Este ano, por causa das razões que se sabem e pela primeira vez desde a criação do certame, não haverá Festival da Eurovisão. Mas aqui na Enciclopédia de Cromos continuamos a recordar edições passadas e desta vez recuamos até 1985.
O 30.º Festival da Eurovisão teve lugar a 4 de Maio de 1985 na arena Scandinavium na cidade sueca de Gotemburgo. Participaram 19 países, tantos quanto no ano anterior, mas os Países Baixos e a Jugoslávia estiveram ausentes devido ao dia do evento coincidir com datas pouco propícias a celebrações nesses países mas em contrapartida regressaram Grécia e Israel, ausentes no ano anterior. Nesta edição foi prestada uma devida atenção aos autores e compositores das canções, sendo estes os protagonistas dos postais ilustrados em que eles visitavam vários locais da área metropolitana de Gotemburgo. Deste modo, os intérpretes só participaram nos postais ilustrados caso tivessem contribuído para a composição das respectivas canções. (Foi o caso da nossa Adelaide Ferreira, creditada como autora da letra da canção que defendeu.)
Ainda assim, neste ano foram vários os intérpretes que regressaram à Eurovisão. Foi também o caso da apresentadora Lill Lindfors, que tinha representado a Suécia em 1966. Lindfors acabaria por protagonizar um dos momentos mais marcantes do espectáculo, que ficaria para a história da Eurovisão: chegada a altura de iniciar as votações, um aparente acidente de vestuário deixou-a sem saia e de cuecas à mostra em pleno palco! Perante o burburinho geral, logo a seguir ficou-se a saber que tinha sido tudo uma partida, com Lill Lindfors prontamente a desdobrar a blusa que trazia vestida num outro vestido.
Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Eládio Clímaco e Maria Margarida Gaspar foi a porta-voz dos votos portugueses.
Alguém tem de ficar em último e nesse ano a fava calhou à Bélgica, que recebeu somente sete pontos da Turquia. Linda Lepomme era mais conhecida como actriz no seu país mas também ocasionalmente dava mostras como cantora. Em Gotemburgo, interpretou a balada "Lat me nu gaan" ("deixa-me ir"). Mas por norma, a Bélgica saía-se pior no idioma flamengo do que em francês e este ano não foi excepção. Mas no ano seguinte, as coisas correriam melhor para as cores belgas. Muito melhor...
Adelaide Ferreira (Portugal) |
Com apenas dois pontos da Turquia, Portugal passou quase todo o período das votações na cauda da tabela, mas os sete pontos da Grécia, o último país a votar, salvou-nos da lanterna vermelha. Adelaide Ferreira começou por dar cartas no início dos anos 80 durante o boom do rock português, com canções como "Baby Suicida" e "Trânsito" elevando-a ao estatuto de roqueira-mor nacional. Mas seria através das baladas que o seu repertório viria a deixar maior legado. Em 1984, Adelaide Ferreira alcançou o melhor resultado de sempre de Portugal no Festival da OTI, o segundo lugar com "Vem No Meu Sonho". Em 1985 venceu o Festival da Canção com "Penso Em Ti (Eu Sei)", que como já falámos aqui foi uma edição mítica que deixou para a posterioridade o "Umbadá" de Jorge Fernando e onde participaram nomes como os Delfins, Alexandra, uns bem jovens Nuno e Henrique Feist e Wanda Stuart (então Vanda Pereira). Igualmente mítico foi o videoclip da canção filmados nos Açores, com Adelaide a protagonizar um melodrama romântico com laivos de sobrenatural. Apesar do parco resultado, Adelaide Ferreira não saiu de mãos a abanar já que foi votada (creio que pela imprensa lá presente) como a mais bem vestida, graças ao ultra-vistoso vestido desenhado pelo malogrado José Carlos.
