por Paulo Neto
Ainda falta muito até à próxima edição, mas quando o David Martins publicou uma foto de uma cassete com músicas do Festival da Eurovisão de 1980, resolvi escrever um artigo sobre essa edição. Edição essa que foi histórica por vários motivos: primeiro porque foi a 25.ª edição do certame, segundo porque foi a única em que participou Marrocos, terceiro porque o vencedor haveria de se tornar uma das maiores lendas do evento, quarto porque foi o primeiro Festival transmitido a cores em Portugal, já que as transmissões da RTP a cores tinham começado uns meses antes e quinto, quiçá o mais importante, porque Portugal obteve um dos seus melhores resultados de sempre e como é sabido, o nosso historial eurovisivo tem bem mais flops que sucessos.
O vigésimo-quinto Festival da Eurovisão teve lugar no dia 19 de Abril de 1980 (seis dias antes de eu nascer), no Congresgebouw de Haia na Holanda - o mesmo recinto que acolheu a edição de 1976. Por ter vencido pela segunda vez consecutiva no ano anterior, Israel deveria ser o país organizador. Mas quer por falta de verbas na televisão israelita quer por incompatibilidades com o calendário judaico, Israel não só não organizou o certame como nem sequer participou, sendo até hoje a única vez que um país não defendeu a sua vitória no ano seguinte. Também ausente esteve o Mónaco, que participava desde 1959 mas que a partir de 1980 iniciou um interregno apenas quebrado em 2004. Por seu turno, regressou a Turquia que esteve ausente no ano anterior e pela única vez, Marrocos marcou presença, pelo que participaram dezanove países tal como no ano transacto. Apesar de ser um país africano, Marrocos pôde participar no Festival da Eurovisão pelo facto de pertencer à EBU, tal como outros países do Norte de África e do Médio Oriente. Por exemplo, já antes a Tunísia mostrara interesse em participar em 1977 e até chegou a ser incluída no sorteio da ordem de actuação antes de voltar atrás, quiçá pela presença de Israel (cuja ausência em 1980 terá porventura facilitado a participação de Marrocos).
A apresentadora foi Marlous Fluitsma, mas cada canção foi apresentada por um apresentador de cada um dos países participantes na respectiva língua. O apresentador português foi Eládio Clímaco, com Isabel Wolmar a fazer os comentários para a RTP. Teresa Cruz foi a porta-voz dos pontos do júri de Portugal.
Nesse ano, a lanterna vermelha coube à Finlândia, com somente seis pontos. O intérprete foi Vesa-Matti Loiri, conhecido no seu país tanto como cantor como actor. A canção chamava-se "Huiliumies" ("o homem da flauta") e além de cantar, Loiri também tocou flauta.
A única participação de Marrocos no Festival foi deveras interessante, mas infelizmente tal não se reflectiu nos votos, ficando-se pelo penúltimo lugar com sete pontos, todos dados pela Itália. Samira Ben Said, ainda hoje uma das mais populares cantoras marroquinas, interpretou o tema "Bitaqat Hub" ("mensagem de amor") que mesclava sonoridades árabes com ritmo de disco-sound. A letra falava de um desejo de paz e amor, um sonho infelizmente ainda hoje por concretizar, sobretudo no mundo árabe.
Telex (Bélgica) |
Igualmente incompreendida foi a canção da Bélgica, que encerrou o desfile das actuações com o tema "Eurovision", aquele que porventura foi a primeira meta-canção eurovisiva. Os intérpretes eram o grupo synth-pop Telex, formado em 1978. Como se pode adivinhar pelo título, foi a primeira canção da Eurovisão a falar aberta e precisamente sobre o Festival da Eurovisão, chegando mesmo ao ponto de incluir um breve excerto do "Te Deum", o mítico tema da Eurovisão. A actuação teve tanto de irónica como de divertida, com o vocalista Michel Moers a cantar de forma estática mas lançando alguns confettis e a sacar de um máquina fotográfica no final. Segundo Moers, a banda pretendia ficar no último lugar, mas Portugal cortou-lhes as vazas ao dar dez pontos, deixando a Bélgica no 17.º lugar com 14 pontos. Os Telex continuaram a sua carreira com algum sucesso, sendo mesmo comparados aos Kraftwerk até à morte de um dos membros em 2008.
