Este ano pela primeira vez, o Festival da Eurovisão vai-se realizar em Portugal, e para comemorar nos próximos meses, vamos recordar nada menos que três edições passadas do certame.
Desta vez, recuamos trinta anos até 1988 para o 33.º Festival da Eurovisão que teve lugar em Dublin, em virtude da terceira vitória da Irlanda no ano transacto. No dia 30 de Abril de 1988, Pat Kenny e Michelle Rocca apresentaram o evento no RDS Simmonscout Pavillion.
Pat Kenny e Michelle Rocca |
21 países competiram, sendo que Chipre não participou porque veio-se a descobrir a canção seleccionada "Thimame", interpretada por Yannis Dimitrou, já tinha participado na pré-seleccão daquele país em 1984, quebrando pois as regras da Eurovisão. A canção cipriota já estava sorteada para ser a segunda a actuar e chegou a ser incluída num disco com todas as canções concorrentes editado na Noruega.
A RTE, a televisão irlandesa, levou a cabo uma produção moderna com um grande palco e um quadro de votações computorizado exibido em dois grandes videowalls. O grupo rock irlandês Hothouse Flowers foi a actuação do intervalo. Antes de cada actuação, foram emitidas imagens dos diferentes cantores concorrentes a explorar vários sítios da Irlanda. Margarida Mercês de Melo fez os comentários para a RTP e Maria Margarida Gaspar foi a porta-voz dos votos do júri português.
Como habitualmente, iremos recordas as canções participantes em ordem inversa à classificação.
Wilfried (Áustria) |
Alguém tem de sempre ficar em último lugar e nesse ano a lanterna vermelha acabou por ir à Áustria que não recebeu qualquer ponto. Wilfried Scheutz cantou "Lisa Mona Lisa", onde comparava a sua amada à mulher do quadro mais famoso do mundo devido à sua aura de mistério. Porém não conseguiu convencer os europeus. Activo na música desde 1973, este foi o mais notório ponto da carreira de Wilfried, que faleceu de cancro em 2017.
Boulevard (Finlândia) |
Três pontos de Israel salvaram a Finlândia de se juntar à Áustria na amargura do último lugar. O grupo Boulevard tinha acompanhado a cantora Vicky Rosti na participação finlandesa do ano anterior e agora queriam provar o seu próprio valor com a canção "Nauravat silmät muistetaan" ("lembrando uns olhos risonhos"). Os Boulevard terminaram em 1994.
Portugal e Bélgica repartiram o 18.º lugar com cinco pontos. Joseph Reynaerts ou simplesmente Reynaert foi o representante belga com a canção "Laissez briller le soleil", mas o brilho só chegou até França, o único país a pontuar a Bélgica. Actualmente Reynaert é o director do Centro Cultural de Soumagne.
Dora (Portugal) |
Dois anos depois, Dora voltava a representar Portugal na Eurovisão. Desta vez, em vez do lendário look arrojado com que se apresentou para cantar "Não Sejas Mau P'ra Mim", ela apresentou-se com um look mais elegante para cantar "Voltarei", canção escrita por José Niza e José Calvário, dupla autora de duas das mais míticas canções portuguesas eurovisivas: "A Festa da Vida" e "E Depois Do Adeus". Dora foi acompanhada nos coros por cinco cantores estrangeiros, ao que constava habituados a fazer coro para artistas internacionais como Sade Adu, mas a prestação ao vivo não resultou da melhor maneira. Além disso, a versão de "Voltarei" apresentada em directo era algo diferente daquela que os portugueses conheciam do videoclip de apresentação. Feitas as contas, Portugal obteve somente 4 pontos de Espanha e 1 da Grécia.
Pouco tempo depois, Dora mudou-se para o Brasil onde ficaria vários anos, tendo voltado a Portugal no início deste século. Desde então, tem continuado activa nas lides musicais, de espectáculos no Casino Estoril à participação em "Na Tua Cara Não Me É Estranha". Em 2017, integrou o júri do Festival da Canção.
Afroditi Frida (Grécia) |
A Grécia ficou em 17.º lugar com 10 pontos. Interpretada por Afroditi Frida, o título da canção grega não deixava dúvidas quanto ao tema "Clown", que falava através do ponto de vista de um palhaço que tem de ser positivo mesmo quando não tem vontade de ser. Afroditi apresentou-se em palco com três cantores de coro e, claro, uma palhaça sapateadora chamada Amanda. Foi uma actuação algo bizarra e ao que parece, na final nacional grega o júri terá declarado que nenhuma das canções a concurso tinham qualidade para representar o país. Se isto foi o menos mau que havia, nem imagino o resto.
