segunda-feira, 3 de maio de 2021

Festival da Eurovisão 1986

 por Paulo Neto


Na virtude da primeira vitória da Noruega no ano anterior, o 31.º Festival da Eurovisão teve lugar a 3 de Maio de 1986 no Grieg Hall de Bergen, a segunda maior cidade do país. Na assistência estava o Príncipe Harald, a cinco anos de ascender ao trono norueguês, com a sua esposa e os seus filhos.  Participaram vinte países, destacando-se a estreia da Islândia. Ausentes no ano anterior, Jugoslávia e Países Baixos regressaram enquanto Itália e Grécia ficaram de fora. A Grécia chegou a selecionar uma canção e chegou a ser sorteada para actuar em 18.º lugar mas acabou por não participar porque a data do Festival coincidia com a Páscoa ortodoxa.



A apresentação esteve a cargo de Ase Kleveland, que representara a Noruega em 1966 na Eurovisão, conseguindo o terceiro lugar, o melhor resultado do país até à vitória das Bobbysocks em 1985. O palco foi desenhado a lembrar um palácio de gelo. No intervalo entre as actuações e as votações, foi apresentado um número baseado na música tradicional norueguesa, na voz de Sissel Kykrjebo, que viria a tornar-se uma cantora com alguma notoriedade internacional. Antes de cada actuação foi apresentado um postal ilustrado com várias paisagens da Noruega onde no fim surgia um postal com a bandeira do país e o respectivo intérprete a interagir com uma imagem. Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Fialho Gouveia, com Margarida Mercês de Melo como porta-voz dos votos de Portugal. 

Como é habitual, analisaremos as canções por ordem inversa à classificação:

Elpida (Chipre)

Nesse ano, foi Chipre que teve a infelicidade do último lugar, obtendo somente quatro pontos. Elpida Karayiannopolou tinha representado o seu país natal a Grécia em 1979 com "Sokratis" e agora representava a pátria-irmã de Chipre com o tema "Tora Zo" ("agora eu vivo"). Mas apesar do ritmo animado a fazer lembrar o samba, não conseguiu convencer e foi até ao momento a única lanterna de vermelha de Chipre. 

Moti Giladi & Sarai Tzuriel (Israel)

Israel não é um país muito habituado ao fundo da tabela, mas nesse ano não conseguiu melhor que o 19.º lugar com sete pontos. Moti Giladi e Sarai Tzuriel cantaram em dueto "Yavo Yom" ("chegará um dia"), acompanhados em palco por duas bailarinas e dois cantores de coro, um deles Reuven Gvritz, tinha feito parte do grupo Milk & Honey, que venceu em 1979 com "Hallelujah". Giladi e Tzuriel dividiam-se ambos entre a música e a representação: ele, entre vários filmes, entrou num dos tomos da famosa saga "O Gelado De Limão" e ela integrou o elenco da versão israelita da "Rua Sésamo" e do filme "Polícia Demolidor" com Chuck Norris. 

Timna Brauer (Áustria)

A Áustria foi o último país a sair do zero, mas lá arrecadou doze pontos, valendo o 18.º lugar. Filha do artista plástico israelita Arik Brauer, Timna Brauer cantou "Die Zeit Ist Einsam" ("o tempo é solitário"). Se a maioria das canções guardam o melhor para o fim, esta canção guardava o melhor para o meio. 

Cocktail Chic (França)

Com o 17.º lugar e 13 pontos, a França obteve nesse ano o seu pior resultado até então. O quarteto feminino Cocktail Chic cantou "Européennes" ("europeias"), louvando as belezas do Velho Continente e até mencionando Boy George e a Lady Di. O grupo era composto pelas irmãs Dominique Poulain e Catherine Bonnevay e as suas primas Martine Latorre e Francine Chantereau que no final dos anos 60 gravaram vários singles sob o nome de Les Fléchettes. Francine e Martine também fizeram coros para várias actuações anteriores da Eurovisão, sobretudo em quatro canções de 1978 em Paris. 


