por Paulo Neto
Esta semana decorre na Suécia o Festival da Eurovisão deste ano, no qual Portugal não participa por questões financeiras e pelas discussões governamentais quanto ao futuro da RTP, sobretudo uma então possível privatização. Mas segundo recentes notícias, o nosso país voltará em princípio ao certame em 2014.
Hoje em dia, o Festival da Eurovisão já não tem a relevância que teve outrora, mas por muito que se diga que já não é mais que um espectáculo ultrapassado de futilidades e bizarrias , certo é que 57 anos após a sua criação, o certame tem conseguido acompanhar a evolução dos tempos e ainda vai conseguindo boas audiências um pouco por toda a Europa (e não só!).
Tal como tinha prometido num tópico anterior, irei abordar aqui a edição de 1983, que muitos consideram a edição mais croma de sempre. Não me lembro desta edição (as minhas primeiras memórias eurovisivas remontam a 1984) mas os visionamentos no YouTube permitem-me afirmar que foi de facto o Festival da Eurovisão mais cromo de sempre.
A 28.ª edição do Festival da Eurovisão realizou-se a 23 de Abril de 1983 em Munique, no Rudi-Sedlemayer Halle, recinto onde se realizou o torneio de basquetebol dos Jogos Olímpicos de 1972. E pela primeira e única vez, à boa maneira das cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos, o espectáculo começou com todos os intérpretes dos vinte países concorrentes a subirem ao palco. Palco esse que, por si só, era bastante cromo, com um espaço algo estreito mas com um background metálico gigante dividido em quadrados que se iam acendendo e apagando ao longo das actuações, dando por vezes a sensação que os cantores estavam à frente de um grelhador gigante.
Outro cromo deste festival foi nada menos que a apresentadora, Marlene Charell, que parecia determinada em ser a estrela do espectáculo. Em vez dos habituais postais ilustrados ou clipes dos intérpretes, as introduções que antecederam a actuação de cada país limitavam-se a Charell a dizer em francês, inglês e alemão os títulos da canções e os nomes dos intérpretes, autores e compositores junto de uns arranjos florais que simbolizavam a bandeira de cada país (e muitos deles não eram lá muito bonitos, como se pode ver pelo de Israel e/ou pouco tinham a ver com o país, como o da Suécia).
Mesmo lendo aqueles cartões, Charell errou ao chamar Johannes Skorgan a Sigurd Jensen, o orquestrador da canção norueguesa (e chamou "Armendo" ao nosso Gama). Mas as calinadas da apresentadora foram sobretudo durante as votações. Insistindo em falar em três línguas, Marlene deu muitos erros trocando as palavras para "pontos" nos três idiomas e confundindo amiúdo "Schweiz" (Suíça) com "Schwenden" (Suécia) e vice-versa, o que fez com que pela primeira vez o espectáculo passasse a barreiras das três horas de duração. E como se tudo isto não bastasse, foi também a protagonista do número de bailado do intervalo entre as actuações e as votações.
Vinte países participaram na competição. As canções que desfilaram nesse ano alternavam entre o estilo clássico ou até demodée e um estilo pop e alegre característico da década de 80, com alguns países apostando em coreografias, cores garridas e até em elementos bizarros. Algo possibilitado por, pela primeira vez, terem sido utilizados microfones sem fios.
Na primeira categoria, encaixavam-se as canções de França, Itália, Suíça, Chipre, Grécia, Holanda, Alemanha e Portugal. Guy Bonnet, o representante francês já tinha representado o seu país em 1970 mas a canção que levou treze abis depois não era muito diferente. O italiano Riccardo Fogli cantou o seu amor por uma tal Lucia numa canção que tinha o seu quê de natalícia enquanto a suíça Mariella Farré recorreu também à língua italiana para dizer que não estava para romance furtivos. A holandesa Bernadette, vestida de amarelo-canário, pediu que lhe cantassem uma canção. Quem acompanha o Festival da Eurovisão, sabe que quase sempre as pátrias-irmãs de Grécia e Chipre se comprazem em trocar entre si os seus douze points; mas em 1983, o duo cipriota Stavros & Dina de guitarra na mão não convenceu os compadres gregos, sendo até hoje a única vez que Chipre não levou nenhum ponto da Grécia. Já a interpretação da grega Christina Stassinopolou mereceu o doze dos camaradas cipriotas. A canção do país anfitrião foi defendida pelos irmãos Hoffmann: enquanto o da carapinha ainda meteu uma gravata, o do bigode surgiu como se tivesse vindo de uma corrida de jogging. Como é sabido, foi nesse ano que Armando Gama nos deu uma balada e com ela, repetiu o 13.º lugar das Doce no ano transacto.
