por Paulo Neto
Dez anos depois, Dublin voltou a receber o Festival da Eurovisão. A 26.ª edição do evento teve lugar na capital irlandesa, no RDS Simmonscourt a 4 de Abril de 1981. As dimensões do recinto, que costumava receber certames hípicos e agrícolas, proporcionou a criação de três áreas no palco: uma para as atuações, outra para a orquestra e outra para o quadro das votações, conduzidas pela apresentadora Doireann Ni Bhriain.
Este foi o primeiro Festival da Eurovisão da minha existência, já que nasci seis dias depois da edição do ano anterior.
Vinte países participaram, com destaque para a estreia de Chipre e os regressos de Israel e da Jugoslávia, enquanto Itália ficou de fora e Marrocos não mais regressou após a sua única participação no ano anterior. Antes da actuação de cada canção, foi exibido um breve filme dos respectivos intérpretes a descobrirem por vários recantos de Dublin. (Por exemplo, o nosso Carlos Paião e o seu coro foram passear num jardim.) No intervalo entre as actuações e as votações foi exibido um número de bailado chamado "Timedance", dedicado à música e dança tradicional irlandesa.
Os comentários da RTP estiveram a cargo de Eládio Clímaco e a porta-voz dos votos de Portugal foi Margarida Mercês de Melo (então conhecida como Margarida Andrade).
Como é habitual, analisaremos as canções por ordem inversa à classificação.
Finn Kalvik (Noruega) |
Nesse ano, a fava calhou à Noruega que ficou em último lugar, corrida a zeros. Finn Kalvik cantou "Aldri I Livet" ("nunca na minha vida") e este insucesso não fez mossa na sua carreira, que conhecia bastante sucesso no seu país desde o início dos anos 70. Aliás, a versão em inglês, "Here In My Heart" teve nos coros nada menos que Agnetha e Frida dos ABBA.
Aysegül Aldinç & Modern Folk (Turquia) |
Com nove pontos, Turquia e Portugal partilharam o 18.º lugar. Na sua quarta participação, a Turquia fez-se representar por uma colaboração entre o trio Modern Folk Üçlüsu e cantora e actriz Aysegül Aldinç com a canção "Dönme Dolap" ("o carrossel"), uma interessante fusão entre folk turco e disco.
Carlos Paião (Portugal) |
Este foi mais um ano em que a canção portuguesa não foi ouvida com ouvidos de ouvir pela Europa, não angariando mais do que 8 pontos da Alemanha e 1 ponto da Grécia. O que é lamentável pois o "Playback" de Carlos Paião não só tinha uma sonoridade bem moderna como era um ácida crítica às estrelas manufaturadas desta vida para quem basta ter bom ar e ser forte no lipsync, para não falar na performance irreverente e colorida (mas infelizmente outra actuação irreverente e colorida imediatamente antes de Portugal é que encheu o olho aos júris europeus). Em palco, Carlos Paião foi acompanhado no coro por Ana Bola, Pedro Calvinho, Cristina Águas (sim, filha desse José e irmã desses Rui e Lena) e o nórdico Peter Peterson e a orquestração esteve a cargo de Shegundo Galarza. "Playback" foi o primeiro grande marco na carreira de Carlos Paião, que quer no seu próprio repertório quer no que compôs para outros, soube navegar com genialidade a linha entre o erudito e o popularucho. Carreira essa que foi cruelmente interrompida em 1988 quando Carlos Paião perdeu a vida num acidente de viação com apenas 30 anos. Aliás, não deixa de ser curioso como até 2017, ano em que Portugal finalmente ganhou a Eurovisão, Carlos Paião era o único falecido dos nossos intérpretes eurovisivos, como se a Divina Providência apiedando-se de tão trágica perda nacional, fez com que os restantes vivessem o suficiente para ver Portugal ganhar.
Marty Brem (Áustria) |
Depois de ano anterior ter representado a Áustria como parte do grupo Blue Danube, Marty Brem regressou por este país, agora a solo, sendo parte da actuação mais bizarra da noite. Não por causa da canção em si, já que "Wenn Du Da Bist" ("quando tu estás aqui") era uma simples balada romântica, mas por causa da coreografia executada pelas quatro bailarinas em palco, uma delas vestida de odalisca e outra, que também fazia coro, com um capacete de futebol americano, um fato de banho e perneiras. A Áustria ficaria em 17.º lugar com 20 pontos. Entretanto Marty Brem virou-se para o ramo empresarial da indústria musical no seu país.
