Na semana em que tem lugar o Festival da Canção deste ano na Ucrânia (boa sorte para o nosso Salvador Sobral!), voltamos a revisitar mais uma edição antiga deste certame, nomeadamente aquela que se realizou há trinta anos atrás na Bélgica.
O 32.º Festival da Eurovisão teve lugar a 9 de Maio de 1987 no Palais du Centenaire em Bruxelas, na virtude da vitória alcançada pela muito jovem Sandra Kim no ano anterior (que continua a ser a única vitória da Bélgica até ao momento). A apresentação esteva a cargo de Sonia Dronier, uma cantora e actriz franco-belga que respondia pelo nome artístico de Viktor Lazlo (sim, como a personagem de "Casablanca") e que durante o intervalo cantou o seu tema "Breathless".
Foi a maior edição até então em termos de países participantes, com o regresso da Itália e Grécia, ausentes no ano transacto, num total de 22 países. Como a Bélgica é uma das pátrias da banda desenhada, os postais ilustrados incluíam uma interacção entre os cantores de cada país e uma personagem de BD, como Tintin, Spirou ou (no caso de Portugal) Gaston. Maria Margarida Gaspar fez os comentários para a RTP e Ana Zanatti foi a portadora dos votos de Portugal.
Como sempre, iremos recordar as canções por ordem inversa à classificação. Infelizmente há sempre alguém que tem de ficar em último e neste ano, a palma calhou à Turquia que não teve um pontito sequer. O que é pena pois a canção turca, "Sarkim Sevgi Ustune", ("a minha canção é sobre amor") era bastante animada e Seyyal Taner, uma consagrada cantora e actriz turca, teve uma performance cheia de energia em palco, acompanhada pelo grupo Lokomotif.
O Luxemburgo meio que tentou jogar em casa em Bruxelas, pois foi representado pelo cantor belga Plastic Bertrand, que em 1978 teve um hit internacional com "Ça Plane Pour Moi". Na Bélgica, o cantor de seu verdadeiro nome Roger Jouret percorreu energicamente por todo o palco no seu vistos casaco fuschia com o tema "Amour Amour", mas não convenceu a Europa que só lhe deu quatro pontos (dois dos quais de Portugal).
Gary Lux (Áustria) |
Patricia Kraus |
Gary Lux, o representante da Áustria, já era um veterano nestas andanças, contando já a sua quarta participação no Festival da Eurovisão, a segunda como solista. Infelizmente e ao contrário do respeitável oitavo lugar que conseguiu dois anos antes, desta vez quedou-se no antepenúltimo lugar com oito pontos, cantando "Nur Noch Gefühl" ("apenas emoção").
A vizinha Espanha ficou na posição seguinte, 19.º com dez pontos (todos dados pela Grécia!). A sua representante foi Patricia Kraus que cantou "No Estás Solo". Filha do famoso tenor Alfredo Kraus, Patricia apresentou-se em palco com um look completamente eighties, da maquilhagem carregada à écharpe verde-lima, passando por um corpete preto.
Nevada (Portugal) |
Carol Rich (Suíça) |
Portugal não conseguiu muito melhor que nuestros hermanos, já que não fomos além do 18.º lugar com 15 pontos (8 de Espanha, 5 da Grécia e 2 da Alemanha). "Neste Barco À Vela" do grupo Nevada, duo composto por Alfredo Azinheira e Jorge Mendes, não é das nossas canções eurovisivas mais recordadas, mas devo admitir que até acho um tema bem interessada por misturar sonoridades eighties com acordes de fado. Após o Festival, Jorge Mendes deixou o projecto para uma carreira a solo e Alfredo Azinheira ainda continuou a actuar sob o nome Nevada, com as cantoras que fizeram o coro.
A Suíça foi o último país a actuar, e para não variar, foi uma actuação bem enérgica e com roupas bem anos 80. Carol Rich e os seus acompanhantes não pararam quietos em palco a interpretar "Moitié Moitié" ("metade-metade"), obtendo o 17.º lugar com 26 pontos. Após o Festival, Carol Rich chegou a vir a Portugal, actuando no "Clube Amigos Disney". Embora este seja o momento mais notado da sua carreira, ela continua activa na música.
