Quando vi no cinema a adaptação modernaça de Baz Luhrmann de "Romeu & Julieta" (1996), achei que, mesmo sem nunca antes ter ouvido falar dela, Claire Danes foi uma linda Julieta que não deixou brilhar sozinho um Leonardo Di Caprio que já era uma estrela, mesmo ainda a um ano de "Titanic".
Tal como eu, muitos apenas descobriram esse novo rosto em "Romeu & Julieta", pelo que a RTP aproveitou o timing da estreia do filme em Portugal para exibir a série que tinha revelado Claire Danes uns anos antes. "Que Vida Esta!", no original "My So-Called Life", foi exibida originalmente nos Estados Unidos, numa única temporada de 19 episódios entre 1994 e 1995. Em Portugal, passou na RTP1 em 1997 aos domingos à tarde, penso eu que quando "Romeu & Julieta" ainda estava nos cinemas nacionais.
A série foi criada por Winnie Holzman e produzida por Marshall Herkowitz e Edward Zwick, estes vindos do sucesso de "Os Trintões". Enquanto séries da teen na altura primavam pelo glamour como "Beverly Hills 90210" ou pelo humor como "Já Tocou" ou "Parker Lewis", "Que Vida Esta!" oferecia um olhar mais realista e menos filtrado sobre as dificuldades e confusões de ser adolescente.
Claire Danes fez da protagonista Angela Chase, uma jovem de 15 anos no meio de uma crise identidade. Angela vive com os pais, Patty (Bess Armstrong) e Graham (Tom Irwin) e a sua irmã mais nova Danielle (Lisa Wilhoit) na cidade de Three Pines, algures no estado da Pensilvânia. Ao entrar para o 10.º ano, Angela sente um desejo ardente de mudança e de ser mais do que a jovem exemplar que sempre foi. Num acto de rebeldia, ela decide pintar o cabelo de ruivo e afastar-se dos seus dois amigos de infância, Sharon Cherski (Devon Odessa) e Brian Kerkow (Devon Gummersall). Em vez deles, Angela trava amizade com Rayanne Graff (AJ Langer) e Rickie Vasquez (Wilson Cruz), dois colegas cuja ousadia oferece-lhe a oportunidade de sair da casca e viver novas emoções, ao mesmo tempo que desenvolve um fascínio pelo belo e carismático Jordan Catalano (Jared Leto).
Mas cedo Angela descobre que os três passam por grandes tormentos: com um pai ausente e uma mãe displicente, Rayanne adopta comportamentos de risco envolvendo sexo, álcool e drogas; apesar de assumir um look andrógino (e de ser muitas vezes visto na casa de banho das raparigas a pôr rímel nos olhos), Rickie sofre por aceitar a sua homossexualidade e é vítima de violência física por parte dos seus tios, que a certa altura expulsam-no de casa, deixando-o sem abrigo; e Jordan tem dificuldades de aprendizagem que o fizeram reprovar duas vezes no 11.º ano, além de ter sido agredido e negligenciado pelos pais. Para não falar que quando finalmente Angela e Jordan começam a namorar, a relação é longe de ser um mar de rosas, sobretudo devido à indisponibilidade emocional do rapaz e das pressões para terem sexo.
Por outro lado, Rayanne, Rickie e Jordan reconhecem em Angela qualidades que a própria, de tão embrenhada nas suas dúvidas, não consegue ver em si, como a sua empatia e generosidade. Muito embora, a própria Angela, como qualquer adolescente, tenha as suas falhas e atitudes menos correctas e maduras.
Gradualmente também Sharon e Brian acabam por formar inesperadas ligações dos novos amigos de Angela, ao mesmo tempo que se vão conhecendo as suas crises interiores. Sharon debate-se com os desenvolvimentos do seu corpo, as atenções dos rapazes, as consequências do início da atividade sexual ao mesmo tempo que luta por preservar a imagem da menina exemplar. Brian é um nerd, que vive mesmo ao lado de Angela, por quem teve uma secreta paixão, e debate-se com o paradoxo de tanto desejar ser próximo dos outros e ao mesmo ter tanto medo dessa proximidade que faz tudo para se afastar. Além dos seis principais, a personagem jovem mais proeminente é a de Delia Fisher (Senta Moses), uma rapariga tímida que trava amizade com Rickie quando os dois se veem sozinhos num baile e decidem dançar e divertir-se juntos e por quem mais tarde Brian demonstra algum interesse.
