quarta-feira, 3 de abril de 2024

Festival da Eurovisão 1976

Recuemos aos anos 70 para relembrar mais uma edição do Festival da Eurovisão.




O 21.º Festival da Eurovisão teve lugar a 3 de Abril de 1976 no Centro de Congressos de Haia nos Países Baixos. Em virtude da sua vitória no ano anterior, era a terceira vez que os Países Baixos sediaram o certame após 1958 em Hilversum e 1970 em Amesterdão. Participaram 18 países destacando-se os regressos da Áustria, ausente de 1972, e da Grécia que após a estreia em 1974 dispensou a presença em 1975 (por motivos que mais adiante se explicarão), ao passo que a Suécia, o país organizador do Festival anterior, ficou de fora bem como Malta e Turquia. Corry Brokken, vencedora da segunda edição do Festival em 1957, foi a apresentadora, tratando-se da primeira vez que um ex-intérprete concorrente apresentava o evento.

Corry Brokken, vencedora em 1957, foi a apresentadora



Devo dizer que não é musicalmente das minhas edições preferidas da década mas a organização introduziu alguns toques interessantes como o cenário que mudava a cada actuação. Foi também a primeira vez que houve uma ligação à green room onde estavam presentes os artistas dos diferentes países, com um apresentador, Hans van Willigenburg, a falar alguns deles. E como estávamos numa nação sobejamente conhecida pela sua indústria de floricultura, no final de cada actuação, era entregue a todos os cantores um bouquet de flores.  

Os 18 cenários para cada uma das canções



Este foi o segundo ano em que o método de pontuação conhecido como "douze points" foi estabelecido, mas conforme se procedeu até 1979 e ao contrário da ordem crescente que depois viria a ser norma, os votos de cada país foram revelados conforme a ordem de actuação, o que dava azo a alguns lapsos na hora das votações, como aquele que decorreu durante os votos do júri de França, que mais adiante se explicará. 

Como é hábito iremos analisar cada uma das canções concorrentes por ordem inversa à classificação final:

Anne-Karine Strom (Noruega)


Pela terceira vez, Anne-Karine Strom (1951-) representou as cores da Noruega, mas tal como na sua participação em 1974, ficou em último lugar. Um resultado a meu ver algo injusto pois a sua canção "Mata Hari" era um tema disco bem divertido e Strom deu nas vistas com o seu macacão de lantejoulas douradas. Os sete pontos para a canção norueguesa vieram de Portugal e dos Países Baixos (o país de origem da verdadeira Mata-Hari). 

Ambasadori (Jugoslávia)


No final do Festival, o quadro das pontuações dava a Jugoslávia em último lugar com seis pontos, mas na verdade o porta-voz do júri francês esqueceu de anunciar os seus 4 pontos que eram para esse país, um lapso que na altura ninguém reparou. Só mais tarde tal lapso foi corrigido, e como tal a Jugoslávia ficou em 17.º lugar com 10 pontos. O país foi representado pelo grupo Ambasadori com a canção "Ne mogu skriti svoju bol" ("não posso esconder a minha dor"). O grupo originário de Sarajevo fora formado em 1968 com uma enorme rotatividade na formação, que incluiu o representante jugoslavo de 1973 Zdravko Colic. Na altura a vocalista principal era Ismeta Dervoz, sendo que ainda nesse ano foi substituída por outra cantora que ficaria até ao final da banda em 1980.
Esta foi a última participação da Jugoslávia na Eurovisão até 1981, já depois da morte de Josip Broz Tito.    

Braulio (Espanha)


A Espanha ficou em 16.º lugar com 11 pontos. Foi a única vez entre 1972 e 1999 que a Espanha organizou uma final nacional televisionada onde catorze intérpretes competiram com duas canções cada, com a vitória a ir para "Sobral Las Palabras" na voz de Bráulio. Natural das Ilhas Canárias, Braulio Garcia (1945-) iniciara a sua carreira em 1973, e além da Eurovisão, participou em outros festivais como o de Viña Del Mar no Chile (onde venceu em 1979). Desde os anos 80 que Braulio vive nos Estados Unidos, dedicando-se ao mercado latino-americano.