Após a estreia na Eurovisão no ano anterior, a Islândia elegeu para a sua segunda participante a angelical Halla Margaret que cantou a balada "Haegt Og Hljott" ("lenta e silenciosamente"), que repetiu a mesma posição da Islândia no ano anterior, o 16.º lugar, mas desta vez com mais pontos, num total de 28. Hoje em dia, a canção é recordada sobretudo pela parte em que parece que Halla diz "anus, anus in the air". Actualmente, Halla Margaret é cantora de ópera.
A participação da Finlândia marcava o regresso à vida artística, Vicky Rosti, uma das principais estrelas do rock finlandês dos anos 70, após uma longa pausa para maternidade. Acompanhada pelo grupo Boulevard, Rosti cantou "Sata Salamaa" ("cem relâmpagos"), obtendo o 15.º lugar com 32 pontos. Na minha opinião, merecia bem mais.
Foi um pouco por acaso que Christine Minier acabou a representar a França nesse ano, já que na altura trabalhava como cabeleireira e as cantigas eram pouco mais que um hobby. Ainda assim, foi escolhida como a representante gaulesa, cantando "Les Mots D'Amour N'Ont Pas De Dimanche" ("as palavras de amor não têm domingos", ficando em 14.º lugar com 44 pontos.
Por incrível que pareça, o 13.º lugar do Reino Unido foi o pior resultado deste país até então, que aliás ainda só tinha ficado fora do top 10 em 1978, malgrado o esforço do intérprete, o escocês Rikki Pebbles, e da coreografia dos coristas.
Originalmente, a canção da Suécia chamava-se "Fyra Buga & En Coca-Cola" ("quatro pastilhas e uma Coca-Cola"), mas por devido às normas da publicidade internacional, foi alterada para "Boogaloo". Apesar de ser sueco, o tema remetia para sonoridades tropicais. A cantora Lotta Engberg fizera coro na canção sueca que venceu em 1984 e desde então tem tido uma bem-sucedida carreira no seu país. Em Bruxelas, a Suécia ficou em 12.º lugar com 50 pontos.
Em 11.º lugar com 56 pontos ficou a canção do país da casa. A representante da Bélgica era Liliana Saint-Pierre, na altura já uma veterana, e uma das mais famosas cantoras da Bélgica flamenga. Como o título indica, "Soldiers Of Love" era cantado em flamengo mas tinha alguns versos em inglês. Em palco, os dois guitarristas que a acompanhavam fizeram alguns movimentos coreográficos em que as guitarras eram como armas.
Ausente no ano anterior, a Grécia teve um bom regresso ao Festival, abrindo o top 10 com 64 pontos. O duo Bang era composto por Thanos Kaliris e Vassilis Dertilis. Embora o grupo produzisse sobretudo temas electro-pop, "Stop", o tema que levaram à Eurovisão, remetia a sonoridades dos anos 50 e 60 e à banda sonora de "Grease". Uma das cantoras do coro, Marianna Efstathiou, seria a representante da Grécia em 1989 e 1996. Entre finais dos anos 80 e inícios dos anos 90, os Bang foram o grupo grego com maior notoriedade internacional, até ao seu fim em 1992 quando Thanos Kalliris enveredou por uma carreira a solo.
A Noruega foi o país que abriu o desfile de canções, terminado depois em nono lugar com 56 pontos. Apesar do seu visual de roqueira que culminava num penteado absolutamente estratosférico, Kate Gulbrandsen cantou uma bonita e emotiva balada "Mitt Liv" (minha vida").
A canção de Israel gerou muito controvérsia no seu país, ao ponto do ministro da Cultura local ter ameaçado sair do cargo caso se confirmasse "Shir Habatlanim" ("a canção dos preguiçosos") como o tema representante israelita em Bruxelas, mas tal não aconteceu. A actuação dos comediantes Avi Kushner e Natan Datner, sob o nome Lazy Bums, foi absolutamente hilariante, fazendo lembrar os Blues Brothers e esse humor convenceu, dando a Israel 73 pontos e o oitavo lugar.