Também a Noruega apostou na originalidade, num dueto entre Sverre Kjellsberg e Mattis Haetta, de título "Sámmid Aednan"("Terra Sami"). Aliás o tema parecia duas canções numa só: primeiro Kjellsberg cantava a sua parte, exortando as terras da Lapónia norueguesa até que na recta final entrou Haetta entoando um canto esquimó, popularmente designado por yolk. Esse yolk da canção viria a ser usado no filme-prequela de 2011 "The Thing". Infelizmente na altura, ao contrário do que sucede hoje, canções étnicas não tinham grandes resultados no Festival, pelo que a Noruega quedou-se pelo 16.º lugar com 15 pontos.
Depois da ausência em 1979, onde cedeu à pressão de outros países árabes para não marcar presença em Israel apesar de até ter uma canção escolhida, a Turquia voltava à Eurovisão, representada por uma das suas mais populares cantora, Ajda Pekkan. Tal como a canção de Marrocos, também o tema turco "Petr' Oil" conjugava modernos ritmos disco com sonoridade árabes. A letra era bastante subversiva pois tanto podia ser que Pekkan estivesse a cantar o seu amor por alguém chamado Petr Oil como a cantar o "amor" que muitos têm pelo petróleo. Ajda Pekkan continua a ter uma carreira bem-sucedida, mas hoje em dia é loura e apesar dos seus 69 anos, graças à competência dos melhores cirurgiões de Istambul, quase parece mais nova agora do que em 1980. A Turquia ficou em 15.º lugar com 23 pontos.
A Dinamarca apostou numa proposta mais ternurenta com "Taenker altid pa dig" ("sempre a pensar em ti"), interpretada pelo grupo Bamses Venner ("os amigos do urso de peluche"). O nome vinha da alcunha do vocalista Flemming Jorgensen a quem lhe chamavam Bamse, ou urso de peluche, que parecia uma personagem saída de um desenho animado tendo-se apresentado em palco de jardineiras e camisola às riscas. Bamse e companhia obtiveram 25 pontos e o 14.º lugar. O grupo continuou activo no seu país até à morte de Bamse em 2011.
Anna Vissi (Grécia) |
Trigo Limpio (Espanha) |
A Grécia fez-se representar por uma cantora natural de Chipre, Anna Vissi, que dava então os primeiros passos numa extremamente bem-sucedida carreira em ambos os países. Acompanhada pelo trio vocal Epikuri que incluía a sua irmã Lia, Anna Vissi interpretou o tema "Auto-Stop" que como o título indicava falava de se viajar à boleia. A Grécia recebeu 30 pontos que lhe valeu o 13.º lugar. Vissi voltaria ao Festival mais duas vezes, em 1982 pelo seu Chipre natal e em 2006 novamente pela Grécia, precisamente na edição realizada em Atenas.
Os representantes espanhóis foram o trio Trigo Limpio, formado então por Iñaki de Pablo, Luis Carlos Gil e Patricia Fernandez. O trio já tinha representado a Espanha no Festival da OTI em 1977 com o tema de título BDSM "Rompeme, matame" quando a parcela feminina era Amaya Saizar (que por sua vez iria à Eurovisão em 1984 com o grupo Bravo). Em Haia, levaram o tema "Quedate esta noche" que teve um desempenho sui-generis nas votações: os seis primeiros países a votar deram todos pontos à canção espanhola, mas depois só acrescentariam mais dois pontos de Portugal, num total de 38 pontos, rendendo o 12.º lugar.
