sábado, 28 de fevereiro de 2015

Festival da Canção de 1985

por Paulo Neto



Eu inicialmente pretendia escrever somente sobre a canção com que Adelaide Ferreira venceu o Festival da Canção de 1985, uma vez que a cantora natural de Minde vai regressar este ano ao Festival da Canção (assim como a histórica Simone de Oliveira). Mas entretanto na passada sexta-feira, a rubrica "Mixórdia de Temáticas" da Rádio Comercial abordou precisamente essa edição do Festival da Canção, da qual foi "criado" o movimento #UmbadaNeverForget, referindo-se obviamente a uma das canções mais míticas do certame desse ano. 
E como tal, impõe-se uma análise mais detalhada ao 22.º Festival da Canção, que teve lugar no Coliseu dos Recreios. Foi, como é hábito, no dia de aniversário da RTP, 7 de Março, e apresentado por Margarida Andrade, Eládio Clímaco e Fialho Gouveia.


Foram onze as canções em concurso. A meu ver, cinco delas destacam-se por entre o resto por diversos motivos, pelo que primeiro vou falar das restantes seis por ordem numérica.


Eduarda, Gustavo Sequeira, Jorge Silva, Alexandra, Nelo Silva e Luís Filipe

- A canção n.º 1 "Meu Amor, Minha Dor, Meu Jardim" interpretada por Eduarda, conseguiu o segundo lugar, se bem que sem nunca ameaçar a eventual vencedora. Eduarda pode assim inscrever-se ao grupo de cantores de um nome só, que tiveram o seu único momento de glória nos Festivais das Canções dos anos 80 (Isa e Joana em 1982, Sofia e a já aqui imortalizada Tessa em 1983, Marisa em 1984, Néné e Glória em 1987...) Apesar do resultado, a verdade é que a actuação é mais memorável pelas ostensivas mangas de balão envergadas por Eduarda do que pela canção em si. Por entre o coro, destaque para uma Isabel Capelo pré-Vitinho.
- Assim de repente o nome Gustavo Sequeira pouco pode dizer a muitos. Mas a sua voz é muito mais conhecida do que possam pensar, já que ele cantou inúmeros míticos jingles publicitários. Por exemplo, foi Gustavo Sequeira que nos cantou que Gilette é o melhor para o homem e que é selvagem dar uma dentada em Lion. Gustavo foi o intérprete da canção n.º 2 "Mágica (Entre Nós)" que ficou no oitavo lugar.
- Voltamos à jardinagem com Jorge Silva e a canção n.º 3 "Portugal Meu Jardim". Envergando umas magnificas calças de napa e um blazer vermelho, Jorge Silva louvou as belezas do nosso país. A acompanhá-lo esteve um coro de cinco vozes, sendo que se nota que o único membro masculino está um pouco comprometido no meio de tanta mulherada, daí que se atrapalhasse de vez em quando com a coreografia.
- Alexandra já não era uma novata nestas andanças pois já era a sua quarta participação no Festival depois de ter marcado presença em 1979, 1982 e 1983. Desta vez para interpretar a canção n.º 4 "Cantar Saudade" que ficou em sexto lugar, a popular cantora cujo nome de nascimento é Maria José Canhoto (não é de admirar que tenha optado pelo stagename Alexandra) optou por um look um tanto andrógino com um macacão branco com capa.
- Nos anos 90, Nelo Silva seria conhecido pelo grande público graças à dupla musical que formaria com a sua filha Cristiana, se bem que os seus hits mais famosos não eram propriamente sobre amor filial. Mas em 1985, era um ilustre desconhecido, ficando-se pelo nono lugar com a canção n.º 6 "Entre o Céu e o Mar". Tal como o outro Silva, Nelo apostou fortemente na napa.  
- Por seu turno, o cantor madeirense Luís Filipe teve o auge da sua carreira na década de 80 e era um dos rostos mais conhecidos desta edição. Impecavelmente vestido com um smoking, cantou a canção n.º 7 "Mulher Só (Mulher Giesta)".

E agora eis-nos chegados às cinco canções mais marcantes do Festival da Canção de 1985.





- E começamos pelo fim, com a última canção a ser interpretada e aquela que tinha uma vertente mais pueril, "Malmequer, Sim Ou Não" do trio Aguarela. Enquanto de Manuel Loureiro, o terço masculino do grupo trajado de jardineiras, pouco ou nada se recorda, as duas parcelas femininas iriam tornar-se sobejamente conhecidas: Paula Fonseca (de saia amarela) deixaria a sua marca na programação infantil da RTP, primeiro como Dalola, a namorada do lendário Lecas e depois como protagonista de "Os Segredos de Mimix"; e a de saia verde era nada menos que Vanda Pereira, que hoje todos os portugueses reconhecem sob o nome Wanda Stuart (e respectiva melena azul).




