sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Totoloto - Parte 2 (1985-)

por Paulo Neto

O ano era 1985. Portugal recuperava lentamente de uma grave crise financeira e estava em vias de aderir à Comunidade Económica Europeia. Foi então que mais de duzentos anos após a criação da Lotaria Nacional e 24 anos depois do início do Totobola, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decidiu criar mais um jogo de apostas, o Totoloto. Em 2015, o David Martins fez aqui um artigo sob o Totoloto e agora sou eu que quero dar a minha perspetiva.  



O primeiro sorteio do Totoloto foi emitido pela RTP no dia 30 de Março de 1985. Inicialmente os apostadores tinham de escolher seis números entre 1 e 45 e caso acertassem entre três a seis números, tinha direito a um prémio monetário. Além dos seis números da chave, era sorteado o número suplementar que caso houvesse uma aposta deste número com cinco dos outros números extraídos também teria um prémio a ser atribuído. E foi também na sua génese que nasceu o lendário slogan/jingle: "É fácil, é barato, dá milhões!".



Segundo o Diário de Lisboa, o principal prémio do primeiro sorteio foi repartido entre um casal lisboeta e um apostador anónimo de Seia que acertaram nos números 7, 10, 13, 21, 34 e 39, sendo o número suplementar o 12, com 9341 contos para cada um. (Nos boletins, se os apostadores não quisessem ter a sua identidade revelada em caso de prémio, assinalavam com uma cruz no quadradinho destinado a esse efeito.) 



O programa de cinco minutos ia para o ar na RTP1 todos os sábados antes do noticiário da noite sob presença do júri do concurso, cada membro representando uma das três entidades supervisoras do concurso: o departamento de apostas mútuas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Governo Civil de Lisboa e a Inspeção Geral das Finanças, que em cada emissão apareciam no ecrã sentados a uma mesa. Entre as várias apresentadoras, a primeira e aquela que seria mais associada ao programa era Cândida Gerardo, uma das contratadas em 1978 num concurso da RTP para as funções de locução de continuidade que recrutou vários nomes que rapidamente fizeram parte do imaginário televisivo nacional. Segundo o jornal "Tal & Qual", Cândida Gerardo terá sido mesmo uma das primeiras pessoas a registar um boletim do Totoloto. 
  





As esferas com os números que tinham cores diferentes consoante o número das dezenas, eram lançadas numa tômbola mecânica, e uma a uma, as bolas dos seis números da chave saíam por uma ranhura e rebolavam por uma calha. Depois saía a bola do número suplementar, que iria parar a outra calha. Por fim, a apresentadora recebia do júri umas chapas com os números sorteados que ela colocava numas ranhuras por ordem numérica para facilitar a verificação. No monólogo da despedida, a apresentadora dizia a famosa frase: "Se esta foi a chave em que apostou, aceite desde já os nossos parabéns." Caso ninguém acertasse na chave, o prémio acumulava para a semana seguinte, que seria de jackpot. Também recordo-me do tema instrumental do genérico da autoria de Júlio Pereira

O Totoloto depressa conquistou os portugueses, que sonhavam com o grande prémio. Só no primeiro sorteio, foram registadas onze milhões de apostas (cada boletim poderia conter entre duas e dez apostas) e não tardou a superar o Totobola em termos de popularidade. Embora devido à sua curta duração, não fosse elegível para o ranking das audiências, as emissões dos sorteios do Totoloto paravam o país. Na nossa casa não era excepção, pois durante anos a fio a minha mãe jogava todas as semanas no Totoloto, no entanto o máximo que conseguiu foi um 4.º prémio, correspondente a quatro números certos, que lhe rendeu pouco mais de mil escudos. Muito esporadicamente, ela também conseguia o quinto prémio por acertar três números, que valia pouco mais de cem escudos.
Segundo o site "Brinca Brincando" (a quem tenho de agradecer pela milésima vez pelas informações e imagens), ao princípio o apuramento dos vencedores era feito à mão e os funcionários da Santa Casa chegavam a passar 16 horas na execução dessa tarefa. Rapidamente tornou-se necessário encomendar mais máquinas para poder ler todos os boletins registados (por vezes a sobrecarga das máquinas era tal que alguns boletins tinham de ser verificados a olho) assim como a capacidade de produção das gráficas que imprimiam os boletins. 

Os números da tômbola passaram a ser 47 em 1988 e 49 em 1990, que se mantêm até hoje. A febre do Totoloto rendeu várias histórias de tentativas de fraude (que o sistema de microfilme da Santa Casa facilmente conseguia desmascarar), daqueles que viraram a vida com a fortuna conquistada no Totoloto bem como daqueles que viriam mais tarde a perdê-la por completo, de amizades e casamentos desfeitos por causa de prémios, de publicações e esquemas que asseguravam através de manobras manhosas de estatística ter a fórmula exacta para acertar nas chaves. O Diário de Notícias chegou a fazer uma notícia falsa por ocasião do Dia das Mentiras em que o único totalista do Totoloto daquela semana fora...Marcelo Rebelo de Sousa!