Representando a França esteve um grupo propositadamente formado para a ocasião: os Profil, formados por Martine Bauer, Martine Havet, Francis Rignault, Jean-Claude Corbel e Jean-Pierre Izbinski. Os cinco defenderam o animado tema "Hé Hé M'sieur Dames" vestidos de branco e das cores do arco-íris e terminaram em 11.º lugar com 45 pontos. Posteriormente todos regressaram aos seus percursos a solo. Recentemente foi noticiado o falecimento de Martine Havet.
O representante da Suécia foi Tomas Ledin com o tema "Just Nu!" ("agora mesmo") que ficou em 10.º lugar com 47 pontos. Ledin teve várias ligações aos ABBA: fez coros na sua digressão de 1979, casou-se com a filha de Stig Andersson, o manager dos ABBA e escreveu canções para os álbuns a solo de Anni-Frida Lynstaad e Agnetha Faltskog, chegando mesmo a gravar um dueto com esta. Além disso, Tomas Ledin continua a ter uma bem sucedida carreira na Escandinávia.
Magaly & Sophie (Luxemburgo) |
Blue Danube (Áustria) |
O Luxemburgo apostou numa proposta mais pueril, com as gémeas francesas Sophie e Magaly Giles a cantarem o tema "Le Papa Pingouin", onde não faltou a presença de um homem vestido de pinguins no coro. O grão-ducado alcançou o nono lugar com 56 pontos e o single vendeu mais de um milhão de cópias. Mas infelizmente o futuro das jovens gémeas foi bastante aziago: só tiveram direito a uma ínfima fracção do dinheiro ganho pelas vendas do disco e não conseguiram prolongar a carreira. Magaly faleceu de doença relacionada com SIDA em 1996 e Sophie tem desde então vivido em reclusão e sofrido com problemas mentais. Em 2006, uma nova versão do tema por Pigloo conseguiu algum sucesso em alguns países, incluindo Portugal, cujo videoclip passou frequentemente no Canal Panda.
O primeiro tema a subir ao palco foi o da Áustria, "Du Bist Musik" ("tu és música") interpretado pelo grupo Blue Danube, que tal como o francês, foi formado propositadamente para a ocasião, composto por Marty Brem, Wolfgang Berry, Sylvia Schramm, Rena Mauris e Wolfgang Weiss. O tema mencionava diversos compositores e estilos musicais obtendo 64 pontos e o 8.º lugar. Marty Brem seria o representante austríaco no ano seguinte, cuja actuação foi uma das mais bizarras de sempre.
José Cid (Portugal) |
Alan Sorrenti (Itália) |
Portugal alcançou nesta edição um dos seus melhores resultados de sempre no certame, com José Cid a conseguir o sétimo lugar com 71 pontos. Apenas Áustria, Marrocos, Reino Unido e Espanha não deram pontos a Portugal e a Itália deu 10 pontos. Até então só em 1972 é que o nosso país tinha conseguido tal posição e apenas em 1996 é que Portugal conseguiu ainda melhor. Tudo graças a "Um Grande, Grande Amor" e o seu refrão poliglota "Adio, adieu, auf wiedersehen, goodbye. Amore, amour, meine liebe, love of my life". Dá para crer que tal era o potencial do refrão que a versão eurovisiva do tema abria logo com ele, ao passo que na versão do Festival da Canção iniciava com a primeira estrofe. O excelente desempenho em Haia foi ouro sobre azul para José Cid, que tantas vezes concorrera ao Festival da Canção quer a solo, quer com os Green Windows. Cid regressaria à Eurovisão em 1998, integrando o grupo Alma Lusa.
Uma posição acima, com 87 pontos ficou a Itália, representado por Alan Sorrenti, cantor napolitano filho de mãe galesa. Pelos agudos da sua voz, dir-se-ia que Sorrenti era o Barry Gibb italiano, interpretando o tema "Non So Che Darei" ("não sei o que daria"). Destaque para as cantoras do coro empunhando guitarras claramente falsas. Seja como for, deu para convencer a Europa a posicioná-lo no sexto lugar, inclusivamente Portugal que deu 12 pontos à Itália.