Os amigos de Angela admiram e invejam secretamente o facto de ela ter uma vida bastante estável e segura, pelo menos comparando com eles, e uma família onde há amor e segurança. Mas embora os Chase sejam uma família relativamente feliz e sólido, não são imunes a tensões. Não só Angela se ressente da autoridade da mãe e da relutância desta em aceitar Rickie e Rayanne, como os pais têm as suas próprias crises na relação entre ambos. Enquanto isso, a irmãzinha Danielle vai assistindo atentamente a tudo que acontece à sua volta e mandando um ou outro comentário perspicaz, enquanto anseia pela sua vez em que deixará de ser criança e viverá as emoções da adolescência. Barbara Bain, a Dra. Helena Russell de "Espaço: 1999", fez uma aparição especial como a avó materna de Angela.
Sem dúvida que o principal ponto forte da série foi o desempenho de todo o elenco que, aliado à competência dos textos, conseguia que nenhuma personagem caísse no estereótipo. Outro factor interessante e até então não muito utilizado em séries adolescentes, que a narração em voz-off de Angela, que funcionava como se os espectadores fossem seus confidentes, existindo um episódio narrado do ponto de vista de Brian e outro através de Danielle. Igualmente importante foi a representação LGBTQIA+ através de Rickie, a primeira personagem de um adolescente queer no elenco fixo de uma série adolescente num dos principais canais da televisão americana. Apesar do recorte realista, a série também abordou alguns elementos de fantasia, sobretudo nos episódios de Halloween e de Natal.
Apesar das críticas favoráveis, da grande aceitação junto do público jovem e de alguns prémios importantes, como o Globo de Ouro de Melhor Actriz em Série Dramática para Claire Danes, as audiências de "Que Vida Esta!" não foram suficientes para a cadeia ABC renovar para mais uma temporada, nem mesmo perante várias campanhas públicas para salvar a série, tendo sido uma das primeiras séries a ter uma campanha online para tal. Porém a série manteve-se viva nos anos seguintes graças a várias reposições na MTV, engrandecendo o seu estatuto de série de culto. Além de que influenciou outras séries teen nos anos vindouros como "Freaks & Geeks", "Life As We Know It" e "Euphoria".
Com o passar dos anos, outro apelo de "Que Vida Esta!" foi o efeito nostalgia dos anos 90 pois embora muitos dos temas e vivências abordados na série continuem bastante atuais, as roupas das personagens, músicas, decorações e até a iluminação gritavam "ANOS 90!".
Claro está, depois da série, Claire Danes não só foi a Julieta que encantou um Romeu Leonardo Di Caprio (também chegou a ser considerada para "Titanic") como entrou em filmes como a versão de 1994 de "Mulherzinhas", "Sem Retorno" de Oliver Stone, "O Poder Da Justiça" de Francis Ford Coppola, "As Horas", a versão de 1998 de "Os Miseráveis", "O Exterminador Implacável 3", "A Joia da Família", "Stardust - O Mistério da Estrela Cadente", além do seu premiado desempenho na série "Homeland" e de ter sido a voz de San na dobragem em inglês de "Princesa Mononoke".
Também Jared Leto tornou-se uma estrela de topo com o seu Óscar no filme "O Clube de Dallas", tendo também estrelado em "O Clube De Combate", "Mitos Urbanos", "A Barreira Invisível", "Vida Interrompida", "American Psycho", "Requiem For A Dream", "Sala de Pânico" e "Blade Runner 2049". Além de, obviamente, se ter tornado uma estrela de rock com a sua banda 30 Seconds To Mars. (Na série, a sua personagem tinha também uma banda rock chamada Frozen Embryons.)
Wilson Cruz entrou em vários filmes (como "Nixon" de Oliver Stone) e na série "Star Trek - Discovery", além de participações especiais em séries como "Anatomia de Grey", "Adultos À Força", "Serviço de Urgência" e "Shameless".
Genérico de abertura:
Trailer do DVD:
Alguns vídeos no YouTube sobre a influência da série: