terça-feira, 5 de julho de 2016

As telenovelas latino-americanas dos anos 90

por Paulo Neto

Hoje em dia é corrente dizer que existem demasiadas telenovelas na programação dos canais nacionais generalistas. Mas já nos anos 90, havia uma abundância de telenovelas, se bem que a oferta então era um pouco mais variada, quanto mais não fosse no que dizia respeito aos países de proveniência.

As telenovelas brasileiras continuavam a reinar supremas, pois para além daquelas da imperiosa Rede Globo, várias telenovelas de outras estações brasileiras foram exibidas, algumas até com assinalável sucesso por cá como "Pantanal" e "Xica Da Silva" da extinta Rede Manchete. Além disso, depois de cinco telenovelas portuguesas exibidas na RTP nos anos 80,  a produção nacional entrou em expansão com a NBP (actual Plural) a produzir ininterruptamente telenovelas para a RTP, começando com "Cinzas" em 1992, seguindo-se outros títulos ao longo da década como "Desencontros", "Na Paz Dos Anjos", "Roseira Brava" ou "Terra Mãe".

E depois havia as telenovelas latino-americanas, made in México e Venezuela, dobradas em português do Brasil, que ao longo dos anos 90 foram presença habitual nos canais nacionais, sobretudo para o período da tarde. Mas ao contrário do que se possa pensar, este produto não era uma completa novidade em Portugal: sabiam que a primeira telenovela não brasileira exibida por cá foi o folhetim venezuelano "Doña Bárbara" nos idos de 1979?
Era habitual dizer-se mal destas telenovelas e apontar todos os seus factores risíveis: as tramas regadas de clichés (geralmente, a história girava à volta do amor proibido entre uma rapariga pobre e um rapaz rico), o overacting dos actores que ficava ainda mais extrapolado na dobragem, a falta de sincronia entre as vozes da dobragem e os movimentos das bocas dos actores, a pirosice dos figurinos e dos cenários e o excesso de dramatismo. Por algum motivo existe no Brasil a expressão "mais triste que novela mexicana." Ainda assim, estas telenovelas tiveram o seu público fiel e algumas delas alcançaram muito bons resultados de audiência e de share para os respectivos horários. Podia-se dizer que eram casos de algo tão mau que dava a volta e ficava interessante. Ou então havia aqueles que, como eu quando muito esporadicamente via alguns episódios, abordavam este produto com uma dose de humor.
A RTP, após a perda dos direitos de transmissão da Globo para a SIC, e a TVI pré-Big Brother foram as principais freguesas destas produções, com a primeira a optar sobretudo pela vertente mexicana e a segunda pela venezuelana. Mas até a SIC, apesar do seu bastião das telenovelas da Globo, também não resistiu ao apelo e chegou a transmitir duas telenovelas venezuelanas: "Mulher Proibida" e "Por Amar-te Tanto".

Já aqui falei da mítica telenovela infantil mexicana "Carrossel" e agora pretendo falar mais em pormenor de outras seis telenovelas latino-americanas que passaram por cá nos anos 90, três mexicanas e três venezuelanas. Não se trata de um top 6 pois só acompanhei com regularidade uma delas, mas creio serem estas as seis mais marcantes. Antes disso, importa mencionar outros títulos como "Prisioneira do Amor", uma das preferidas da minha avó, "Laços De Amor" (no original "Agujetas de Color de Rosa") com um deliciosamente açucarado tema pop no genérico e "Azul", que teve a particularidade de ser a única telenovela mexicana dobrada em português de Portugal, protagonizada por Kate Del Castillo, a actriz que recentemente fez notícia pelas suas aproximações ao barão da droga El Chapo.

"Morena Clara" (Venevisión, 1993)



É por demais sabido que, mais do que telenovelas, a Venezuela é especialista em produzir Misses. Já há várias décadas que este país se especializou em captar e "realçar" as beldades da nação para depois elas arrasarem nos concurso de beleza internacionais, sobretudo Miss Universo e Miss Mundo. Por isso, não é de estranhar que muitas dessas Misses se tenham tornado depois estrelas da teledramturgia venezuelana. Foi o caso de Astrid Carolina Herrera, coroada Miss Mundo em 1984 e protagonista de "Morena Clara", exibida na TVI em 1995.