Les Humphries Singers (Alemanha)


Inicialmente a Alemanha esteve para ser representada por Tony Marshall com a canção "Der Star". Mas essa canção foi entretanto desqualificada por ter havido uma actuação pública prévia dela, pelo que foi a segunda classificada, "Sing Sang Song" pelos Les Humphries Singers, quem acabou por representar o país em Haia. Tratava-se de um grupo vocal multinacional fundado em 1969 pelo britânico Les Humphries (1940-2007) que teve vários membros durante a sua actividade até 1980, como por exemplo Liz Mitchell dos Boney M. Os membros que actuaram em Haia foram Jurgen Drews, John Lawton, Judy Archer, Peggy Evers, Jimmy Bilsbury e David O'Brien, com Les Humphries na função de orquestrador. A Alemanha ficaria em 15.º lugar com 12 pontos.

Jürgen Marcus (Luxemburgo)


Da Alemanha vinha também o representante do Luxemburgo, Jürgen Marcus (1948-2018). Numa das raras vezes que o grão-ducado organizou uma final nacional televisionada, que Jürgen venceu com "Chansons pour ceux qui s'aiment" ("canções para aqueles que se amam"). Em Haia, ficou em 14.º lugar com 17 pontos. Jürgen Marcus fora um cantor muito popular na Alemanha nos anos 70, e um dos seus hits "Ein Festival der Liebe" teve uma versão portuguesa do cantor madeirense Gabriel Cardoso. 

Mariza Koch (Grécia)


Dois anos antes, a Grécia tinha-se estreado no Festival mas foi também nesse ano que a ilha de Chipre foi efectivamente dividida em duas partes, no culminar de décadas de conflitos entre cipriotas gregos e turcos, com a invasão da Turquia da parte norte da ilha (que em 1983 declararia unilateralmente a independência). Com as relações cortadas entre Grécia e Turquia, a estreia deste país no Festival em 1975 terá sido a principal causa da ausência da Grécia e no ano seguinte, foi a Grécia a participar e a Turquia a ficar de fora. E a canção grega, "Panaghia mou, panaghia mou" ("minha santa Mãe, minha santa Mãe"), não escondia que era sobre os efeitos devastadores do conflito (é a única canção da Eurovisão a ter na letra a palavra "napalm"), com a voz de Mariza Koch num sentido pedido à Virgem Maria por piedade. Nascida em Atenas e filha de pai alemão (daí o apelido germânico), Mariza Koch (1944-) lançara o seu primeiro álbum em 1971, "Arabas", cuja mistura de música tradicional grega com arranjos electrónicos, alcançou um grande sucesso no seu país. Desde então, Koch continuou bastante activa, com o seu último disco a sair em 2009, mas esta participação no Festival continua a ser o seu mais notório momento internacional. A Grécia ficou em 13.º lugar com 20 pontos. 

Carlos do Carmo (Portugal)


Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, Portugal decidiu tentar outros métodos para seleccionar a sua canção para a Eurovisão. Em 1976, o método escolhido foi escolher directamente um intérprete para cantar todas as canções concorrentes: a escolha acabou por recair sobre Carlos do Carmo, que já então era uma das grandes vozes do fado. Oito canções foram apresentadas pela RTP com a vencedora a ser escolhido pelo público por via postal. No dia 7 de Março, foram revelados os resultados num especial chamado "Uma Canção Para A Europa" apresentado por Eládio Clímaco e Ana Zanatti com comentários de António Vitorino D'Almeida, onde Carlos do Carmo interpretou novamente as oito canções com a participação do autor e/ou compositor da cada canção (entre essas presenças contaram-se Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, José Luís Tinoco, Ary dos Santos, Tozé Brito e Manuel Alegre). A canção escolhida foi "Uma Flor de Verde Pinho" com letra de Manuel Alegre e música de José Niza, mas duas outras canções concorrentes viriam a ser mais popularizadas: "No Teu Poema" e "Estrela Da Tarde". Em Haia, a canção portuguesa ficou em 12.º lugar com 24 pontos (incluindo 12 pontos da França - só em 1993 é que se ouviria dizer novamente "Portugal, 12 points"). No ano seguinte, Carlos do Carmo editaria o disco que é considerado o seu magnum opus, "Um Homem Na Cidade", e a sua carreira continuou a granjear grandes glórias como o Globo de Ouro de Mérito e Excelência de 1998. e em 2014, tornou-se o primeiro artista português a receber o prémio carreira dos Grammys Latinos. Carlos do Carmo faleceu no primeiro dia de 2021 aos 81 anos. 

Fredi & The Friends (Finlândia)


A Finlândia ficou em 11.º lugar com 44 pontos. Matti Siitonen (1942-2021), mais conhecido no seu país pelo seu nome artístico Fredi, já tinha representado a Finlândia em 1967, mas nove anos depois regressou ao Festival com um novo visual e acompanhado por um conjunto de cinco vocalistas, os Ystävät (ou como foram creditados no Festival, The Friends), cantando em inglês "Pump Pump", um tema muito bem disposto. Além da música, Fredi também fez carreira como actor e apresentador. 