ICY (Islândia)

Com a sua televisão estatal RÚV a estabelecer finalmente as suas ligações de satélite com o resto da Europa, a Islândia por fim pôde participar no Festival da Eurovisão, que transmitia o certame em directo desde 1982 (e em diferido desde 1970). A defender pela primeira vez as cores islandesas, esteve o grupo ICY, formado por Palmi Gunarsson, Helga Moller e o ruivíssimo Eirikur Hauksson com o tema "Gleðibankinn" ("banco da alegria"). Na final nacional, o tema tinha sido interpretado a solo por Gunnarsson mas para a Eurovisão optou-se por ser cantado em trio. A Islândia ficou em 16.º lugar com 19 pontos. Eirikur Hauksson regressaria à Eurovisão em 1991 pela Noruega e em 2007 de novo pela Islândia. Ao que parece, esta é uma daquelas canções que na Islândia ainda hoje é trauteada pelo povo. 

Kari Kuivalainen (Finlândia)

A Finlândia ficou em 15.º lugar com 22 pontos. Kari Kuivalainen interpretou uma canção da sua autoria, originalmente intitulada "Päivä Kahden Ihmisen" ("o dia de duas pessoas") mas que para a Eurovisão optou-se por utilizar um título em inglês "Never The End", embora as únicas palavras em inglês da letra fossem só "the end". 

Dora (Portugal)

Nesse ano, Portugal foi o último país a actuar, algo que até agora só aconteceu duas vezes, (a outra em 1984) e para fechar o desfile com chave de ouro, tivemos a nossa Dora a cantar o "Não Sejas Mau Para Mim" com um look que ficaria para a história com a saia verde-alface e umas botas Doc Martens. (No seu comentário para a RTP, Fialho Gouveia fez questão de dizer que não gostou.) Escrita por Guilherme Inês, Luís Oliveira e Zé da Ponte e orquestrada em Bergen pelo inglês Colin Frechter, a canção vencera uma edição sui generis do Festival da Canção, que nesse ano foi intitulado "Uma Canção Para A Noruega". Em vez do modelo habitual de actuações ao vivo num único local, os quatro centros de produção da RTP (Lisboa, Porto, Açores e Madeira) concorreram cada um com três canções e apresentaram actuações gravadas. Ainda assim, participaram nomes sonantes como Carlos Alberto Moniz, Luís Filipe, Sérgio Borges (vencedor de 1970), Os Trabalhadores Do Comércio, Gabriela Schaaf, Né Ladeiras (que cantou "Dessas Juras Que Se Fazem" que viria a ser mais conhecida como "Jura" nas versões de Lara Li e Rui Veloso), Lara Li e a ex-Doce Fá Padinha. Perante uma escolha interna de 43 funcionários da RTP, sabe-se apenas que os três finalistas foram "O Vapor Da Madrugada" do grupo Rimanço (Açores), "Os Tigres da Bengala" dos Trabalhadores Do Comércio (Porto) e "Não Sejas Mau P'ra Mim" (Lisboa), com a escolha final a recair sobre esta.

Em Bergen, Portugal obteve 28 pontos, ficando em 14.º lugar. Quanto a Dora, viria a ter grande notoriedade  nos anos seguintes, regressando mesmo à Eurovisão em 1988. Após um período fora do país, regressou a Portugal no início dos anos 2000 e desde então tem aparecido em vários eventos musicais e programas de televisão, e no Festival da Canção deste ano, voltou a cantar "Não Sejas Mau P'ra Mim". Uma menção final a Mário Gramaço, responsável pelo solo de saxofone.

Frizzle Sizzle (Países Baixos)

Tal como a França, os Países Baixos também se fizeram representar por um quarteto feminino, mas este teve uma classificação melhor, o 13.º lugar com 40 pontos. O grupo Frizzle Sizzle era composto por Mandy Huydts, Marjon Keller e as irmãs Karin e Laura Vlasblom, com idades entre os 15 e os 18 anos. As quatro cantaram "Alles Heeft Ritme" ("tudo tem ritmo"). As Frizzle Sizzle continuaram a gravar música até 1990, com cada uma a dedicar-se a projectos diferentes. Laura Vlasblom tornou-se sobretudo conhecida por ser a voz neerlandesa de personagens animadas como Ariel de "A Pequena Sereia", a Princesa Jasmine de "Aladino", a Gloria de "Madagáscar" e a "Polegarzinha". 

Ketil Stokkan (Noruega)

Com 44 pontos, a Noruega, o país anfitrião, ficou em 12.º lugar. Ketil Stokkan cantou "Romeo", acompanhado em palco por um Romeu e uma Julieta trajados a rigor, encarnados por dois membros de uma trupe de drag queens, com os três a fazerem uma coreografia sincronizada. (Comentou Fialho Gouveia: "Como vão ver, a Julieta é colega da Lídia Barloff.")  Ketil Stokkan voltaria à Eurovisão quatro anos mais tarde.  

