segunda-feira, 13 de maio de 2024

Festival da Eurovisão 1995

 


O 40.º Festival da Eurovisão teve lugar no dia 13 de Maio de 1995, precisamente o dia em que em Portugal assistiu ao casamento de Dom Duarte de Bragança e Isabel de Herédia no Mosteiro dos Jerónimos, o mais parecido que o nosso país teve com um casamento real desde a implantação da República.

Mary Kennedy



Por ter vencido pela terceira vez consecutiva, a Irlanda voltava uma vez mais a organizar o certame que, tal como no ano anterior, decorreu no Point Theatre em Dublin. A apresentação esteve a cargo de Mary Kennedy. Participaram 23 países, com Bélgica, Dinamarca, Eslovénia, Israel e Turquia a regressarem após ausência no ano anterior enquanto Eslováquia, Estónia, Finlândia, Lituânia, Países Baixos, Roménia e Suíça ficaram de fora este ano por terem ficado nos últimos sete lugares da classificação na edição de 1994. Segundo as fontes da altura, já se sabia que nesse ano o método de relegação iria ser descontinuado, o que sem dúvida foi um alívio para os países que ficaram na cauda da tabela (incluindo Portugal), por saberem que não ficariam automaticamente impedidos de participar no ano seguinte. 
Depois da introdução do ano seguinte e como tem sido regra desde então, os porta-vozes das votações de cada país puderam ser vistos em teleconferência, com Serenella Andrade a revelar os votos de Portugal. Tal como em 1990, 1991 e 1993, os comentários para a RTP estiveram cargo de Ana do Carmo.

Serenella Andrade anunciou os votos de Portugal

Na introdução foi possível ouvir alguns temas de conhecidas bandas irlandeses, como "Ode To My Family" dos Cranberries e "Pride (In The Name Of Love)" dos U2. Como se tratava da 40.ª edição foi também exibida uma breve retrospectiva da história do Festival até então (claro está sem mostrarem nenhuma participação portuguesa).

A principal razão porque não fiz mais cedo um artigo sobre o Festival de 1995 é porque nunca foi uma edição que eu apreciei muito, até será quiçá a que eu menos gosto na década de 90. Pessoalmente, tirando quatro ou cinco excepções, acho que foi um conjunto de canções abaixo da média. Também dava para notar que a televisão irlandesa já estava farta de organizar o Festival e a ficar sem ideias. O palco parecia muito vazio e pouco iluminado (sobretudo comparado com o do ano anterior no mesmo local). Os postcards, os gráficos e o quadro de pontuações, tirando alguns detalhes, também foram mais do mesmo.
O principal ponto positivo é que foi a primeira edição em que se via claramente que estávamos nos anos 90. Isto porque embora goste muito dos Festivais entre 1990 e 1994, tirando uma ou outra excepção, essas edições não reflectiam muito bem as sonoridades e as estéticas da cena musical da altura e ainda estavam muito decalcadas dos cânones eurovisivos dos anos 80. Mas em 1995, finalmente vários países começaram a trazer propostas mais de acordo com a época e que romperam com esses cânones, havendo dois exemplos disso deveras preponderantes.

Stone & Stone (Alemanha)

Em último ficou a Alemanha, na altura pouco habituada à cauda da tabela, com apenas um ponto de Malta. O duo Stone & Stone, composto pelo ex-casal Glen e Cheyenne Penniston, não convenceu com o tema "Verlibt in Dich" ("apaixonada por ti"). De origem americana, Glen Penniston viera para a Alemanha trabalhar como músico nos anos 70 e aí conheceu Cheyenne. Quando participaram no Festival, estavam separados há um ano mas ainda continuaram juntos na música por mais algum tempo. Diz-se que a Alemanha foi o país mais interessado em acabar com o sistema de relegação, mas ironicamente, no ano seguinte foi um dos países afastados na pré-eliminatória.

Csaba Szigeti (Hungria)

No ano anterior, a Hungria estreara-se com um excelente quarto lugar, mas aqui ficou em penúltimo com três pontos. Csaba Szigeti cantou "Uj név egy régi haz falán" ("um novo nome na parede da velha casa"). 

