manequins intervenientes para vender fosse o que fosse. Mas essa campanha da Calvin Klein provou que a máxima também se aplicava revertendo os papéis, colocando um manequim masculino no lugar central, causando desejo nas mulheres e inveja nos homens. E escusado será dizer, além do status, havia também o factor sexual envolvido no objectivo de incitar a vontade de se ter umas cuecas Calvin Klein. Além disso, com o boom dos ginásios e do culto do corpo a ocorrer na mesma altura, ficou claro que para os homens, o sucesso já não passava somente pelo campo profissional mas também na manutenção de um bom aspecto físico.
A partir daí, o tabu da sexualização do homem na publicidade ruiu de vez e surgiram cada vez mais campanhas e anúncio publicitários onde a fasquia da masculinidade era elevada a alturas inacessíveis. Além de que a estética da fotografia foi alvo de várias reinterpretações para outras campanhas e produtos, como por exemplo nos anúncios aos bronzeadores Piz Buin.
Mas quem era afinal o Adónis bronzeado da fotografia? O seu nome é Tom Hintnaus. E a sua história de vida não podia ser mais interessante.
Hintnaus era filho de dois cidadãos checos que decidiram escapar à opressão que começava fazer-se notar cada vez mais no sistema comunista, sobretudo pela rédea curta da União Soviética sobre as suas nações-satélite. Aproveitando o facto de ainda não haver muro de Berlim, Lubomir e Marianne Hintnaus conseguiram chegar à Alemanha Ocidental, pretendendo emigrar para os Estados Unidos. Mas na impossibilidade de viajarem directamente para os States, acabaram por ir para o Brasil. E foi aí que nasceu o seu filho Tomás Valdemar, a 15 de Fevereiro de 1958. Dois anos mais tarde, a família mudou-se finalmente para a América, assentando arraiais na Califórnia.
Foi aí que Tom Hintnaus desenvolveu aptidão para o desporto, acabando por se especializar no salto à vara. Em 1980, o seu progresso era tal que com 22 anos, parecia ter lugar indiscutível na equipa dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Moscovo. Só que ele seria um dos muitos atletas que viram os seus sonhos olímpicos destruídos pelo boicote liderado pelos Estados Unidos aos Jogos da capital soviética, em protesto contra à invasão de tropas da URSS no Afeganistão. Não obstante, Hintnaus prosperou nesse ano, sagrando-se campeão nacional do salto à vara e vencendo a mesma prova no Liberty Bell Classic, uma competição de atletismo para atletas dos países que boicotaram os Jogos Olímpicos de Moscovo que teve lugar em Filadélfia.
Os sonhos olímpicos de Tom Hintnaus tiveram de ser adiados por mais quatro anos, mas para financiar a sua preparação, foi aceitando alguns trabalhos como manequim. E foi um desses trabalhos que o levou até à Grécia e à fotografia que lhe trouxe mais fama do que uma medalha olímpica provavelmente traria.
Se na foto, parecia ser o homem mais confiante do mundo, no já referido documentário da National Geographic, Hintnaus admitiu que não podia estar mais nervoso na altura. Ele confessou que quando viu um modelo sueco de longo cabelo louro com aquelas cuecas vestidas, o seu primeiro pensamento foi "Ainda bem que não sou eu!". Mas logo no instante seguinte, Bruce Webber decidiu que a foto resultaria melhor com um manequim moreno e ordenou que fosse Tom Hintnaus a vestir as ditas cuecas. Webber deitou-se todo no chão para conseguir o ângulo contrapicado da fotografia e o resto foi história.
Mas apesar de todo o furor causado pela foto que protagonizou, Tom Hintnaus deu prioridade à sua carreira como atleta. Em 1983, optou por representar o Brasil, seu país de nascença, e foi de verde e amarelo que nesse ano foi quinto nos campeonatos do Mundo e ganhou a medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos. E foi pelo Brasil que por fim competiu nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984, onde teve a infelicidade de não conseguir nenhum salto válido na final. No ano seguinte, em Zurique, Hintnaus fez a sua melhor marca pessoal, 5,76m, que permaneceu durante 22 anos como recorde sul-americano.
Actualmente Hintnaus reside no Hawaii, onde está ligado à direcção desportiva e ainda compete no circuito de veteranos. Participou também num episódio da série "Hawaii Five-0".
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