A Islândia foi o primeiro país a actuar, tendo ficado em 16.º lugar com 20 pontos. Stefan Hilmarsson e Sverrir Stormsker actuaram sob o nome de Beat-Hoven com o tema "Þú Og þeir " ("tu e eles"), alternativamente intitulado "Sokrates". Na canção, Stefan e Sverrir enumeram alguns dos seus ídolos como Debussy, Tchaikovsky, Beethoven, Sigmund Freud, John Wayne, Mark Twain, Michael Caine, sem esquecer notáveis islandeses como o poeta Einar Bendiktsson, o malogrado primeiro-ministro Gunnar Thoddsen e até o campeão de "World Strongest Man" Jon Pall Simarsson. Porém o refrão é reservado para Sócrates (o filósofo grego, claro está) a quem chamam de "o Hércules da alma". Stefan voltaria a participar na Eurovisão em 1991, desta vez formando dupla com Eyfi Kristjansson.
MFÖ (Turquia) |
Maxi & Chris Garden (Alemanha) |
A Alemanha foi representado pelo duo de mãe e filha, Maxi e Chris Garden, cada uma no seu piano a cantar em uníssono "Lied fur einen Freund" ("canção para um amigo"). Maxi tinha na altura apenas 13 anos, sendo uma das mais jovens participantes de sempre na Eurovisão. A canção alemã ficou em 14.º lugar com 48 pontos. Maxi Garden é actualmente actriz de musicais, actuando na Alemanha e Áustria sob o seu verdadeiro nome Meike Gärtner e também tem formação como pintora.
Luca Barbarossa (Itália) |
A Itália ficou em 12.º lugar com 52 pontos. Nesse ano foi representada por Luca Barbarossa com o tema "Vivo (Ti scrivo)". Curiosamente, foi a primeira de apenas duas canções italianas eurovisivas que não receberam quaisquer pontos de Portugal até hoje. Activo desde o início dos anos 80, Barbarossa continua a ter uma carreira musical de grande sucesso em Itália. Em 1992, venceu o Festival de San Remo.
Tommy Körberg (Suécia) |
Com a mesma posição e os mesmos pontos ficou a Suécia. Tommy Körberg regressava ao Festival da Eurovisão depois de já ter representado o seu país no então já distante ano de 1969. Em Dublin, cantou a balada "Stad i Ljus" ("cidade de luz", mas eu sei que apetecia que fosse um tributo sueco ao estádio do Benfica), acompanhado do trompetista Urban Agnas.
La Década Prodigiosa (Espanha) |
A Espanha ficou em 11.º lugar, representada por um grupo que então fazia sucesso no país vizinho, La Década Prodigiosa. A canção chamava-se "La chica que yo quiero", acrescentando depois o subtítulo "Made in Spain" e era um tributo à mulher espanhola. O tema era orelhudo e bem eighties e conseguiu 58 pontos. Com uma formação sempre renovada, o projecto La Década Prodigiosa continua até hoje (o último disco é de 2015).
Gérard Lenorman (França) |
A canção da França chamava-se "Chanteur de charme" e quem melhor para cantar que um dito cujo? Gérard Lenorman fazia carreira como cantor romântico desde 1969 e a canção era um tributo semi-subversivo aos temas que cantava, cheios de clichés e histórias inventadas, mas que no fundo de vez em quando sabem bem ouvir. Graças aos 12 pontos da Jugoslávia, o último país a votar, a França alcançou o 10.º lugar com 64 pontos.
Gerard Joling (Holanda) |
Em nono lugar com 70 pontos ficou a Holanda, representada por um dos seus cantores mais populares Gerard Joling e o tema "Shangri-La". Uma das cantoras do coro, Justine Pelmelay, seria a representante holandesa no Festival do ano seguinte. Em 1989, Gerard Joling obteve um sucesso internacional com "No More Boleros" e tem sido desde então bastante activo na música e na televisão holandesa. Em 2009, esteve para regressar à Eurovisão como membro do grupo De Toppers, mas acabou por não ir ao ter partido o braço a esquiar. Joling tem uma estátua de cera no Museu Madame Tussaud's de Amesterdão, que eu já visitei.
A Irlanda, o país anfitrião, fez-se representar pelo grupo Jump The Gun e o tema "Take Him Home", que apelava ao auxílio dos mais desfavorecidos. A canção irlandesa agradou especialmente ao júri de Espanha que lhe atribuiu 12 pontos, somando no total 79 pontos e o oitavo lugar.
