segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Não Se Esqueça Da Escova De Dentes - parte 2 (1995-1996)

por Paulo Neto

O David Martins já falou aqui sobre este célebre programa da SIC que marcou a televisão dos anos 90. Mas sendo um programa tão mítico e cheio de situações surpreendentes, merece ser abordado de novo aqui na Enciclopédia.



"Não Se Esqueça Da Escova De Dentes" era uma adaptação de um original britânico, "Don't Forget Your Toothbrush", foi exibido na SIC em duas temporadas entre 1995 e 1996, apresentado por Teresa Guilherme, assistida por Humberto Bernardo e por vezes também por uma petiza chamada Patrícia Calado que não devia ter mais de dez anos. Até então, embora já tivesse anteriormente apresentado concursos na SIC como "Labirinto" ou "Destino X", foi este programa que afirmou Teresa Guilherme como apresentadora de entretenimento já que então ainda era mais conhecida pelos talk-shows "Eterno Feminino" e "Olha Que Dois" na RTP e "E O Resto É Conversa" já na SIC.




O título aludia ao facto de um dos objectos mais esquecidos em casa quando se vai de viagem é a escova de dentes. O prémio final era portanto uma viagem, que qualquer um dos pares concorrentes presentes na assistência (com escovas de dentes nas mãos) estavam habilitados a ganhar na recta final do programa. Consoante o êxito ou o fracasso dos concorrentes no quiz final, estes seguiam directamente viagem numa limusina ou para um cobiçado destino internacional ou para uma localidade portuguesa de nome semelhante (por exemplo: Rio de Janeiro ou Rio Maior, Seychelles ou Seixal, Costa Rica ou Costa da Caparica). Era recorrente ao longo do programa, Teresa Guilherme perguntar à audiência "Para onde querem ir?" ao que respondiam em uníssono o destino paradisíaco, para depois TG perguntar "Para onde é que não, não querem ir?" e a resposta unânime era o destino nacional. Por aquilo que eu recordo, acho que só por duas vezes é que o par contemplado acabou por viajar em solo nacional.




Mas obviamente que em cada semana, até chegar a esse quiz final, tudo podia acontecer. Aliás outro gag recorrente do programa era Teresa Guilherme surgir em palco em cada programa de uma forma diferente: de pára-quedas, de tractor, numa empilhadora, num carro de bombeiros, numa marcha popular, no trenó do Pai Natal e por aí fora.

Claro está, o momento mais icónico do programa foi aquele em que um jogo onde os concorrentes tinham de tirar uma peça de roupa em jeito de leilão com a melhor oferta a levar uma mala com 300 contos (cerca de 1500 euros) terminou com dois homens completamente nús e uma mulher em topless. Uma situação que espantou toda a produção sobretudo Teresa Guilherme, que viria a declarar mais tarde que nem na mais mirabolante das hipóteses imaginou que a ousadia dos portugueses iria chegar a tal ponto. Até porque segundo a mesma, na versão britânica do concurso, a vitória nesse jogo e o máximo da ousadia tinha ido para uma mulher que tinha retirado o soutien sem despir a camisa. A partir daí, depois de transposta essa barreira tão nua e crua, surgiram mais jogos ao longo das duas temporadas onde outros concorrentes também se viram em pelota para ganhar algum prémio. Podem ler AQUI as palavras de Teresa Guilherme na primeira pessoa sobre esse famoso episódio. 

Além do quiz final, a rubrica mais recorrente do programa era o quiz Superfan, onde o convidado musical de cada programa competia com um dos seus maiores fãs. A maioria das vezes os fãs acabavam por saber mais coisas dos ídolos que os próprios. Outro hábito do programa era o convidado musical cantar duas canções: uma do seu repertório e uma versão de uma canção que não a sua. Recordo-me sobretudo de Simone De Oliveira ter-se atirado ao "Without You" de Harry Nilsson, na altura repopularizado por Mariah Carey. E no YouTube, temos Carlos do Carmo a dar uma de Sinatra e a interpretar "I've Got You Under My Skin". De referir ainda que nos coros da banda residente do programa liderada por Armindo Neves, estavam uns ainda pouco conhecidos Beto e Lúcia Moniz (esta alternando com Fernanda Lopes).

Outro gag recorrente do programa consistia em destruírem objectos muito queridos de alguns concorrentes como mobílias, instrumentos musicais ou até carros para no fim oferecerem uns substitutos novinhos em folha. Mas como conta Teresa Guilherme no seu livro "Isso Agora Não Interessa Nada", que reúne as suas crónicas para a revista TV Guia sobre memórias e segredos por detrás programas que produziu e apresentou, uma dessas situações foi particularmente dramática: um Sr. Asdrúbal hesitava bastante em aceitar o desafio de poder vir a perder o seu querido barco que tinha o nome dos filhos e só a muito custo aceitou, para no fim ver o seu barco acabar à machadada e afundado no lago do Campo Grande. O que o Sr. Asdrúbal e os telespectadores não sabiam é que o afundamento do barco tinha acontecido em diferido, antes da gravação do programa, partindo do princípio que a aceitação do desafio era garantida. Mas ao ver aflição do homem, a produção percebeu que tinha ido longe demais. Não só o Sr. Asdrúbal ganhou um barco novinho em folha como, arrependida da amargura dessas favas contadas, Teresa Guilherme fez questão em mandar restaurar o antigo.

