quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A Noite da Má Língua (1994-97)

por Paulo Neto

Ao fim de sete anos de blogue, já não restam muitos mais programas da fase imperial da SIC nos anos 90 para falar aqui, mas este era sem dúvida uns dos que ainda faltava mencionar.



Uma vez mais na onda transgressora face às convenções televisivas de mais de 30 anos da RTP, que foi a imagem de marca da SIC nos seu primórdios e que sem dúvida terá contribuído para a sua rápida ascensão ao canal de maior audiência, "A Noite de Má Língua" era um programa, que como o nome indica, comentava a actualidade socio-política no país e no mundo com um tom mordaz, ácido e sim, maledicente, embora evitando cair no insulto gratuito. O que sem dúvida foi uma pedrada no charco num Portugal que sempre se regeu pelo "respeitinho".


Promo da estreia do programa em 1994:



Exibido em três temporadas entre 1994 e 1997, o programa era conduzido por Júlia Pinheiro e tinha em estúdio quatro convidados para analisar os temas em discussão numa época marcada pela transição de poder do PSD de Cavaco Silva para o PS de António Guterres. Era transmitido nas noites de quinta-feira e estreou-se na rentrée de 1994. Os quatro primeiros painelistas eram Miguel Esteves Cardoso, à altura a cara do semanário de "Independente" que não recuava perante críticas ao governo cavaquista, Manuel Serrão, empresário nortenho sempre militante contra os centralismos de Lisboa, Alberto Pimenta, poeta e ensaísta defensor do inconformismo político (entre as suas acções mais controversas conta-se a de em 1977 fechar-se numa jaula dos macacos do Jardim Zoológico de Lisboa com uma tableta a dizer Homo Sapiens) e Helena Sanches Osório, jornalista do "Independente" que em 1993 esteve no centro de uma polémica em que afirmou num programa de televisão de que sabia que um ministro tinha pago 120 mil contos para acrescentar uma vírgula num decreto-lei (ficando conhecido como o Caso Vírgula) que chegou à discussão na Assembleia da República.  Mas a primeira temporada foi marcada por muitas mudanças no alinhamento no painel de comentadores, tendo por ele também passado a actriz Graça Lobo, a jornalista Constança Cunha e Sá, Luís Coimbra, um ex-deputado do PPM e fundador do partido MPT e o escritor Rui Zink.




O quarteto de comentadores do programa ficaria definitivamente consolidado a partir da segunda temporada com Rita Blanco a juntar-se a MEC, Serrão e Zink, e juntamente com uma hábil moderação de Júlia Pinheiro, ficou criada uma sinergia idela para o programa. 
Outro interveniente no programa era o jornalista Victor Moura Pinto com a sua hilariante e mordaz rubrica "SIC Transit Gloria Mundi" onde se abordava os acontecimentos do país e do mundo com um olhar jocoso, com música a condizer como por exemplo, no resumo da campanha das eleições legislativas de 1995

Também todas as semanas era atribuído o Prémio da Noite da Má Língua à personalidade que se tivesse destacado mais. Uma das primeiras pessoas a aceitar receber o prémio foi o cantor José Cid, graças à sua famosa sessão fotográfica onde surgia despido e apenas coberto por um troféu de disco de platina. Essa aliás será a transmissão do programa mais recordado pois as coisas ficaram bastante tensas entre Cid, Manuel Serrão e Miguel Esteves Cardoso. 

Como seria de esperar, num país cujas elites não primavam pelo sentido de humor e pouco habituado a ser analisado de forma tão ácida, o programa gerou mal-estar junto da classe política e outra autoridades e Júlia Pinheiro afirmou que tanto ela como Pinto Balsemão e Emídio Rangel receberam mensagens bem aziagas de alguns políticos. Mas eventualmente o espírito do programa foi-se entranhando quer junto do público quer dos políticos e aos poucos, alguns deles foram aceitando o prémio ou até mesmo aparecendo no programa para o receber, como foi o caso de Durão Barroso. 



O nosso camarada Hugo Silva, do blogue "Ainda Sou Do Tempo", no seu texto dedicado a este programa salienta ainda o cenário do programa na primeira temporada, com cadeiras enormes de corres berrantes e cheias de picos (uma cenografia da autoria de um certo Tomás Taveira), um cenário adequado ao programa onde tudo e todos eram picados. Mais tarde o programa passaria para um mais convencional cenário em mesa redonda. O Hugo acrescenta que "A Noite de Má Língua" apelava aos adolescentes da altura que começavam a ter consciência social e de facto, acredito que o programa tenha mudado um pouco a percepção das novas gerações ao encarar a política.



Como não podia deixar de ser, o programa foi também parodiado por Herman José na rubrica "Herman Zap" do programa "Parabéns" sobre o título de "A Noite dos Maus Fígados" com Lídia Franco como Júlia Poleiro, José Pedro Gomes como Miguel Esteves Cabroso, Vítor de Sousa como Rui Estaline, Maria Rueff como Rita Bluff e o Herman como Manuel Serrabulho, com os cinco a explorar as carcterísticas mais cómicas de cada um, como a sopinha de massa de Rui Zink e a gargalhada de Manuel Serrão. O próprio Herman José foi convidado especial do programa numa das suas emissões em 1996.       

Excerto de um programa:



O programa em que Herman José foi convidado especial:
  


Reunião do elenco do programa em 2014


"A Noite dos Maus Fígados" (Herman ZAP):



Excerto (Grandes Momentos SIC 20.º aniversário)





Júlia Pinheiro recorda "A Noite da Má Língua"



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1 comentário:

  1. Dado que estão a ser lançados episódios cronologicamente todas as sextas-feiras em podcast, e tendo tido a oportunidade de os ouvir, posso acrescentar que José Cid foi o primeiro a quem foi atribuído, e consequentemente a recebê-lo, o Prémio da Noite da Má Língua.

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