Yardena Arazi, a representante de Israel, era já uma veterana destas andanças, pois não só já tinha representado o seu país em 1976 como parte do grupo ChocolateMentaMusik como foi uma das apresentadoras do Festival da Eurovisão de 1979 realizado em Jerusalém. O seu tema "Ben Adam" ("ser humano") tinha influências balcânicas, começando num ritmo lento mas terminando com o refrão acelerado. Reza a lenda que Arazi, conhecida pelas suas superstições, consultou uma astróloga antes da sua participação que lhe disse que iria a ganhar a canção que iria actuar em nono lugar. Israel era o país que tinha sido sorteado para ser o nono a actuar mas com a desistência de Chipre, acabou por ser o oitavo país a actuar, ficando no 7.º lugar com 85 pontos. Mas a astróloga estava certa: ganhou de facto o país cuja canção foi a nona a actuar.
Srebrna Krila (Jugoslávia) |
A Jugoslávia foi o país que fechou o desfile das canções e fê-lo em alta, com o animado tema "Mangup" ("malandro") interpretado pelo grupo croata Srebrna Krila ("asas prateadas"). O grupo tinha sido formado em 1978 tendo como vocalista Vlado Kalember, o representante jugoslavo de 1984. Porém, em 1988 a vocalista era Lidija Asanovic que cantava sobre um tal "malandro" que não reparava nela...No fim das votações, a Jugoslávia foi sexta com 87 pontos. Lidija Asanovic deixou a banda no ano seguinte mas com diversos vocalistas, os Srebrna Krila continuaram até 2000 tendo regressado em 2012.
No ano seguinte, pela terceira vez consecutiva, este país levou um grupo pop-rock croata com vocalista feminina e o resultado e à terceira seria de vez...
A jovem Karoline Krueger de 18 anos foi a representante da Noruega cantando "For var jord" ("pela nossa Terra") ao piano, obtendo o 5.º lugar com 88 pontos. A autora da letra era Anita Skorgan, uma das mais populares cantoras norueguesas e representante do país na Eurovisão em 1977, 1979, 1982 e 1983. Karoline Krueger continua activa na música e em 2013, obteve particular sucesso no seu país com um disco e uma série de concertos de Natal com o seu marido Sigvart Dagsland, que era um dos membros do coro nesta actuação.
O Luxemburgo foi representado por uma cantora belga, filha de mãe italiana e que viria mais tarde a obter também nacionalidade canadiana. Essa cantora era nada menos que Lara Fabian, que obteria grande sucesso internacional a partir de finais dos anos 90, mas que na altura com 18 anos, dava os seus primeiros passos na sua carreira. Em Dublin, Lara cantou "Croire", uma sentida balada, que valeu ao grão-ducado o quarto lugar com 90 pontos (12 pontos de Finlândia, Irlanda e Suíça). Hoje em dia, Lara Fabian tem já uma longa e bem-sucedida carreira. Em Portugal, o seu primeiro álbum em inglês foi n.º 1 do top nacional em 2001, sobretudo por causa do tema "Love By Grace", incluído na telenovela brasileira "Laços de Família".
O duo Hot Eyes, formado por Kirsten Sigaard e Soren Bundgaard, representava a Dinamarca pela terceira vez, depois de 1984 e 1985. Tal como em 1984, Kirsten actuou grávida mas se quatro anos antes o seu estado de graça passou despercebido em palco, em 1988 ela actuou ostentando o seu estado avançado de gravidez, havendo até alguns receios que ela pudesse mesmo dar à luz naquele dia (viria a fazê-lo três semanas mais tarde). O tema chamava-se "Ka' du se hva' jeg sa?" ("não vês que foi o que eu te disse?") e não se pense que a gravidez de Kirsten roubou todas as atenções, pois a bailarina Cita de Friis rodopiou por todo o palco com uma falsa guitarra ao longo da canção, efectuando um gag final em que simulou atirar a guitarra para a orquestra atingindo o maestro Henrik Krogsgaard. No final, o duo obteve o seu melhor resultado da sua trilogia de participações, com o 3.º lugar e 92 pontos.
Mas a luta pela vitória fez-se desde logo entre o Reino Unido e a Suíça que disputaram taco-a-taco. A Suíça foi liderando ao princípio mas ao fim de dois terços de votações, a liderança passou para as cores britânicas e parecia que a velha Albion iria obter o seu quinto triunfo. Faltando apenas os votos jugoslavos, o Reino Unido ainda ia na frente com 136, mais cinco que a Suíça. Mas a Jugoslávia não deu quaisquer pontos à canção britânica e deu seis pontos à Suíça, que permitiu conquistar o ceptro por apenas um ponto.