Astrid Herrera na sua coroação como Miss Mundo em 1984



Astrid era Clara Rosa Guzmán, uma jovem renegada pelo pai, Emiliano Andara, um rico fazendeiro e abandonada pela mãe à nascença. Clara foi criada pela sua tia e cresceu numa favela de Caracas, ganhando a vida como vendedora ambulante. Durante uma revolta nas ruas da capital venezuelana, Clara conhece Valentín (Luis José Santander), um jovem advogado com aspirações políticas, e os dois apaixonam-se. O problema é que Valentín está casado com a pérfida Linda Prado (Gabriela Spanic), filha de Lisandro Prado (Henry Galue), o principal opositor político de Emiliano e os dois prometem fazer vida negra ao parzinho. Clara Rosa terá de lutar tanto pela felicidade junto de Valentín como para que Emiliano a reconheça como filha. Pelo meio, há uma sub-trama de corrupção política e lavagem de dinheiro. 

"O Avô E Eu" ("El Abuelo Y Yo", Televisa, 1992)



"O Avô E Eu" foi uma telenovela infantil mexicana que se centrava na amizade entre Alejandra, uma menina rica e sonhadora, e Daniel, um menino de rua que tem por única companhia o seu cão Anselmo. Alejandra era a actriz polaco-mexicana Ludwika Paleta, a inesquecível Maria Joaquina de "Carrossel", Daniel era um muito jovem Gael Garcia Bernal, longe de se imaginar uma estrela de Hollywood. O outro protagonista da telenovela é Joaquín Rivera (Jorge Martinez de Hoyos), um velhote solitário e rezingão mas que se deixa afeiçoar por Daniel, a quem este chama de Avô. E de facto, vem-se a descobrir depois que eles são mesmo avô e neto.





Do elenco fazia parte ainda num papel secundário o actor Diego Luna com quem Bernal dividiu o protagonismo no filme "E A Tua Mãe Também", o filme que os revelou internacionalmente.


"Estrela" ("Cara Sucia", Venevisión, 1992)



Mais uma variação da história da rapariga pobre (que afinal vai-se a ver é filha de um homem rico) que se apaixona por um rapaz rico. Estrella (Sonya Smith) é uma jovem que vive na pobreza, vendendo jornais para sobreviver. Por causa disso, tem a alcunha de "Cara Suja". Estrella conhece e apaixona-se por Miguel Angel (Guillermo Davila), sem saber que este é filho de Horácio Almada (Humberto Garcia), o homem que matou a mãe de Estrela e incriminou o seu pai, usurpando a sua fortuna e os seus negócios. Como não podia deixar de ser, até que Estrella e Miguel Angel fiquem juntos no final vão ter que passar por imensos martírios, não só por causa de Horacio mas também de Santa (Gigi Zanchetta), a obcecada ex-namorada  de Miguel Angel.



Exibida na TVI em 1994, "Estrela" chegou a ser na altura o programa mais visto da estação de Queluz de Baixo, ao ponto de não só ser exibida de segunda a sexta-feira como ter ao sábado um compacto dos cinco episódios da semana. A actriz americano-venezuelana Sonya Smith, que tinha aqui o seu primeiro papel de protagonista, foi tão carismática, que após o fim de "Estrela", a TVI exibiu outra telenovela protagonizada por Smith, "O Preço Da Paixão" ("Maria Celeste", 1994). Actualmente Smith entra em telenovelas produzidas nos Estados Unidos para o mercado latino-americano, como uma adaptação da telenovela brasileira "Fina Estampa". "Estrela" foi também a primeira telenovela latina a passar na Mongólia.


"Coração Selvagem" ("Corazón Selvaje", Televisa, 1993)



Foram muito poucas as telenovelas mexicanas de época que passaram em Portugal, nomeadamente este "Coração Selvagem". O protagonista era Juan Del Diablo (Eduardo Palomo), o filho ilegítimo de um rico fazendeiro que se torna pirata e envolve-se num quadrado amoroso em que os outros vértices são o seu meio-irmão Andrés (Ariel Lopez Padilla) e duas belas irmãs condessas, a doce e angelical Mónica (Edith Gonzalez) e a sensual e perversa Aimée (Ana Colchero). Além das intrigas entre a nobreza e o mundo dos piratas, a trama vivia sobretudo dos amores cruzados entre os quatro.

RIP Edith Gonzalez (1964-2019) e Eduardo Palomo (1962-2003)

Tida no México como uma das mais populares telenovelas de sempre, "Coração Selvagem" também conquistou algum público em Portugal, em grande parte devido ao carisma e ar de bad boy do protagonista Eduardo Palomo, infelizmente falecido em 2003 por ataque cardíaco. (Não sei se o Jack Sparrow ganharia a Juan Del Diablo numa luta mano-a-mano.) Salma Hayek foi uma das actrizes equacionadas para o papel de Mónica, tendo chegado a fazer testes de guarda-roupa antes da escolha final de Edith Gonzalez.