A partir de Outubro de 1995, o Totoloto deixou de ser um programa independente e a sua extracção passou a ser integrada em programas da RTP como "Clube Dos Totalistas", "Há Horas Felizes", "Santa Casa" e "Sábado À Noite". 

Foi aliás em 1996, durante uma emissão de "Clube Dos Totalistas" conduzida por Carlos Ribeiro que aconteceu o episódio mais caricato de um sorteio do Totoloto, quando saiu a bola número 0 como número suplementar. Como é óbvio o zero não fazia parte dos números para apostar (pelo que era estranhíssimo que uma bola com o número 0 não só estivesse dentro da tômbola como tivesse sido fabricada de todo). 


Uma vez que o mecanismo da tômbola tinha sido programado para extrair apenas sete das bolas numeradas, demorou-se imenso tempo até ser possível sair uma bola para substituir a do número 0 até que uma assistente do programa conseguiu retirar a bola com o número 7. 
Esse episódio foi famosamente analisado num dos Tesourinhos Deprimentes, onde foi referido o facto de possivelmente pela única vez, um dos membros do júri supervisor do sorteio ter sido obrigado a intervir ao vivo no programa, com Tiago Dores a fazer a piada de que o senhor teve depois "um esgotamento e meteu baixa até hoje". (Li uma vez algures que o senhor em questão não gostou da piada e que tencionava processar os GF. Foi mesmo verdade ou só um rumor?)
Se não me falha a memória, essa chave com o número 0, mesmo após a substituição pelo número 7, foi depois declarada nula pelo departamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e outro sorteio foi efectuado. Porém aceitaram atribuir o prémio a um apostador que tinha acertado os seis números da chave anulada.  



Outra situações que me lembro: ainda nos anos 80, saiu uma vez uma chave em que seis dos sete números sorteados (incluindo o suplementar) eram todos na casa dos trinta (a única excepção foi o número 15) e no início dos anos 90, tinha saído o número 37 mas quando a apresentadora ordenou os números, foi-lhe entregue por engano a chapa com o número 39. Mais tarde, a seguir ao Telejornal, a RTP emitiu uma imagem da tômbola com as bolas sorteadas e as chapas dos números sorteados, onde surgia a chapa com o número 37 e uma voz-off a confirmar que tinha havido um lapso e que era de facto o número 37 e não o 39 que tinha sido sorteado. 

Em Março de 1997, foi criado o Loto 2, onde se efectuava um novo sorteio à segunda feira, destinado aos apostadores que assinaram com uma cruzinha do boletim que também queriam apostar neste sorteio extra. Ao princípio, o sorteio do Loto 2 também era transmitido na RTP mas a partir de Janeiro de 1998 e até 2001, foi integrado no programa "Roda Dos Milhões" da SIC, regressando à RTP após o final do programa. Uns anos mais tarde, os sorteios do Totoloto e do Loto 2 voltaram a ter o seu espaço independente na RTP e depois na SIC.

O Totoloto acabaria por perder popularidade após a criação do Euromilhões em 2004 que com maiores prémios e campanhas publicitárias mais apelativas, acabou por cativar mais os portugueses. Os seus sorteios, realizados em França, foram até hoje transmitidos pela TVI. 

Em Março de 2011, o Totoloto sofreu uma mudança significativa. Agora passava-se a apostar em cinco números de 1 a 49, bem como num número de 1 a 13 numa coluna à parte, a do Número da Sorte. Quem acertar no Número da Sorte, recebe o valor monetário que apostou, existindo prémios monetários para quem acertou pelo menos dois números da chave e um prémio maior para quem acertou nos cinco números da chave e no Número da Sorte. Além disso, passou-se a registar um mínimo de uma aposta, em vez das duas do sistema anterior. Neste sistema, existe 15% de hipóteses de conseguir qualquer um dos prémios, contra 1,9%. Existem dois sorteios semanais ao sábado e à quarta-feira.     

Com o passar do tempo, o sorteio do Totoloto deixou de ser em directo, com a SIC a transmiti-lo em diferido (embora pudesse ser acompanhado em directo no site da Santa Casa). Porém a partir de Março de 2020, com a pandemia, deixou de haver qualquer transmissão do sorteio do Totoloto, com a SIC (e creio que também a SIC Notícias) a divulgar em rodapé as chaves extraídas nos dias de sorteio.

Sorteio do Totoloto em "Clube Dos Totalistas" (18 Maio 1996)


  



Se gostou, Partilhe: »»

Save on Delicious

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...