Tó Cruz (Portugal)

Portugal quedou-se pelo 21.º lugar com cinco pontos (4 da França e 1 da Grécia). Tó Cruz cantou "Baunilha e Chocolate", com letra de Rosa Lobato Faria, música do maestro António Vitorino D'Almeida e orquestração de Thilo Krassmann. Nesse ano, a RTP optou por método inovador para seleccionar o seu intérprete para a Eurovisão. No início de 1995, abriu um casting tipo "Ídolos" avant-la-lettre durante três dias onde foram seleccionados 36 (na verdade 37, pois havia um duo com duas irmãs gémeas) que participaram no programa "Selecção Nacional". Em cada sessão desse programa apresentado por Carlos Mendes, seis concorrentes cantavam cada um uma interpretação pessoal de uma canção portuguesa e o júri composto por João Maria Tudela, Miguel Ângelo e Nucha escolhia um vencedor para ir ao Festival da Canção, além de uma ronda de repescagem que apurou mais dois (incluindo Tó Cruz, que cantou "Porto Sentido"). Entre outros participantes contaram-se Pedro Miguéis e Vânia Maroti, que tinham passado pelo "Chuva de Estrelas", e uma ainda desconhecida Susana Félix. As 36 interpretações foram depois editadas num disco e mais adiante nesse ano a RTP teve o programa "Selecção de Esperanças" onde competiram alguns dos cantores que não tinham sido seleccionados para o programa principal.  A RTP atribuíu a cada concorrente finalista uma equipa de conhecidos compositores para lhe escrever uma canção para o Festival.
O Festival da Canção de 1995 decorreu no Teatro do Tivoli a, como não podia deixar de ser, a 7 de Março, dia de aniversário da RTP. Apesar de alguns elementos inovadores como pela primeira vez os porta-vozes dos 22 júris serem vistos em videoconferência e a introdução do televoto como 23.º júri e do hilariante desempenho de Herman José na condução da votação, a meu ver não foi uma edição muito memorável, até porque pese o talento dos cantores, o nível das canções era fraco e sem grande potencial para a Eurovisão, ainda que tenha ganho uma das melhorzitas. 
Nascido em Lisboa, Tó Cruz estava há vários anos activo na cena musical, desde actuações em bares, a solo ou em bandas como os Blá Blá Magazine, a coros para outros artistas e jingles publicitários. Após a sua participação no Festival da Eurovisão, Tó Cruz destacou-se como a voz cantada do Quasimodo na versão portuguesa do filme da Disney "O Corcunda de Notre-Dame" e pelo hit de 1999, "Camaleão", do álbum do mesmo nome que assinou como TC.  

Frédéric Etherlinck (Bélgica)

Em 20.º lugar com 8 pontos, ficou a Bélgica, um dos países ausentes no ano anterior. Frédéric Etherlinck cantou "La voix est libre". Actualmente Frédéric reside em Montreal no Canadá onde fez carreira como actor. (Fisicamente e de voz, ele fazia-me lembrar o cantor português Tó Leal.)

Davorin Popovic (Bósnia-Herzegovina)


Ainda com sob a sombra da guerra, a Bósnia-Herzegovina participou pela terceira vez, ficando em 19.º lugar com 14 pontos. O seu representante foi Davorin Popovic, um dos pioneiros da cena rock de Sarajevo, mantendo paralelamente uma carreira a solo com a do líder da banda Indexi. No Festival cantou, "Dvadeset prvi vijek" ("o Século XXI"). Infelizmente Popovic faleceu de cancro em 2001 com apenas 54 anos. 

Justyna (Polónia)


No ano anterior, Polónia estreou-se na Eurovisão em grande alcançado o segundo lugar. Mas nesse ano, o resultado foi mais modesto, o 18.º lugar com 15 pontos. Justyna Steczkowska levou um tema bem étnico-alternativo, "Sama" ("só") onde pôde exibir o seu alcance vocal de quatro oitavas. Então Justyna estava em início de carreira, que alcançaria enorme sucesso no seu país. Em 2024, especulou-se que Justyna poderia regressar ao Festival e foi revelado que uma canção sua ficou em segundo lugar entre as canções que a televisão polaca analisou para a sua decisão interna.   

Philipp Kirkorov (Rússia)


A Rússia foi outro país que se tinha estreado no ano anterior e nesta segunda participação foi representada por Philipp Kirkorov com "Kolybelnaya dlya vulkana" ("canção de embalar para um vulcão"). Nascido na Bulgária mas vivendo na Rússia desde a infância, Kirkorov tinha iniciado a sua carreira de cantor em 1989 abrangendo vários estilos. Em Dublin, não foi além do 17.º lugar com 17 pontos, mas Philipp Kirkorov regressaria ao Festival como compositor de várias canções (Bielorrússia 2007, Ucrânia 2008, Moldávia 2021) e quando a Eurovisão teve lugar em Lisboa em 2018, ele foi visto integrado na delegação da Moldávia. Alla Pugacheva, com quem Kirkorov foi casado entre 1994 e 2005, representaria a Rússia dois anos depois.