Riki Sorsa (Finlândia) |
Evocando ares de Rod Stewart, Riki Sorsa representou a Finlândia com "Reggae OK", provavelmente a única canção reggae com um solo de acordeão. Mas a Europa não achou que estava lá muito OK e a Finlândia ficou-se pelo 16.º lugar com 27 pontos. Riki Sorsa faleceu em 2016.
Seid Memic Vajta (Jugoslávia) |
Ausente desde 1976, a Jugoslávia regressou ao Festival neste ano, representada pelo cantor bósnio Seid Memic Vajta com "Lejla" que ficou em 15.º lugar com 35 pontos. Após a guerra na ex-Jugoslávia, Vajta mudou-se para a Alemanha, onde vive desde então embora ainda actue ocasionalmente nos Balcãs.
Bachelli (Espanha) |
José Maria Bachelli foi o representante da vizinha Espanha com o tema "Y Solo Tu", no qual eu não consigo deixar de ouvir o "A Veces Tu, A Veces Yo" de Julio Iglesias. Espanha ficou no 14.º lugar com 38 pontos. Quando a sua carreira posterior não descolou em Espanha, Bachelli mudou-se para o Equador no início dos anos 90, onde chegou a entrar numa telenovela.
Emly Starr (Bélgica) |
Em 1981, o disco-sound queimava os seus últimos cartuchos, mas ainda esteve em evidência na actuação da Bélgica, representada pela rainha do disco da Flandres, Emly Starr (verdadeiro nome Marie-Christine Mareels). E foi trajada como uma Dalila que cantou "Samson", ficando em 13.º lugar com 40 pontos.
Tommy Seebach & Debbie Cameron (Dinamarca) |
E o disco foi também o ritmo da canção da Dinamarca, "Kroller Eller Ej" ("com ou sem caracóis") interpretado por Tommy Seebach e Debbie Cameron. Seebach já tinha sido o representante dinamarquês em 1979 com "Disco Tango", no qual Cameron, americana radicada na Dinamarca, fizera coro. A meio da actuação, Debbie Cameron mostrou também os seus dotes para a dança, acompanhada por duas bailarinas. A Dinamarca ficou em 11.º lugar com 41 pontos.
Jean-Claude Pascal (Luxemburgo) |
Com os mesmos pontos ficou o Luxemburgo, que se fez representar pelo francês Jean-Claude Pascal. Em 1961, Pascal tinha alcançado a primeira vitória para o grão-ducado com "Nous Les Amoureux" (que o próprio viria admitir que falava sobre uma relação homossexual). Vinte anos depois cantou "C'est Pas Peut-Être L'Amérique" ("poderá não ser a América"). Jean-Claude Pascal faleceu em 1992. Além da música, teve uma longa carreira como actor tento contracenado com Anouk Aimée e Romy Schneider.
Björn Skifs (Suécia) |
A Suécia foi o último país a actuar, tendo ficado no 10.º lugar com 50 pontos. Tal como em 1978, o seu representante foi Björn Skifs que cantou "Fangad I En Dröm" ("apanhado num sonho"). Além de uma longa carreira a solo, Skifs foi vocalista de várias bandas, nomeadamente os Blue Swede que em 1974 chegaram ao n.º1 do top americano com uma versão de "Hooked On A Feeling".
Linda Williams (Países Baixos) |
Os Países Baixos ficaram na posição acima com mais um ponto. Linda Williams cantou "Het Is Een Wunder" ("é uma maravilha"). Aparentemente na final holandesa, era outro cantor que era suposto defender esta canção, e Williams foi uma substituição de última hora, acabando por ser ela a representar o país em Dublin. Após a sua participação, Linda Williams não teve grande sucesso na sua carreira, mas voltaria à Eurovisão em 1999 com a sua filha Eva no coro da canção belga desse ano.
Yannis Dimitras (Grécia) |
A Grécia apostou no romantismo, com a balada "Fegari Kalokerino" ("lua de Verão"), interpretada por Yannis Dimitras, acompanhado ao piano por Sofia Houndra. Os arranjos faziam lembrar a banda sonora de "Love Story". A Grécia ficou em oitavo lugar com 55 pontos, o seu melhor resultado desde 1977.