Lia Vissi (Chipre) |
As pátrias-irmãs de Chipre e Grécia partilharam o 16.º lugar com 15 pontos. Depois de ter feito coro pelas canções da Grécia de 1979 e 1980, Lia Vissi teve nesse ano a oportunidade de participar como solista pelo seu país de nascença, Chipre, interpretando "To katalava arga" ("apercebi-me tarde demais"), uma canção da sua autoria. A sua irmã mais nova, Anna, representou Chipre na Eurovisão em 1982 e a Grécia em 1980 e 2006.
Takis Biniaris representou a Grécia com a romântica balada "Miazoume" ("nós somos parecidos"). Com a camisa branca e o papillon com que se apresentou em palco, dava a ideia que tinha vindo directamente de um restaurante onde tinha servido à mesa.
MFÖ (Turquia) |
Também houve um empate no 14.º com Espanha e Turquia a receberem 36 pontos. A Turquia fez-se representar pelo trio MFÖ (iniciais dos primeiros nomes dos membros da banda: Mazhar Alanson, Fuat Güner e Özkan Ugur). Podia-se quase sempre contar com a Turquia para trazer algo exótico à Eurovisão e o tema que trouxeram, "Didai didai dai", era bastante solarengo e dava para imaginar a ouvir algo assim numa bela praia na costa de Antalya. Os MFÖ regressaram ao Festival em 1988 e continuam no activo, mais de quarenta anos depois da formação do trio.
Nesse ano, a vizinha Espanha apostou forte com uma das suas mais famosas divas, Paloma San Basilio. Desde 1975 que San Basilio fazia sucesso em Espanha e na América Latina, não só em disco mas também em musicais (foi a protagonista da primeira adaptação de "Evita" em língua espanhola) e o tema que defendeu em Gotemburgo, "La fiesta terminó", era feito à medida do seu talento. Mas nesta edição de 1985 as baladas foram como que preteridas pelos temas mais mexidos e este 14.º lugar de Espanha ficou a saber a pouco.
The Internationals (Luxemburgo) |
Pino Gasparini & Mariella Farré (Suíça) |
O Luxemburgo foi representado por um colectivo internacional: Margo (holandesa), Franck Olivier (luxemburguês), Diane Solomon (americana), Malcolm Roberts (inglês), Chris Roberts (alemão) e Ireen Sheer (inglesa radicada na Alemanha). Embora creditados no certame com os nomes dos seis intérpretes, por vezes esta colaboração é referida sobre a designação The Internationals. Dos seis, a única com experiência eurovisiva era Ireen Sheer que tinha representado o Luxemburgo em 1974 e a Alemanha em 1978. Em uníssono cantaram "Children, Kinder, Enfants" em francês, tendo também gravado versões em alemão e inglês e uma versão trilingue. O Luxemburgo ficou em 13.º lugar com 37 pontos, destacando-se 10 pontos de Portugal.
A Suíça foi outro país que apostou em intérpretes repetentes nestas andanças, a saber Pino Gasparini (em 1977 com membro da Pepe Lienhard Band) e Mariella Farré em 1983. Apesar de ambos terem raízes italianas e a sua canção se intitular "Piano, piano", cantaram em alemão e ficaram em 12.º lugar com 39 pontos.
Hot Eyes (Dinamarca) |
Roger Bens (França) |
O duo Kirsten & Soren, também conhecido como Hot Eyes, já tinham representado a Dinamarca no ano anterior e voltariam a fazê-lo em 1988. Nas outras duas participações, Kirsten Siegaard actuou grávida, mas nesta prestação, foi Léa, a filha de Soren Bundgaard, que com nove anos ficou para a história como a mais jovem pessoa a fazer parte de uma actuação no Festival da Eurovisão, um recorde que ficará para sempre já que desde 1990 só maiores de 16 anos é que podem participar seja como for. A canção dinamarquesa tinha um título complicado para quem não é nórdico: "Sku' du spørg' fra no 'en?" ("gostarias de saber?") e falava sobre duas pessoas que se encontram na discoteca e descobrem que são amigos de infância há muito desencontrados. A Dinamarca ficou em 11.º lugar com 41 pontos.