Red Hurley (Irlanda)


A Irlanda ficou em 10.º lugar com 54 pontos com Vincent Hurley (1949-) a defender a balada "When". Devido à sua frondosa melena ruiva, o cantor também era conhecido como Red Hurley. Depois de ter passado por várias bandas, Hurley tinha iniciado a sua carreira a solo em 1974 e vinha de dois singles que chegaram ao n.º1 no top irlandês. Red Hurley continua activo dividindo a carreira entre a Irlanda e os Estados Unidos. 

Sandra Reemer (Países Baixos)


A representar o país anfitrião, os Países Baixos, esteve Barbara Alexandra Reemer (1950-2017), mais conhecida como Sandra Reemer. Em 1972, a cantora natural da Indonésia já representara o país das tulipas em dueto com Dries Holten como Sandra & Andres, ficando em quarto lugar. Desta vez, Reemer ficou em nono lugar com 56 pontos com "The Party Is Over Now" e em 1979, regressou para uma terceira participação, agora sob o nome de Xandra. 

Pierre Rapsat (Bélgica)


A Bélgica ficou em oitavo lugar com 56 pontos. Pierre Rapsat (1948-2002) defendeu o tema "Judy et Cie.", um tema melancólico em que a titular Judy se debate com problemas de imagem, chegando até a rezar a Santa Marilyn Monroe. Apesar da letra algo inaudita, a sonoridade da canção faz-me lembrar a música dos filmes da Emmanuelle. Falecido prematuramente em 2002 com 53 anos, em 2005, Pierre Rapsat foi votado como o 51.º maior belga de todos os tempos!

Romina Power & Al Bano (Itália)


A célebre dupla Al Bano & Romina Power representou a Itália. Albano Carrisi (1943-) e Romina Power (1951-), filha do actor de Hollywood Tyrone Power, conhecerem-se em 1967 durante a rodagem de um filme e viriam a casar três anos mais tarde. Em 1975, começaram também a actuar como dupla musical e no ano seguinte, apresentavam-se então em Haia. Aproveitando as raízes americanas dela e as regras que na altura permitiam liberdade de idiomas, ela cantou em inglês e ele em italiano "We'll Live It All Again". Apesar de um engano de Al Bano ao início da actuação, obtiveram 69 pontos e ficaram em sétimo lugar. Albano e Romina continuaram a somar mais sucessos nos anos seguintes, tendo vencido o Festival de San Remo de 1985 com "Ci Sará" e regressando à Eurovisão no ano seguinte com "Magic Oh Magic". Em 1994, a sua filha mais velha desapareceu em Nova Orleães (foi declarada como morta em 2014), um enorme desgosto que ditaria o fim da relação e da parceria musical de ambos em 1999. Porém os dois têm voltado a actuar ocasionalmente desde 2013. Al Bano estaria presente pela terceira vez na Eurovisão em 2000, no coro da canção da Suíça. 

Chocolate Menta Mastik (Israel)



Israel foi representado pelo trio feminino Chocolate Menta Mastik composto por Yardena Arazi (a morena), Leah Lupatin (a loura) e Ruth Holzman (a ruiva). Quais Anjos de Charlie, as duas cantaram e dançaram em harmonia para defender o tema "Emor shalom" ("dizer olá"), ficando em sexto lugar com 80 pontos. Após o fim do grupo em 1978, Yardena Arazi apresentou o Festival da Eurovisão de 1979 em Jerusalém e voltaria a representar o país em 1988. Leah Lupatin substituiu Galit Atari como a vocalista feminina do grupo Milk & Honey, vencedores do Festival da Eurovisão de 1979 com "Hallelujah", tendo inclusivamente sido ela a marcar presença durante a gala especial dos 25 anos do Festival da Eurovisão em 1981. 

Waterloo & Robinson (Áustria)

Ausente desde 1972, a Áustria regressava ao Festival, representada pelo duo Waterloo & Robinson. Johann "Waterloo" Kreuzmayer (1945-) e Josef "Robinson" Krassnitzer (1947-) actuavam juntos desde 1971 e a Haia levaram a canção "My Little World". Com 80 pontos, repetiram o quinto lugar da última participação austríaca em 1972. Waterloo & Robinson continuam no activo, quer juntos, quer em projectos a solo e em 2004, quase que regressavam à Eurovisão, ficando em segundo lugar na final nacional austríaca desse ano. 


