Toda a década tem o seu grande filme romântico de amour fou ao estilo de Romeu e Julieta, onde dois jovens se apaixonam tão perdidamente que vão contra os seus pais e/ou as convenções da sociedade, numa fuga que quase inevitavelmente termina em tragédia. Nos anos 70, houve "Love Story" de 1970, mas que só foi exibido em Portugal depois do 25 de Abril, a tocar bem fundo aos jovens casais apaixonados da altura (incluindo os meus pais), que se viam livres para sonhar um amor tão arrebatador aos novos ventos da liberdade. Nos anos 80, alguns dirão "Endless Love - Um Amor Infinito" (1981) com uma lindíssima Brooke Shields recém-saída d' "A Lagoa Azul" onde um amor adolescente acaba mesmo por ultrapassar as fronteiras da sanidade mental (e nem de propósito, o filme foi realizado por Franco Zefirelli, autor da mais aclamada adaptação cinematográfica de "Romeu & Julieta") - alguns estarão mais familiarizados com o remake de 2014 - mas como nunca vi esse filme, pessoalmente eu apontaria antes "Fogo Com Fogo" (1986). Nos anos 90, a época da minha adolescência, não haverá maior referência do que "Titanic" com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet não só a lutarem pelo seu amor mas também pela sobrevivência.
E para a primeira década do século XXI, a piéce de résistance do filme romântico de amour fou é "O Diário Da Nossa Paixão", filme de 2004 realizado por Nick Cassavettes e protagonizado por Ryan Gosling e Rachel McAdams, a partir do romance bestseller de Nicholas Sparks, editado em 1996. Já falei aqui de "As Palavras Que Nunca Te Direi" (1999), a primeira adaptação cinematográfica de um livro de Sparks. Esta era a terceira, havendo entre ambas "Um Amor Para Recordar" (2002), adaptado de "Um Momento Inesquecível" (a única vez que os títulos em Portugal do livro de Sparks e respectivo filme são diferentes) com Mandy Moore e Shane West.
A história é bem conhecida: num lar de terceira idade, um idoso que se diz chamar Duke (James Garner) faz companhia a uma senhora que sofre de Alzheimer (Gena Rowlands), narrando-lhe uma história de amor passada nos anos 40 entre uma jovem da alta sociedade e um rapaz humilde da classe operária. Uma história que rapidamente se vem a saber que é a deles os dois, embora ela não se lembre e ele não lhe diga.
Em 1940, na Carolina do Sul, Noah Calhoun (Gosling) é um jovem operário que se interessa por Allie Hamilton (McAdams) uma rapariga da elite de Charleston e recorre a uma manobra quase literalmente suicida para a convencer a sair com ele. Apesar do início atribulado, o amor nasce imediatamente entre ambos e o romance floresce ao longo do Verão. Mas Anne (Joan Allen), a mãe de Allie, não vê com bons olhos que a filha namore com um rapaz pobre e trata de terminar a relação convencendo o marido (David Thornton) a voltarem para Charleston, deixando Allie e Noah destroçados.
Decepcionado por ela não responder a nenhuma das cartas que ele escreveu cada dia durante um ano, Noah decide seguir com a vida e alista-se para combater na Segunda Guerra Mundial, onde perde o seu melhor amigo Fin (Kevin Connolly). Em 1948, com a herança do seu falecido pai Frank (Sam Sheppard), Noah reconstruiu a casa abandonada com a qual sonhava viver com Allie e tem uma relação casual com Martha Shaw (Jamie Brown), uma viúva de guerra. Por seu turno, Allie está noiva de Lon Hammond Jr. (James Marsden) um encantador e rico advogado que conheceu quando ela ajudava a tratar os feridos da guerra. Quando os dois se reencontram, um passeio de caiaque pelo rio e uma violenta tempestade reacende ainda mais a paixão que julgavam extinta. Allie terá então de escolher entre Noah e Lon, e inesperadamente a sua mãe dará uma ajuda na sua decisão.
De volta ao lar de idosos, a Allie septuagenária reconhece brevemente Noah mas com a Alzheimer dela e os problemas cardíacos dele, a história de amor dos dois parece chegar ao fim. Ou será que não?
Eu já tinha lido o livro uns anos antes (continua a ser um dos meus preferidos do autor) e quando soube que finalmente tinha sido adaptado ao cinema, a minha expectativa era alta. No entanto, a adaptação cinematográfica tem várias diferenças em relação ao livro, pelo que ver o filme acaba por ser uma experiência diferente daquela de ler o livro. A principal diferença é que o livro foca mais no reencontro entre os dois protagonistas após a Guerra enquanto o filme aborda sobretudo o início do romance entre ambos.
"O Diário Da Nossa Paixão" foi daqueles filmes cujo sucesso não foi retumbante ao início mas que gradualmente foi arrecadando bons e duradouros resultados de bilheteira e depressa ganhou um culto e lugar de destaque no cinema romântico, indicado pelas ainda hoje expressivas vendas e alugueres do DVD e do Blu-Ray. Os seus dois protagonistas (ambos canadianos) foram elevados a superestrelas: graças a este e outro filme icónico do ano de 2004, "Mean Girls - Giras e Terríveis", Rachel McAdams afirmou o seu talento e Ryan Gosling foi considerado um dos novos galãs de Hollywood, muito embora tenha feito tudo para se afastar desse rótulo e optado papéis bastante diversificados, que confirmaram toda a sua versatilidade e talento. (Aliás, o exemplo de Ryan Gosling fez com que outros actores, como Channing Tatum ou Joseph Gordon-Levitt, pudessem alternar entre os filmes de acção e obras mais delicodoces, sem medo dos rótulos.) Apesar de não se terem dado bem durante o início das filmagens, Gosling e McAdams acabariam por ter uma relação amorosa durante três anos. Gena Rowlands (a mãe do realizador) e James Garner, dois actores muito em voga nos anos 50 e 60, tiveram aqui os seus mais famosos papéis da fase mais adiantada das suas carreiras.
O legado de "O Diário Da Nossa Paixão" estendeu-se a várias vertentes: tornou-se um tema bastante popular para festas de casamentos e de noivados, e para sessões fotográficas entre casais casadouros, e as zonas costeiras da Carolina do Sul tornaram-se local de romaria para estadias de luas-de-mel e afins. Por ter estreado no advento das redes sociais, foi um dos primeiros filmes a inspirar memes e GIFs na internet. E claro está, foi o filme que sedimentou a adaptação de livros de Nicholas Sparks como um quase subgénero. No início de 2019, foi anunciado que "O Diário da Nossa Paixão" iria ser adaptado a um musical da Broadway, sob direção musical da cantora e compositora Ingrid Michaelson.
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