Roger Bens destilou charme francês para cantar "Femme dans ses rêves aussi" ("mulher também nos seus sonhos"), todo um elogio ao sexo feminino e rendeu à França o décimo lugar com 56 pontos, incluindo um 12 da Grécia.
Sonja Lumme (Finlândia) |
Tal como Portugal, a Finlândia é um país pouco habituado a lugares entre os dez primeiros no Festival da Eurovisão pelo que o nono lugar com 58 pontos alcançado nesse ano foi um resultado muito positivo para as cores finlandesas. E verdade seja dita, "Eläköön elämä" ("que viva a vida") é uma das melhores canções finlandesas da história da Eurovisão, um energético tema pop-rock interpretado por Sonja Lumme e onde os quatro membros do coro se moviam em sincronia. Além da sua carreira como cantora, Sonja Lumme também se destacou no seu país como actriz no teatro e na televisão.
Nascido no Canadá, Gary Lux estava presente pela Áustria pelo terceiro ano consecutivo. Depois de em 1983 ter participado como membro do grupo Westend e em 1984 ter feito coro para Anita Spanner, Lux agora apresentava-se como solista para cantar "Kinder dieser Welt" ("as crianças deste mundo") conseguindo o oitavo lugar com 60 pontos. Um dos compositores da canção, Mick Jackson, compôs também o famoso tema disco "Blame It On The Boogie". Entre os músicos que o acompanharam em palco, estava Rhonda Heath que em 1977 representou a Alemanha como membro dos Silver Convention. Gary Lux viria a representar novamente a Áustria em 1987, além de fazer coro nas canções austríacas de 1993 e 1995.
Al Bano & Romina Power (Itália) |
Nove anos depois, o célebre duo Al Bano e Romina Power voltou a representar a Itália. Casados desde 1970, a dupla teve vários sucessos internacionais nos anos 70 e 80 como "Felicitá" e "Ci Sará". Em Gotemburgo cantaram "Magic Oh Magic", ficando em sétimo lugar com 78 pontos (12 de Portugal). As três cantora do coro estavam vestidas de verde, branco e vermelho formando a bandeira italiana. Al Bano e Romina acabariam por se divorciar em 1999, cinco anos depois do desaparecimento da sua filha mais velha Ylenia. No Festival da Eurovisão de 2000, Al Bano integrou o coro para a canção da Suíça. Em 2007, Romina Power (filha do actor de Hollywood Tyrone Power) deixou Itália para regressar à sua América natal onde vive desde então, mas muito de vez em quando ainda acede em actuar com o ex-marido.
A Irlanda foi o primeiro país a actuar, ficando em sexto lugar com 91 pontos, com Maria Christian a cantar "Wait until the weekend comes". Christian foi a primeira cantora invisual (sofre de cegueira legal desde os nove anos) a actuar na Eurovisão. Segundo a Wikipedia, Maria Christian vive actualmente em França, na região da Lorena, com o seu marido e os seus sete filhos. Em 2016, concorreu à versão irlandesa do The Voice e este ano, concorreu à versão francesa, entretanto interrompida devido à pandemia.
Izhar Cohen (Israel) |
E perguntam vocês: qual é a minha canção preferida da Eurovisão de 1985? É ainda a mesma pela qual o Paulo de cinco anos torceu na altura! Israel apostava forte ao trazer de novo Izhar Cohen, o vencedor da edição de 1978 com o clássico "A-Ba-Ni-Bi" e a canção com que regressou sete anos depois, "Olé Olé", era igualmente alegre e energética. Eu não era nascido quando Cohen ganhou em 1978, mas este "Olé olé" completo com uma parte para bater palmas encheu as medidas do Paulito de 1985. Desta vez, Israel teve de se contentar com um ainda assim meritório quinto lugar com 93 pontos. Actualmente, Izhar Cohen retirou-se do mundo artístico e é dono de uma joalharia. No Festival da Eurovisão de 2019 em Telavive, foi o porta-voz dos votos do júri israelita.