Doris Dragovic (Jugoslávia)


A Jugoslávia ficou em 11.º lugar com 49 pontos (incluindo um 12 de Chipre). Depois de ter integrado o grupo More, a croata Doris Dragovic iniciava  a sua carreira a solo. Em Bergen cantou "Zeljo Moja" ("meu desejo"). Doris continuou a ter bastante sucesso nos anos seguintes e em 1999, regressou à Eurovisão, desta vez pela Croácia independente.  

Cadillac (Espanha)


A vizinha Espanha teve 51 pontos e ficou em 10.º lugar. O grupo Cadillac foi fundado em Madrid em 1976 e editou o seu primeiro disco em 1981. O seu quarto álbum Funkyllac, de 1985, teve bastante sucesso e abriu caminho ao convite para a banda representar Espanha no Festival. A Bergen levaram o tema "Valentino" e a actuação teve um momento caricato quando as duas cantoras do coro simularam dar um estalo no membro masculino do coro. Contudo ainda em 1986, os Cadillac terminariam com a saída do baixista. 

Klips ve Onlar (Turquia)


À sua nona participação, a Turquia conseguiu por fim um lugar no top 10, mais precisamente no nono lugar com 53 pontos (incluindo um 12 da Jugoslávia). O grupo Klips ve Onlar levou a canção "Halley" que aludia à passagem pela Terra do famoso cometa nesse ano de 1986 ao fim de 76 anos. O tema foi liderado por duas vocalistas Sevingul Bahadir e Candan Erçetin, com esta a substituir vocalista original Seden Kutlubay perante a indisponibilidade desta.  

Ingrid Peters (Alemanha)

Ingrid Peters foi a representante da Alemanha com o tema "Uber die Brücke geh'n" ("atravessando a ponte"). Peters vinha tendo algum sucesso no seu país, onde dividia a sua carreira musical com a profissão de professora de Educação Física, e algumas das suas canções até tiveram versões portuguesas como "Viva La Mamma" ("Viva A Vida" por Suzy Paula) e "Tango" (por Manuela Bravo). A Alemanha ficou em oitavo lugar com 62 pontos, com um 12 do Reino Unido.

Ryder (Reino Unido)


E por falar no Reino Unido, este país ficou na posição logo a seguir com 72 pontos. O grupo Ryder defendeu o tema "Runner In The Night", que foi o único que não teve orquestração, utilizando apenas os instrumentos tocados pela banda. O vocalista Maynard Williams também teve algumas incursões na representação.
Lise Haavik (Dinamarca)


A Dinamarca ficou em sexto lugar com 77 pontos e nem por acaso fez-se representar por uma cantora norueguesa, Lise Haavik. Ela tinha-se mudado para a Dinamarca para estudar na Universidade de Odense em 1982 e no ano seguinte respondeu a um anúncio que procurava uma voz feminina para um duo musical. O autor do anúncio era John Hatting com que Lise formou o duo Trax e rapidamente também passaram a ser um casal na vida real. O título da canção era "Du Er Ful Af Logn" ("estás cheio de mentiras") e embora na edição do disco seja creditada aos Trax, a participação no Festival foi creditada como uma actuação a solo de Lise Haavik, com o seu marido, que escreveu a canção, no coro. Também presentes em palco estavam dois bailarinos, David e Mary Johnson, que tinham actuado no ano anterior na canção da Suécia. A Noruega, o país natal de Lise, atribuiria dez pontos à canção dinamarquesa.
Monica Törnell & Lasse Holm (Suécia)

Um lugar acima, com mais um ponto ficou a Suécia, com Lasse Holm e Monica Törnell a cantar "E De' Det Här Du Kaller Kärlek?" ("é isto que tu chamas de amor?"). Lasse Holm tinha sido o compositor das canções suecas de 1982, 1983 e 1985 mas desta feita também quis ser um dos intérpretes. Mas Lasse e Monica foram um pouco eclipsados durante a actuação pelos três membros do coro, todos trajados a rigor: um senhor com um fato, gravata e chapéu de coco, a senhora com fato de empregada e o outro senhor com um maiô amarelo e fita na cabeça, que a dada altura desatou aos pulos pelo palco. E durante o solo de guitarra, surgiu em palco um quarto elemento de peito nu e de guitarra em riste à volta do qual todos se juntaram.    