Depois do último lugar no ano anterior, as coisas correram melhor a Chipre em 1987, conseguindo o sétimo lugar com 80 pontos. Alexia Vassilou fez parte do grupo Island, que em 1981, foram os primeiros representantes cipriotas na Eurovisão, e seis anos depois, voltava a solo, interpretando o tema "Aspro Mavro" ("branco-preto"). A sua actuação foi uma espécie de passagem de testemunho já que a acompanhá-la em palco estavam três futuros representantes de Chipre no Festival: o bailarino Anastasio (1990) e as cantoras do coro Elena Patroclou (1991) e Evridiki (1992, 1994 e 2007).
Marcha (Holanda) |
Anne-Cathrine Erdorff & Banjo (Dinamarca) |
Holanda e Dinamarca repartiram o quinto lugar com 83 pontos. A Holanda fez-se representar pela cantora Marga Bult, que para a sua participação eurovisiva actuou sob o nome de Marcha, para cantar "Rechtop In De Wind" ("direita contra o vento"). Desde 2000, Marcha tem actuado nos Países Baixos e além fronteiras com outras duas representantes eurovisivas holandesas sob o nome de Dutch Divas.
Anne-Catherine Erdorf foi a representante dinamarquesa. Acompanhada pelo grupo Banjo, cantou "En Lille Melodie" ("uma pequena melodia"). Esta participação foi o ponto de partida carreira de Erdorf que desde então tem-se repartido entre o canto e a representação.
Novi Fosili (Jugoslávia) |
Raf & Umberto Tozzi (Itália) |
Wind (Alemanha) |
Representando a Jugoslávia esteve o grupo croata Novi Fosili que levou a Bruxelas o tema "Ja Sa Zam Ples" ("quero uma dança"). Com uma divertida actuação em palco, onde se destacou a simpatia da vocalista Sanja Dolezal, a Jugoslávia obteve o quarto lugar com 92 pontos, o melhor resultado até então do país.
A Itália apostou forte num dueto entre dois dos seus cantores mais famosos da altura, Umberto Tozzi e Raffaele "Raf" Riafolli. Curiosamente, ambos tiveram um dos seus maiores hits versionados pela cantora americana Laura Brannigan ("Gloria" e "Self Control"). Em Bruxelas, Tozzi e Raf uniram forças e vozes num belíssimo tema "Gente Di Mare", que lhes valeu o 3.º lugar com 103 pontos, incluindo 12 de Portugal.
O grupo Wind tinham conseguido o segundo lugar para a Alemanha na Eurovisão em 1985, e não é que dois anos mais tarde ficaram em segundo outra vez? No entanto, apenas três elementos da formação de 1985 continuavam em 1987, a vocalista Petra Scheeser, o teclista Alexander Heiler e o baterista Sami Kalifa. A acompanhá-los em palco, nos coros e na guitarra, estava Rob Pilatus que anos mais tarde seria parte do infame duo Milli Vanilli. O tema "Lass Die Sonne In Dein Hertz" ("deixa entrar o sol no teu coração" foi composto pela dupla Ralph Siegel e Bernd Meinunger, autores da canção que dera a vitória a Alemanha em 1982. Desta feita, a participação germânica ficou com o segundo lugar com 141 pontos. Os Wind voltariam para uma terceira participação em 1992.
Mas o Festival da Eurovisão em 1987 seria marcado pela vitória da Irlanda, a terceira do país...e a segunda do intérprete, Em 1980, o irlandês de origem australiana Johnny Logan alcançara a vitória com "What's Another Year" e sete anos depois, voltou a ganhar o certame em 1987 com a esmagadora balada "Hold Me Now", que reuniu 172 pontos. Foi a primeira vez e até agora única que o mesmo cantor ganhava duas vezes o Festival da Eurovisão. Esse feito tornou Johnny Logan num dos mais lendários ícones da Eurovisão, ganhando o epíteto de "Senhor Eurovisão". Como se não bastasse, Logan obteria uma terceira vitória em 1992, como autor da canção vencedora "Why Me", interpretada por Linda Martin.
Festival da Eurovisão 1987 na íntegra (comentários em holandês)
Excertos da transmissão para a RTP (comentários de Maria Margarida Gaspar):
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