Arzu Ece (Turquia)

Em 16.º lugar ficou a Turquia com 21 pontos. Arzu Ece já tinha participado em 1989 como membro do grupo Pan e nesse ano apresentava-se a solo com a balada "Sev" ("ama"). Arzu Ece fez depois uma longa pausa na carreira musical regressando apenas em 2012 para um novo single, já depois ter vencido uma leucemia em 2009. 

Bo Halldórsson (Islândia)


Um dos mais populares cantores da Islândia, Björgvin "Bo" Halldórsson tinha tentado representado várias vezes o seu país no Festival até que finalmente em 1995 foi expressamente escolhido para tal, levando a canção "Núna" ("agora"), ficando no 15.º lugar com 31 pontos. A sua filha Svala também representou a Islândia na Eurovisão em 2017.

Eddie Friel (Irlanda)

Após três vitórias consecutivas e todas as dificuldades para organizar as subsequentes edições, a Irlanda quis assegurar que não ganhava de novo e de facto, o tema que escolheram desta vez, "Dreamin'", interpretado por Eddie Friel, não era de todo para discutir a vitória. Aliás, a canção teve acusações de plágio devido às semelhanças com o tema "Moonlight" de Julie Felix (e ouvindo o dito, de facto as semelhanças são bastantes). Como tal, ficou em 14.º lugar com 44 pontos. Mas ainda havia mais uma vitória irlandesa no horizonte.

Stella Jones (Áustria)

A Áustria foi um dos países que trouxeram um toque de modernidade. A sua representante, Stella Jones, nasceu em Berlim filha de pai americano e mãe alemã, e residia em Viena desde o seis anos. Em 1992, cantou no tema "Birthday Song" do grupo Power Pack que foi n.º 1 no top austríaco. Em Dublin, Stella levou o tema r&b "Die Welt dreht sich verkhert" ("o mundo giro para o lado errado"), ficando em 13..º lugar com 67 pontos. Outra figura de destaque na actuação foi a saxofonista. Desde então Stella Jones tem colaborado com vários artistas internacionais como Gloria Gaynor, Chaka Khan, Taylor Dayne e Nina Hagen.  

Elina Konstantopolou (Grécia)

Coube à Grécia terminar o desfile das canções, na voz de Elina Konstantopolou com a canção "Pia prosefhi" ("Qual oração?"), obtendo 68 pontos e o 12.º lugar. Em 2005, Elina esteve presente no Festival desse ano fazendo coro para a canção de Chipre. 

Keith Spiteri (Malta)


Malta e Reino Unido compartilharam o 10.º lugar com 76 pontos. Se a canção maltesa, "Keep in me mind", defendida por Keith Spiteri, era uma balada convencional, a do Reino Unido foi uma canção que rompeu os cânones da eurovisiva, trazendo sonoridades r&b e hip hop.


Love City Groove (Reino Unido)


A canção tinha o mesmo nome que o grupo, Love City Groove, composto por Yinka Charles ou MC Reason, Paul Hardy, Jay Williams, Stephen Rudden e Derek Jinghoree. O resultado pode ter sido mediano para o currículo de então do Reino Unido no Festival, mas o tema teve algum sucesso internacional e até me lembro de ouvi-lo na rádio no Verão desse ano. 

Alexandros Panayi (Chipre)


Alexandros Panayi tinha sido cantor de coro nas canções cipriotas de 1989 e 1991 e nesse ano pôde finalmente representar Chipre como vocalista principal. Panayi iniciou a sua actuação do tema "Sti fotia" ("no fogo") passando por um manto erguido por dois dos músicos que o acompanharam. Com recortes étnicos, a canção cipriota obteve o nono lugar com 79 pontos, e lembro-me que houve um concorrente do "Chuva de Estrelas" que cantou esta canção. Alexandros Panayi voltaria mais vezes à Eurovisão, representando novamente Chipre em 2000 como parte do duo Voice e fazendo coro em outras canções, em especial a da Grécia de 2005 que venceu nesse ano.