Hakol Over Habibi (Israel) |
Depois da ausência no ano interior, Israel regressou ao Festival, fazendo representar-se pelo grupo Hakol Over Habibi. Ao que consta, foi a eles que foi originalmente oferecido "Hallelujah" a canção vencedora do Festival da Eurovisão de 1979. Em Dublin, cantaram "Halayla"("esta noite"), que ficou em sétimo lugar com 56 pontos. Na altura, Shlomit Aharon, a parcela feminina do grupo, estava grávida. O grupo ainda actua junto ocasionalmente.
Island (Chipre) |
Chipre participou pela primeira vez nesse ano, representado pelo grupo Island que cantou "Monika", obtendo um impressionante sexto lugar com 69 pontos. (Melhor que o melhor resultado de Portugal até então!) Alexia Bassilou, um dos componentes do grupo, voltaria a representar Chipre a solo em 1987.
Sheeba (Irlanda) |
O país-anfitrião, a Irlanda, ficou em quinto lugar com 105 pontos (embora a certa altura o quadro das pontuações registasse 310 pontos!). A representá-lo esteve o grupo Sheeba, composto por Frances Campbell, Marion Fossett e Irene "Maxi" McCoubrey (que já representara a Irlanda em 1973). Vestidas com uns trajes a lembrar o filme "Flash Gordon", elas cantaram "Horoscopes", mas apesar do título e da menção a dez dos doze signos do zodíaco (de fora ficaram Gémeos e Sagitário), a letra não era apologista da astrologia, afirmando que o nosso destino depende de nós próprios e não dos astros.
Peter, Sue & Marc (Suíça) |
O trio Peter, Sue & Marc representou pela quarta vez a Suíça e depois do francês em 1971, o inglês em 1976 e do alemão em 1979, voltaram a apostar numa outra língua, desta feita o italiano, cantando "Io Senza Te". Era uma balada romântica com um solo de flauta de pan. O trio igualou o quarto lugar obtido em 1976, mas com mais pontos: 121. Aliás a Suíça foi o país que mais 12 pontos recebeu, num total de cinco.
Jean Gabilou (França) |
E chegámos ao pódio. Em terceiro ficou a França com 125 pontos, representada por Jean Gabilou, cantor natural do Tahiti. O tema "Humanhum" falava de uma galáxia distante algures no ano 3000, onde um ancião conta a um grupo de crianças a história de um belo planeta cheio de vida, mas que foi sendo completamente destruído quando as suas gentes inventaram a guerra. Claro que esse tal planeta era a Terra!
Lena Valaitis (Alemanha) |
A votação esteve bastante renhida e quando só faltavam votar dois países, Alemanha, Reino Unido e Suíça estavam empatados com 120 pontos. No final das contas, a Alemanha repetiu o segundo lugar do ano anterior com 132 pontos, incluindo 12 de Portugal. A sua representante, Lena Valaitis, nasceu no então território alemão de Memel, mas que hoje pertence à Lituânia sob o nome de Klaipeda. O tema "Johnny Blue" falava de um rapaz cego que sofria bullying das outras crianças por causa disso, mas que graças ao seu talento musical alcança o sucesso e inspira os outros. Os autores desta canção também criaram aquela que no ano seguinte traria finalmente a vitória à Alemanha.
Bucks Fizz (Reino Unido) |
Mas nesse ano, a vitória foi pela quarta vez para o Reino Unido, com o grupo Bucks Fizz, composto por Mike Nolan, Robert Grubby, Jay Aston e Cheryl Baker (que fizera parta do grupo Co-Co que representou o Reino Unido em 1978), com "Making Your Mind Up". A sua actuação tornou-se uma das mais icónicas da história do Festival da Eurovisão no momento em que Nolan e Gubby puxaram as saias às suas companheiras, revelando as saias mais curtas que elas tinham por baixo. Apesar de só ter tido 12 pontos de dois países (Israel e Países Baixos), o Reino Unido reuniu 136 pontos suficiente para bater a Alemanha, até porque foi o único país a receber pontos de todos os outros países. Entre aqueles que competiram com os Bucks Fizz na final britânica desse ano, esteve o grupo Headache, liderado por nada menos que Luís Jardim! Os Bucks Fizz viriam a conhecer mais sucesso nos anos seguintes, com os singles "My Camera Never Lies" e "Land Of Make-Believe" a chegarem ao primeiro lugar no top britânico. Actualmente existem duas versões do grupo: uma com Bobby Grubby e outros três membros que mantém o nome Bucks Fizz, e outra com os outros três membros originais que actua sob o nome The Fizz.
Mike Nolan, Cheryl Baker, Jay Aston e Robert Grubby celebrando a vitória. Festival da Eurovisão de 1981 (comentários em inglês): |
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