Vikki Watson foi a representante do Reino Unido com o tema "Love is...", que ficou em quarto lugar com cem pontos. Em palco, Vikki começou a actuação sentada numa cadeira, levantando-se e afastando-se gradualmente a partir dela do primeiro refrão, uma metáfora ao tema da canção, sobre o medo de arriscar por amor. Actualmente, Vikki Lawson dedica-se a produzir música new age e composições para filmes e televisão sob o nome de Aeone.
Kikki Danielsson (Suécia) |
Ao contrário a diferença final de dezoito e vinte pontos do primeiro classificado para o segundo e terceiro posto, ao longo das votações três países foram disputando renhidamente a liderança. O terceiro lugar foi para a Suécia com 103 pontos. Depois de ter representado o seu país em 1982 como parte do duo Chips, Kikki Danielsson apresentava-se a solo cantando "Bra vibrationner" (que não, não quer dizer "soutien vibratório", mas sim "boas vibrações"). Kikki Danielsson continua no activo até hoje e tentou mais quatro vezes regressar à Eurovisão pela Suécia (e uma pela Noruega), a mais recente em 2018.
A Alemanha parecia ter a vitória quase certa a cinco votações do fim, mas depois a sorte acabou por favorece o eventual país vencedor, e acabou por ficar em segundo lugar com 105 pontos. O grupo Wind, formado para competir na pré-selecção alemã, com Rainer Höglmeier e Petra Scheeser como vocalistas, interpretou "Fur alle" ("para todos"), uma balada midtempo. Os Wind voltariam a representar na Alemanha em 1987 (ficando novamente em segundo lugar) e 1992, embora apenas Petra Scheeser e o baterista Samy Khalifa tenham estado nas três participações. Com um constante rodar de membros, o grupo Wind ainda hoje se mantém activo na Alemanha.
Bobbysocks (Noruega) |
Mas seria a Noruega a vencer com 123 pontos, graças ao duo Bobbysocks e o tema "La det swinge". O duo era formado por Hanne Krogh e Elisabeth Andreassen, ambas já com experiência eurovisiva: em 1971, uma jovem Krogh de 14 anos tinha sido a representante norueguesa, enquanto Andreassen tinha representado a Suécia em 1982 no duo Chips...Sim, a sua parceira da altura Kikki Danielsson foi neste ano sua adversária. Krogh e Andreassen continuaram a actuar e a gravar discos como Bobbysocks até 1988, decidindo depois cada uma apostar numa carreira a solo e ambas voltariam a representar a Noruega na Eurovisão: Hanne Krogh em 1991 como parte do grupo Just 4 Fun e Elisabeth Andreassen em 1994 e 1996.
As Bobbysocks com Lys Assia, vencedora do primeiro Festival da Eurovisão em 1956 |
Foi a primeira vitória da Noruega na Eurovisão (que entretanto voltou a ganhar em 1995 e 2009), na altura um feito impressionante pois na altura era o país que tinha ficado mais vezes em último lugar. (Aliás, com mais cinco últimos lugares desde então, num total de onze, a Noruega continua a ser o país detentor desse recorde pouco invejável.) A apresentadora Lill Lindfors fez questão de referir esse facto na altura de dar os parabéns às Bobbysocks, dizendo-lhes: "Devo dizer-vos que estou francamente feliz que isto aconteceu porque a Noruega ficou tantas vezes em último lugar que vocês mereceram!", ao que Hanne Krogh respondeu: "Tu estás feliz? Como é que julgas que nós estamos?". "La det swinge" tornou-se rapidamente um clássico da Eurovisão e lembro-me de na altura ouvir na rádio a versão em inglês "Let it swing".
Festival da Eurovisão 1985 (comentários da BBC)
O "acidente" de Lill Lindfors:
Actuação na Gala dos 60 anos da Eurovisão (2015):
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