Guy Bonnet (França) |
Riccardo Foggli (Itália) |
Mariella Farré (Suíça) |
Bernadette (Holanda) |
Stavros & Dina (Chipre) |
Christie Stanissopoulou (Grécia) |
Armando Gama (Portugal) |
Hoffmann & Hoffmann (Alemanha) |
As nações mais infelizes foram a Turquia e a Espanha, que viram as suas canções corridas a zeros. Os turcos pretendiam fazer uma homenagem à "Opera", mas pese a digna postura de Çetin Alp, os cantores do coro, todos mascarados, transformavam a canção numa cegarrega do Carnaval de Torres Vedras. Já quanto à canção espanhola, é tida como à frente do seu tempo, já que na altura as canções de recorte étnico não eram apreciadas no Festival e é possível que o canto flamenco de Remedios Amaya tenha sido entendido pelo resto da Europa como gemidos de dor. O facto de ela ter actuado com um vestido que parecia um lençol de um hotel de Benidorm e uma fita na cabeça também não deve ter ajudado.
Tal como a espanhola, as vocalistas do grupo Pas De Deux, o representante da Bélgica, também surgiram em palco descalças. Como se a canção, que soava quase descaradamante parecida com o "Whip it" dos Devo e com uma letra que consistia na repetição da mesma frase, já não fosse bizarra o suficiente, as duas moças juntaram uma coreografia onde balançavam incessantemente os braços.
Çetin Alp (Turquia) |
Pas De Deux (Bélgica) |
O Reino Unido e a Áustria tiveram as actuações mais coloridas. O trio Sweet Dreams defendeu as cores britânicas surgindo em palco como se tivessem saído de uma aula de aeróbica, com a coreografia a condizer. A morena do grupo, Carrie Grant, viria a ser uma das mais requisitadas professoras de canto (por exemplo, deu aulas de voz às Spice Girls). Igualmente supercoreografada e nada menos colorida foi a actuação austríaca do grupo Westend. Os seus trajes tinham uma amarelo tão vivo que deve ter deixado muitos espectadores com comichão na retina.
Bem alegres e animadas foram também as canções da Noruega e Dinamarca. Jahn Teigen representava a nação dos Fiordes pela terceira vez, levando uma canção com um travo infantil, com refrão a consistir nas notas musicais (tenho a ideia que ouvi uma versão portuguesa desta canção algures na minha infância mas não tenho a certeza). Da Dinamarca a actuação sexy da noite, pois Gry Johansen envergava um mini vestido cor de malva enquanto ia dançando e fazendo olhinhos para a câmara.
Sweet Dreams (Reino Unido) |
Westend (Áustria) |
Jahn Teighen (Noruega) |
Gry Johansen (Dinamarca) |
Outras duas actuações que deixaram a sua marca em Munique foram as da Finlândia e da Jugoslávia. Vestida com um vestido branco em forma de suspiro, a finlandesa Ami Aspelund deu um show em palco onde não faltou um menear lateral em palco e, tal como a dinamarquesa, uns olhares expressivos para a câmara. O montenegrino Danijel defendeu as cores jugoslavas com um animado canto tirolês em que professava o seu amor por uma Julie.
Ami Aspelund (Finlândia) |
Danijel (Jugoslávia) |
E este foi o top 3:
Carola Hagqvist (Suécia) |
Em terceiro lugar, a Suécia na voz da então adolescente Carola Hagqvist, que tinha chegado à Alemanha como a principal favorita. A sua canção, "Främling", ficou para a história como o single mais vendido de sempre na Suécia. Ficou-se pela medalha de bronze nesta edição, mas Carola viria a ganhar em 1991, tendo também participado em 2006.
Ofra Haza (Israel) |
Em segundo lugar, Israel. Acompanhada com um coro de cinco vozes e numa coreografia sincronizada (algo comum nas canções israelitas do Festival nos anos 80), Ofra Haza brilhou e conseguiu repetir o segundo lugar do ano anterior. Mais tarde, Ofra Haza teria uma consagrada carreira internacional, com o hit de 1988 "Im nin' alu" e colaborando com nomes como Sisters Of Mercy mas infelizmente viria a falecer em 2000, alegadamente de doença relacionada com o HIV. Curiosamente o título da sua canção, "Chai", significava "viva" em português.
Corinne Hermès (Luxemburgo) |
Mas nesta edição do Festival da Eurovisão, aplicou-se a máxima "os últimos são os primeiros" e a vitória sorriu ao Luxemburgo, o último país a actuar. A representar o grão-ducado, estava a parisiense Corinne Hermés (era hábito o Luxemburgo importar cantores de outros países para o certame) que venceu e convenceu com a sua interpretação da balada "Si la vie est un cadeau" que falava sobre um casal que vê o seu amor chegar ao fim, agravado pelo facto de não terem tido filhos. A canção luxemburguesa dominou as votações desde cedo e assim o Luxemburgo sumou a sua quinta vitória, a última até agora para o grão-ducado, que não participa no Festival desde 1993.
Festival da Eurovisão de 1983 na íntegra (comentários em inglês):
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