Liora (Israel)

Dezasseis anos depois de ter vencido com "Hallelujah", Israel tentava a sua sorte com outra canção com um título religioso, "Amen", na voz de Liora. A canção israelita chegou a ser apontada como favorita mas ficou em oitavo lugar com 81 pontos.

Darja Svajger (Eslovénia)


Darja Svajger foi a representante da Eslovénia que trouxe a powerballad "Prisluhni mi" ("escuta-me") que obteve 84 pontos e o 7.º lugar, até a data o melhor resultado deste país, igualado com 2001. Darja Svajger voltou a representar a Eslovénia em 1999.

Magazin & Lidija (Croácia)


A terceira participação da Croácia como país independente esteve a cargo do grupo Magazin com a participação especial da cantora lírica Lidija Horvat-Dunjko. Os Magazin tinham iniciado a sua carreira em 1979 que se estende até hoje com vários membros na sua formação. Na altura a sua vocalista era Danijela Martinovic que conjugou a sua voz à de Lidija para cantar "Nostalgija", obtendo o sexto lugar com 91 pontos. Em 1996, Danijela Martinovic deixou a banda para uma carreira a solo e representou a Croácia no Festival de 1998.

Aud Wilken (Dinamarca)


A Dinamarca ficou em quinto lugar com 92 pontos, com mais uma canção de recortes étnicos. Aud Wilken cantou "Fra Mols til Skagen" ("de Mols a Skagen", duas cidades dinamarquesas). Wilken tinha começado a sua carreira nos anos 80 em bandas rock mas por esta altura dedicava-se mais ao pop e ao jazz. Embora continue no activo, Aud Wilken tem apenas um álbum a solo de 1999.

Nathalie Santamaria (France)


A França ficou em quarto lugar com 94 pontos, com um dos temas mais pop a concurso, "Il me donne rendez-vous" ("ele marca encontro comigo") na voz de Nathalie Santamaria, natural de Ajaccio na ilha da Córsega. O seu único álbum data de 1997. 

Jan Johansen (Suécia)

Em terceiro lugar, ficou a Suécia com a balada "Se pa mig" ("olha para mim"), defendida por Jan Johansen. Filho de Egil Johansen, um importante nome da cena jazz sueca, este foi um dos primeiros passos na carreira de Jan Johansen que dura até hoje. Apesar de não ter mais regressado à Eurovisão, Jan Johansen participou também na célebre final nacional sueca, o MelodiFestivalen, em 2001, 2003 e 2020. 

Anabel Conde (Espanha)

Espanha alcançou um excelente segundo lugar. Anabel Conde defendeu "Vuelve conmigo" obtendo 119 pontos. Esse sucesso fez com que a sua terra natal, Fuengirola (província de Málaga), nomeasse uma praça em sua honra. Anabel Conde regressaria ao Festival em 2005 fazendo coro na canção de Andorra e também participou nas pré-selecções espanholas de 2000 e 2010.  

Secret Garden (Noruega)


Mas a vitória desde muito cedo que se anunciou para a Noruega com 148 pontos e seis países a atribuírem os 12 pontos (incluindo Portugal). E tal como a canção do Reino Unido, a canção da Noruega, "Nocturne" pelo grupo Secret Garden, rompia com as convenções eurovisivas de então. Isto porque se tratava de um tema quase instrumental com apenas com apenas uns escassos versos vocais por parte de Gunnhild Tvinnerim (a letra tinha ao todo apenas 24 palavras) no início e no fim. Nos entretantos, a interpretação principal esteve a cargo da violinista Fionnuala Sherry, secundada pelos outros músicos. (Lembro-me de ver o vídeo da actuação no programa de antevisão das canções concorrentes que dava na RTP e pensar "Então, mas ela não volta a cantar?")
E ironicamente, apesar desta ser a única vez entre 1992 e 1996 que a Irlanda não ganhou, não só as sonoridades faziam lembrar a música celta irlandesa como a própria Sherry era irlandesa. O outro membro principal dos Secret Garden era Rolf Lovland que fora o autor e compositor da outra canção com que a Noruega vencera dez anos antes, "La det swinge" das Bobbysocks. Os Secret Garden continuam no activo, com dez álbuns editados, e além de "Nocturne, a sua canção mais conhecida é "You Raise Me Up", originalmente interpretada por Bryan Kennedy e que já conheceu inúmeras versões de nomes como Josh Groban, Westlife e Il Divo. 

Festival da Eurovisão 1995 em HQ (sem comentários):


A transmissão da RTP: 







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