Recordo-me também de um programa feito ao contrário que começou com todos a cantarem a música do final do programa e acabou com uma das entradas de Teresa Guilherme, sendo que pelo meio todos os concorrentes acabaram por ganhar uma viagem além de vários jogos feitos ao contrário do que era habitual. Houve também outro programa tipo "Ponto de Encontro" onde para além de prémios, promoveu-se o reencontro entre concorrentes e seus ente-queridos afastados pela distância, culminando num reencontro entre Sara Tavares, a convidada musical dessa semana, e o seu pai, radicado nos Estados Unidos, que já não via há largos anos.

Mas para mim, o momento mais bizarro de sempre do programa não envolveu ninguém a tirar a roupa mas sim gente que vestiu outra pele. Foi no episódio especial de Natal com um jogo que reunia oito concorrentes com nomes de figuras do presépio: um José, uma Maria, um Jesus, um Gaspar, um Baltasar, um Belchior e duas senhoras de apelido Ovelheira e Vacas. Primeiramente estas pessoas foram convidadas a vestir alguns adereços para formar um presépio vivo e depois reunidas para jogar um jogo em que tinham de apanhar uma enorme bola azul de borracha, a simbolizar o espírito de Natal. Quem ficasse com a bola ao fim de noventa segundos ganharia uma viagem a Belém, no estado do Pará no Brasil. Mas o que aconteceu a seguir foi surreal. Assim conta Teresa Guilherme no livro "Isso Agora Não Interessa Nada" sobre esse episódio:

"Só que não foi só o relógio que arrancou. Do outro lado do estúdio, as figurinhas do presépio também arrancaram na minha direcção, com esgares pouco natalícios. Eu, receando ser trucidada, escapei-me do palco.
A bola, que no ensaio tinha resistido a tudo e a todos, nas mãos da sagrada família não durou um segundo. Rebentou e dividiu-se em vários pedaços de borracha, esses sim, a roçarem o indestrutível. E o quadro que era para encher os nossos corações de amor, encheu o palco de pancada. 
Nossa Senhora batia no Menino Jesus para lhe arrancar um bocado de borracha azul. Belchior e Gaspar, os reis magos, pegaram-se numa real tareia com golpes de judo à mistura, enquanto seguravam com uma força sobre-humana o mesmo pedacinho de borracha. E, horror dos horrores...Baltazar arrastou S. José pelas barbas, de um lado ao outro do palco, porque o pai do Menino Jesus tinha mordido um bocadinho de bola, a que o rei mago queria também ferrar o dente. (...) 
No fim dos noventa segundos, muito a contragosto, lá resolvi a questão. Como castigo, ninguém deveria ter ido viajar, mas como era Natal todos ganharam uma semana em Belém do Pará. Um bicho do presépio, que até não se tinha portado tão mal, deu o toque natalício final a este quadro de horror, arrancando-me o microfone da mão e, quase num grito de guerra, disparou: "É a primeira vez na minha vida que não me importo de me chamar Vacas!" Era o bafo quente que nos faltava para aquecer o Natal do nosso descontentamento..."






Pelos vistos nem mesmo o espírito natalício conseguia refrear o espírito competitivo dos portugueses. 

Como também é sabido, no final de cada programa (excepto aquele já referido que foi feito de trás para a frente), TG, Humberto Bernardo, o convidado musical, os cantores da banda e todos na assistência cantavam a uma só voz o tema do concurso, que era uma adaptação do tema "Angel Eyes" dos ABBA. Eis aqui a letra para recordar: 

São férias para quem quiser.
São férias, aaaah!

Foi bom o programa das viagens
Da loucura, das imagens,
Das partidas, das miragens, 
Das perguntas que nos fazem confusão
Venha cá, com a escova
E o passaporte sempre à mão
Vai saber se o destino é bom ou não...

Com a escova de dentes vai
Malas, passaporte, e sai
Seja Bali ou Beja, Aveiro ou Hawai.
Com a escova de dentes vai
Malas, passaporte, e sai
Ora vou-me embora
Adeus, bye-bye

Foi bom o programa da loucura,
Da alegria e da ternura,
Do fascínio, da lonjura,
Onde o sonho é aventura de amanhã
Escutou boa música e o duelo que animou
Ahaa, convidado e super-fã.

Com a escova de dentes vai
Malas, passaporte, e sai
Seja Bali ou Beja, Aveiro ou Hawai.
Com a escova de dentes vai
Malas, passaporte, e sai
Ora vou-me embora
Adeus, bye-bye

Promos ao programa (1995)







Excertos de programas:









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