Sue Schell dos Peter, Sue & Marc (Suíça)
com o palhaço do realejo


Pela segunda de que seriam quatro vezes, o trio Peter, Sue & Marc representou a Suíça. Depois de em 1971 terem cantado em francês, agora levaram um tema em inglês, "Djambo Djambo", sobre um palhaço no ocaso da carreira. A acompanhá-los estava um palhaço a tocar realejo cujo aspecto não fazia muito para acalmar aqueles que sofressem de coulrofobia. Pessoalmente, acho a mais fraca da tetralogia de canções dos Peter, Sue & Marc, mas foi das que obteve melhor resultado, o 4.º lugar com 91 pontos. O trio voltaria a participar no Festival em 1979 (em alemão) e em 1981 (em italiano). 

Mary Christy (Mónaco)


O Luxemburgo era conhecido por importar cantores de outros países para representar o grão-ducado no Festival e, como já se viu, em 1976 não foi excepção. No entanto, nesse ano também deu-se o caso inverso, pois houve uma cantora luxemburguesa a representar outro país, mais precisamente o Mónaco. Maria Christina Ruggeri (1952-) nascera no sul do grão-ducado mas tinha-se mudado para Paris no início dos anos 70 quando passou a actuar sob o nome de Mary Christy. Pelo principado do Mónaco cantou "Toi, la musique et moi" ficando em terceiro lugar com 93 pontos, recebendo (obviamente) doze pontos do Luxemburgo.       

Catherine Ferry (França)



Em segundo lugar ficou a França, com Catherine Ferry (1953-) e "Un, deux, trois". Este foi o primeiro grande momento de notoriedade na carreira de Ferry mas ela esteve bem à altura, somando 147 pontos. No coro estava Daniel Balavoine, que viria tornar-se nos anos seguintes um dos mais aclamados cantores e compositores franceses (destacando-se o hit de 1985 "L'Aziza") até que faleceu tragicamente aos 33 anos num acidente de helicóptero durante o Rali Paris-Dacar de 1986. Catherine Ferry continuou activa na sua carreira, destacando-se a sua participação na versão francesa do musical "Abbacadabra" no papel de Alice (que na versão portuguesa foi desempenhado por Suzy Paula). Em 1990, Ferry abandonou a carreira para se dedicar à vida familiar, tendo voltado a actuar ocasionalmente desde 2008. Em 2010, "Un, deux, trois" foi incluído no filme francês "Potiche" com Catherine Deneuve e Gérard Dépardieu. 

Brotherhood Of Man (Reino Unido)


Tal como no ano anterior, a canção vencedora foi a primeira a actuar (algo que só voltou a acontecer em 1984). E esta terceira vitória do Reino Unido foi absolutamente arrasadora obtendo 164 pontos em 204 possíveis, com sete países (incluindo Portugal) a atribuir 12 pontos e desde então que "Save Your Kisses For Me" dos Brotherhood Of Man se tornou um dos grandes clássicos eurovisivos. O grupo tinha sido formado em 1969 pelo produtor Tony Hiller e na sua fase inicial teve uma formação rotativa de vários vocalistas. Em 1970, os Brotherhood Of Men obtiveram um hit internacional com "United We Stand" em que uma das vozes era de Tony Burrows que nesse ano também fez sucesso como vocalista dos Edison Lighthouse, a banda one-hit wonder de "Love Grows (Where Rosemary Goes)". Em 1973, os Brotherhood Of Men passaram a ter quatro membros fixos: Martin Lee, Lee Sheriden, Nicky Stevens e Sandra Stevens (sem parentesco). Com esta formação, tiveram alguns hits na Bélgica, mas foi só mesmo com "Save Your Kisses For Me" que os Brotherhood Of Men voltaram à ribalta no seu país natal. "Save Your Kisses For Me" continua aliás a ser a canção do Festival da Eurovisão comercialmente mais bem-sucedida no Reino Unido, onde vendeu um milhão de cópias e foi o single mais vendido de 1976. Os Brotherhood Of Man obtiveram mais dois singles no primeiro lugar no top britânico: "Angelo" (um decalque do "Fernando" dos ABBA) em 1977 e "Figaro" em 1978. Mas apesar do sucesso comercial ter desvanecido no início dos anos 80, os Brotherhood Of Man continuaram no activo com a mesma formação até 2022. Nicky Stevens continua a ser até ao momento a única cantora natural do País de Gales a vencer a Eurovisão. 






Festival da Eurovisão 1976: 





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