Luv Bug (Irlanda)


O grupo Luv Bug representou a Irlanda com o tema "You Can Count On Me", obtendo 96 pontos e o quarto lugar. Oriunda da Irlanda do Norte, a banda (da qual três dos cinco membros eram irmãos: Max, Hugh e a vocalista June Cunningham) vinha tendo alguns singles de sucesso na República da Irlanda. Aparentemente a banda ainda existe, tocando covers em eventos particulares. 

Sherisse Laurence (Luxemburgo)


O grão-ducado do Luxemburgo recorreu uma vez mais à importação de cantores e nesse ano foi representado pela cantora canadiana Sherisse Laurence, que apesar de ser da província anglófona de Manitoba, cantou em francês "L'Amour De Ma Vie". Aliás, foi a canção luxemburguesa a primeira a actuar, ficando em terceiro lugar com 117 pontos. Sherisse Laurence ainda continua no activo, agora sob o nome de casada Sherisse Stevens. 

Daniela Simmons (Suíça)


Trinta anos depois de ter vencido a primeira edição, a Suíça esperava conseguir a segunda vitória mas ficou em segundo lugar com 140 pontos. Sentada ao piano, Daniela Simmons cantou "Pas Pour Moi", uma balada sofisticada. O compositor da canção era Attila Sereftug, com quem Simmons veio a casar e que também comporia a canção que dois anos mais tarde finalmente traria o segundo triunfo na Eurovisão para as cores helvéticas.


Sandra Kim (Bélgica)


E o top 3 foi todo cantando em francês. Até então, a Bélgica era o único país dos sete que participaram no primeiro Festival da Eurovisão que ainda não tinha vencido o certame, mas nesse ano venceu de forma incontestável com 176 pontos, com Portugal a ser um dos cinco países que lhe deram os 12 pontos e a canção "J'Aime La Vie", na voz da bem jovem Sandra Kim, tornou-se rapidamente um dos grandes clássicos eurovisivos. (Aliás segundo o Fialho Gouveia no comentário da RTP, a delegação belga estava tão confiante na vitória que até já se debatia qual cidade do país iria receber o Festival no ano seguinte. Ostende era então a opção mais falada, contudo o evento seria na capital Bruxelas.)  
Embora na letra, Sandra cantasse que tinha quinze anos, na verdade na altura ainda não tinha sequer completado os catorze, pelo que com treze anos e meio, tornou-se a mais jovem vencedora de sempre da Eurovisão. Um recorde que certamente nunca mais será batido até porque a partir de 1990 foi imposta a idade mínima de 16 anos para um intérprete participar no Festival (para não falar que desde 2003 que existe uma spin-off júnior para cantores sub-16). Se Portugal tivesse escolhido a canção dos Trabalhadores do Comércio, João Médicis, o jovem membro da banda, seria outro cantor de treze anos presente no palco de Bergen.  


Após o triunfo na Eurovisão, Sandra Kim também cantou a versão original em francês do tema da série animada "Era Uma Vez A Vida" e ainda hoje continua activa na música. Em 2010, eu vi-a a actuar em Setúbal no Eurovision Live Concert onde além de "J'Aime La Vie" cantou uma medley de várias canções eurovisivas e nesse mesmo ano, recriou cena por cena o videoclip da canção. 
Eu lembro-me de nesse ano ter celebrado a vitória da canção belga como se fosse a do meu país e ainda hoje "J'Aime La Vie" é uma das minhas canções eurovisivas favoritas de sempre. 

Festival da Eurovisão 1986 (Transmissão da RTP) 




"Bergensiana" (interval act) 




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1 comentário:

  1. A fotografia da cantora Ingrid Peters foi retirada da final nacional alemã desse ano "Ein Lied Für Bergen".
    E teria sido, a meu ver, interessante perceber quem era a jovem e talentosa cantora norueguesa de 16 anos apenas, conhecida como Sissel Kyrkjebø e que interprertou (não sei se foi bem ao vivo toda a atuação!) mas que deu um toque de ternura, elegância e excelência a todos os níveis durante o Interval act (que como sempre a RTP nunca chegava a transmitir). Um verdadeiro momento "storytelling" com canções "Folkvisan" do folclóre noruegues (e mesmo escandinavo).

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