"Kassandra" (RCTV, 1992)



Esta é a telenovela venezuelana mais vendida de sempre, tendo sido exibida em 186 países. No YouTube é possível, por exemplo, encontrar excertos da telenovela com legendas em croata e dobragens em árabe.
Conforme o título indica, a protagonista é Kassandra (Coraima Torres), uma jovem que cresceu num circo cigano. Mas na verdade, ela não é realmente cigana e é neta de Alfonso Aroncha (Raúl Xiques), um rico fazendeiro, trocada à nascença por Herminia (Nury Flores), a segunda mulher deste.
Anos mais tarde, o circo volta à região, e Kassandra, apesar de prometida em casamento desde criança a Randu (Henry Soto), o líder da tribo cigana, tem um encontro romântico com Luís David (Osvaldo Rios), um dos filhos gémeos de Herminia. Algum tempo depois, Ignacio, o outro gémeo, descobre que Kassandra é a herdeira da fortuna do padrasto, e como tal afirma à jovem que foi com ele que ela teve o romance e convence-a casar-se com ele.

"Kassandra" foi protaginzada pela venezuelana Coraima Torres e pelo porto-riquenho Osvaldo Rios

Pouco após o casamento, Ignacio é assassinado. Ao saber disso, Luís David faz-se passar pelo irmão para descobrir quem o matou e embora suspeite fortemente de Kassandra, as memórias do romance entre ambos persistem. A verdadeira assassina é Rosaura (Loly Sanchez), a criada dos Aroncha, com quem Ignacio teve uma relação secreta.
"Kassandra" passou duas vezes na TVI. Eu vi alguns episódios da reposição no Verão de 1997, quando passava férias na Praia de Vieira, e algumas cenas eram tão hilariantes de tão absurdas, como aquela em que Kassandra descobre a arma que matou Ignacio e faz tudo o que qualquer pessoa inteligente faria que é passar as mãos por toda a pistola e deixar lá as impressões digitais. O facto da actriz Coraima Torres, apesar de muito bonita, ter o carisma de uma ostra não ajudava.
Mas giro, giro era o tema do genérico onde alguém troava o nome da personagem-título num canto cigano bem trinado: "Kassaaaaaaaaaandra!"

"Marimar" (Televisa, 1994)




Admito, eu vi esta telenovela mexicana, que deu na RTP em 1996, na qual Portugal conheceu pela primeira vez a cantora e actriz Thalía, hoje uma das maiores estrelas da música latino-americana (é daquelas estrelas que nem precisam de apelido). A história era mais uma vez a do amor entre uma rapariga pobre e um rapaz rico. Marimar vive com as avós numa cabana de uma pequena vila costeira mexicana e apaixona-se por Sergio Santibañez (Eduardo Capetillo), filho do homem mais rico da vila que sonha em ser futebolista. Os dois casam-se mas Angélica (Chantal Andere), madrasta do rapaz, não se conforma em ter uma nora pobretanas e congemina uma série de planos para acabar com a união. Acusa Marimar do roubo de uma pulseira (não sem antes obrigá-la a retirar a pulseira de uma poça de lama com os dentes), manda incendiar a cabana onde os avós da jovem acabam por morrer e forja a letra do enteado para escrever uma carta onde diz que Sergio nunca a amou. 
Transtornada por todos estes acontecimentos, Marimar muda-se para a Cidade do México, onde é acolhida por Gustavo Aldama (Miguel Palmer), um homem rico que vem-se a saber é o seu pai biológico. Transformada numa mulher chique e elegante sob o nome de Bella Aldama, a rapariga planeia a sua vingança contra os Santibañez, embora no fundo continue apaixonada por Sergio.




Assim de repente, parece a típica trama dramática de telenovela mexicana, mas "Marimar" valia pelo desempenho de Thalía que enchia o ecrã com a sua frescura e carisma, tanto na fase pobre como na fase chique, além de ter muita química com Eduardo Capetillo, um galã da escola Tony Ramos, ostentando o seu peito super-peludo.
Mas o que eu adorava nesta telenovela era o facto de ter um cão falante. Ou melhor, Pulguento, o cão de Marimar, que falava em voz-off, como dá para ver no início desta cena.


A RTP exibiu posteriormente outras duas telenovelas protagonizadas por Thalía: "Maria do Bairro" (em que uma cena trágico-histérico-dramática tornou-se um vídeo viral nos Estados Unidos há uns anos) e "Rosalinda". Porém desde 2000, ano em que casou com Tommy Motolla, patrão da Sony Music e ex-marido de Mariah Carey, que Thalía dedica-se quase exclusivamente à música. 


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