Em quinto lugar ficou a canção do país da casa, a Holanda. Pode-se dizer que os Países Baixos têm duas capitais: a capital governamental fica em Haia e a capital constitucional em Amesterdão. Por isso, nada mais holandês do que haver alguém em Haia a cantar uma canção sobre Amesterdão. Foi o que aconteceu com Maggie MacNeal a interpretar o tema "Amsterdam" que louvava os encantos desta cidade que eu adorei visitar em 2009. Maggie MacNeal (que tem o quase impronunciável verdadeiro nome de Sjoukie van't Spijker) já tinha representado o seu país em 1974 como parte do duo Mouth & MacNeal que obteve o terceiro lugar. Desta feita ficou em quinto com 93 pontos. Desde 2000 que Maggie McNeal tem actuado com Marcha Bult, outra representante eurovisiva holandesa (1987), em que as duas interpretam vários temas da Eurovisão.
O quarto lugar (104 pontos) foi para a Suíça que se fez representar por Paola Del Medico, ou simplesmente Paola. Apesar do seu nome acusar as suas origens italianas, o seu repertório era maioritariamente em alemão e francês. Nos anos 80, Paola apresentou um programa de apanhados para a televisão alemã com o seu marido Kurt Felix e representou por duas vezes a Suíça na Eurovisão, em 1969 e 1980. Como o título indicava, o tema "Cinema" falava de memórias cinematográficas mencionando actores como Buster Keaton, Charlie Chaplin e Fred Astaire e heróis animados como o Rato Mickey e o Peter Pan.
Entrando nas posições do pódio, o Reino Unido alcançou a terceira posição. Tal como a Áustria e a França, os seus representantes formaram um grupo para a ocasião, os Prima Donna formado Kate Robbins, Jane Robbins, Sally Ann Triplett, Danny Finn, Alan Coates e Lance Aston, interpretando o tema "Love Enough For Two", que obteve 106 pontos. Sally Ann Triplett regressaria à Eurovisão em 1982 como parte do grupo Bardo, Kate Robbins teve uma bem-sucedida carreira como cantora e actriz e Lance Aston veria a sua irmã Jay ganhar o Festival no ano seguinte como membro dos Bucks Fizz.
A Alemanha era tida como a principal favorita e não era para menos, pois fazia-se representar por uma das cantoras mais populares do país, Katja Ebstein. Ebstein já representara a Alemanha em 1970 e 1971, tendo sido terceira em ambas as ocasiões. Desta vez conseguiu ainda melhor, tendo sido segunda com 128 pontos. E se a canção da Suíça falou do cinema, a da Alemanha falava sobre a arte do teatro (como indicava o título "Theater") onde Ebstein cantava a forma como os actores mascaram os seus verdadeiros sentimentos quando sobem ao palco. A acompanhá-la nos coros estava um simpático grupo de mimos.
Johnny Logan (Irlanda) |
No entanto, a vitória, com um total de 143 pontos, acabou por ir à Irlanda. Tudo graças a um jovem nascido na Austrália sob o nome de Sean Sherrard mas que o Mundo viria a conhecer como Johnny Logan. Sentado num banquinho, Logan interpretou o tema "What's Another Year", convencendo os júris europeus a concederam uma segunda vitória à Irlanda, dez anos depois da primeira na voz de Dana. Como de certo modo tem acontecido com a maioria das canções que venceram o Festival da Eurovisão, "What's Another Year" tornou-se um hit em toda a Europa, atingindo o n.º1 do top na Irlanda, no Reino Unido, na Bélgica, na Noruega e na Suécia e Logan tornou-se o novo herói nacional irlandês. Mas como se sabe, foi apenas metade da sua lenda. Em 1987, venceu de novo o Festival, tornando-se no único cantor a vencer o certame e num dos maiores ícones do Festival. Para culminar, uma canção da sua autoria ganhou em 1992, adensando ainda mais a lenda à sua volta e valendo-lhe a alcunha de "Mr. Eurovision".
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Os comentários foram da Isabel Wolmar e não do Eládio Clímaco, o Eládio só subiu ao palco.
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