- Os irmãos Nuno e Henrique Feist são hoje nomes consagrados do panorama artístico nacional. Inclusivamente, Henrique Feist ficará para a história da cultura pop tuga como o nosso Songoku. Mas os dois irmãos foram uns autênticos meninos prodígios (Henrique já tinha sido o "Carlitos" do lendário hit cromo de 1983 de Fernando Correia Marques) e com apenas 12 e 13 anos, subiram ao palco para interpretar como gente grande a canção n.º 8 "Meia de Conversa" que ficou em terceiro lugar. Se tivessem ganho, seriam dos mais jovens intérpretes que alguma vez participaram na Eurovisão, que desde 1990 restringe a sua participação a maiores de 16 anos.




- Ficaram em último lugar, mas era ainda o princípio de um caminho de felicidade para os Delfins. Na altura, a banda de Miguel Ângelo dava os primeiros passos, já se notando em temas como "A Baía de Cascais" e a sua versão de "O Vento Mudou". Mas para o Portugal de 1985, a sua proposta neo-romântica "A Casa da Praia" era muito à frente e foi fustigada pelos júris. Mas nos anos seguintes, os Delfins rumavam a um sucesso sem precedentes que culminou em meados dos anos 90.




- E eis a canção de que se tem falado e cujo facto de não ter ido além do quarto lugar aparentemente deixou um amargo de boca a gente como Ricardo Araújo Pereira. Por exemplo, recentemente no programa "A Barca do Inferno", Marta Gautier revelou que utiliza esta canção como mantra. Jorge Fernando é hoje conhecido sobretudo pelo seu trabalho na área do fado onde deu os primeiros passos, mas nos anos 80, a sua carreira passeou por sonoridades mais pop, da qual precisamente "Umbadá" é a principal referência. Num dos episódios da "Caderneta de Cromos", Nuno Markl foi exímio em dissecar todos os ingredientes que fazem desta uma canção tão brilhantemente croma, mas nunca é de mais referir que o trio que acompanhou Jorge Fernando com a sua incrível coreografia merecerá um bom quinhão do mérito.





- Mas nenhuma das dez canções conseguiu competir com a monumental powerballad "Penso Em Ti (Eu Sei)" interpretada por uma Adelaide Ferreira com um não menos monumental penteado. Adelaide já tinha participado no Festival da Canção do ano anterior com "Quero-te, Choro-Te, Odeio-te, Adoro-te" onde ganhara o prémio de melhor interpretação e ainda em 1984, tinha alcançado a melhor classificação de sempre de Portugal no Festival da OTI, ao ficar em segundo lugar com "Vem No Meu Sonho", indícios de que a intérprete de "Baby Suicida" e "Trânsito" iria converter-se na rainha nacional das powerballads. Pessoalmente, dentro do repertório baladeiro de Adelaide Ferreira, "Penso Em Ti (Eu Sei)" é o meu tema preferido.






Para o videoclip de promoção, e da mesma forma como em 1984 Maria Guinot protagonizou um thriller psicológico na Madeira, Adelaide esteve no centro de uma intriga amorosa nos Açores, onde a vimos a passear por entre as furnas, a andar de cavalo na praia e a correr assustada com um casaco de pele aos ombros. (E decerto que aquele que fez de amante de Adelaide Ferreira no videoclip devia ser dos poucos portugueses que depilavam o peito em 1985).



Infelizmente, no Festival da Eurovisão desse ano em Gotemburgo na Suécia, uma vez mais Portugal não foi feliz. Aliás, esse ano penalizou bastante as baladas (por exemplo, a diva espanhola Paloma San Basilio não conseguiu muito melhor para o país vizinho), com os júris europeus a preferirem músicas mais animadas, como a canção da Noruega que acabaria por vencer, "La Det Swinge" do duo Bobbysocks. Portugal esteve quase sempre apenas com os dois pontos da Turquia, mas durante a votação da último país, a Grécia deu-nos sete pontos que nos permitiu escapar ao último lugar.
Mas apesar disso, Adelaide Ferreira não passou despercebida, pois foi considerada a intérprete com melhor guarda-roupa graças ao vestido de mega enchumaços e franjas nos ombros assinado por José Carlos. Uma distinção que só poderia mesmo acontecer em 1985.

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