O escocês William McPhail, mais conhecido pelo seu stagename Scott Fitzgerald, conhecera algum sucesso nos anos 70 durante a era do glam-rock, tendo-se destacado sobretudo pelo tema de 1978 "If I Had Words" em dueto com Yvonne Keeley. A sua participação na Eurovisão em 1988 pelo Reino Unido foi um breve renascer da carreira, com o tema "Go", uma emotiva balada que aludia ao provérbio "gato escaldado de água fria tem medo", pois Fitzgerald cantava sobre o reencontro com uma paixão antiga da qual levou muito tempo a recuperar e por isso, pede que ela se vá embora antes que haja mais estragos.
Céline Dion (Suíça) |
33 anos após ter ganho a edição inaugural do Festival da Eurovisão em 1956, a Suíça conseguia por fim a sua segunda vitória no certame na voz de uma jovem canadiana de vinte anos de seu nome Céline Dion. Sim, a diva baladeira que viria a fazer furor nos anos 90 com hits esmagadores como "Think Twice" e "My Heart Will Go On" representou as cores helvéticas em 1988 e é a par dos ABBA um dos nomes mais ilustres da galeria de vencedores da Eurovisão. (Durante algum tempo, eu cheguei a pensar que ela era mesmo suíça). Na altura, Céline era já bastante conhecida nos países francófonos mas este foi o seu primeiro grande triunfo à escala europeia. Em Dublin, interpretou o tema "Ne partez pas sans moi" ("não partam sem mim") e se o seu conjunto branco de saia e casaco com que se apresentou em palco foi bastante criticado, a sua voz e interpretação selaram o triunfo.
(Nos comentários para a RTP, Margarida Mercês de Melo referia que Dion "apesar de não ser bonita, tem muita força interior. Tem boa voz e algo que de certa forma nos faz recordar Piaf."). No documentário "Behind The Music" que a VH1 lhe dedicou, Dion e o seu marido René Angelil confessaram que foi nessa noite em Dublin, após os festejos da vitória, que deram o seu primeiro beijo e que a relação de ambos passou a algo mais que a de agente/mentor e artista/pupila.
Céline Dion com os autores da sua canção: Atila Sereftug e Nella Marinetti |
(Nos comentários para a RTP, Margarida Mercês de Melo referia que Dion "apesar de não ser bonita, tem muita força interior. Tem boa voz e algo que de certa forma nos faz recordar Piaf."). No documentário "Behind The Music" que a VH1 lhe dedicou, Dion e o seu marido René Angelil confessaram que foi nessa noite em Dublin, após os festejos da vitória, que deram o seu primeiro beijo e que a relação de ambos passou a algo mais que a de agente/mentor e artista/pupila.
Mesmo longe do auge da sua carreira, Céline Dion continua a actuar e mantém uma legião de fãs por todo o mundo.
Festival da Eurovisão de 1988
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Excelente "review" sobre a Eurovisão de 1988. Mas aproveitando a história da Céline Dion ter tido o seu primeiro beijo na noite da vitória, quero acrescentar um dado que a própria Lara Fabian deu a conhecer num programa canadiano recente. A cantora partilhou que durante a semana de ensaios em Dublin, o cantor Irlandês Roy Taylor do grupo Jump The Gun, se encantou por ela e ambos se apaixonaram. Com o nascer deste relacionamento, a Lara viveu na Irlanda durante o resto do ano de 1988, mas o conto de fadas acabou por terminar. A cantora afirmou no programa "La Vraie Natur" do canal franco-canadiano TVA, que na noite anterior à atuação final, ambos os artistas "pouco ou quase nada dormiram", como resposta à pergunta do apresentador, "como foi a sua primeira vez?". E para bom entendedor ... Continuação de bom trabalho no blog. Nuno Simões
ResponderEliminarPor acaso não sabia essa, Nuno. Mas a Lara não ficaria por aí quanto a namorar cantores que passaram pela Eurovisão, já que ela também namorou com Patrick Fiori, que representou a França em 1993.
ResponderEliminarNo caso do Fiori, foi uma relação lamentável, não por causa de ambos (ambos estavam apaixonados e nunca esconderam isso de ninguém) mas porque serviu de jeito ao escrutínio dos media franceses (ou como eles mesmo chamam em sotaque francês "La Presse People").
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