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sexta-feira, 18 de março de 2016

Olha Que Dois!! (1992-93)

por Paulo Neto

O termo "showmance", usado nos media para definir uma pretensa relação amorosa como chamariz para um filme ou um programa de televisão (sobretudo nos reality shows), é relativamente recente, mas o conceito já era bastante antigo. Por exemplo, o filme "Serenata À Chuva" girava em torno de uma dupla de actores da era do cinema mudo cujo sucesso devia em grande parte a um especulado romance na vida real entre os dois, quando na verdade os dois não se davam lá muito bem.




Em Portugal, um dos mais badalados "showmances" do audiovisual nacional foi aquele que envolveu Teresa Guilherme e Manuel Luís Goucha, que ganhou proporções de lenda urbana. 
No livro "Isso Agora Não Interessa Nada", Teresa Guilherme explica como tudo começou:
"Este casamento começou no Eterno Feminino. O Manuel Luís cozinhava no programa, semanalmente num rubrica de culinária, onde fazia tudo para me adoçar a boca. E também foi de boca em boca que começou a correr que, para além daqueles encontros televisivos, a nossa história era outra.
Ambos solteiros, em idade casadoira, tínhamos os nossos empregozitos e muita gente começou a achar que éramos feitos um para o outro e quiseram dar-nos o nó. Também mandavam dinheirinho, peças para o enxoval e até propostas de nomes para os futuros rebentos. 
Quanto mais negávamos qualquer envolvimento, mais as pessoas nos envolviam nas teias do casamento.
O Manuel Luís começou a achar graça à brincadeira e a incentivar os defensores do casório. (...) e a ideia de que éramos mesmo casados mergulhou definitivamente no espírito de muitos portugueses. Logo a seguir, partilhámos um programa chamado Olha Que Dois. E aí é que as pessoas deixaram de ter dúvidas. Aqueles dois, que éramos nós, eram mesmo um só."



Genérico: "Olha Que Dois!!"



De facto foi o programa "Olha Que Dois!!" (sim, com dois pontos de exclamação) que perpetuou o pseudo-casamento entre Teresa e Goucha, já que era notória a química entre os dois. Promovido como uma das apostas para a nova grelha da RTP para rentrée 1992/93, o programa era um talk-show emitido para o ar nas tardes de domingo. No total, foram 41 programas, exibidos entre Setembro de 1992 e Junho de 1993. Todos os programas (à excepção de dois), giravam em torno de um convidado especial e na plateia estavam presentes várias figuras, públicas e anónimas, relacionadas com esse convidado. No primeiro programa a convidada central foi Maria Cavaco Silva, quando o seu marido era primeiro-ministro, naquela que foi a sua primeira participação num programa de entretenimento. Entre outros convidados especiais do programa estiveram José Hermano Saraiva, Marco Paulo, Amália Rodrigues, Nívea Maria (que na altura era vista na telenovela "Pedra Sobre Pedra"), Eusébio, António Sala, Simone de Oliveira, Ana Salazar, José Maria Tallon, Luís Represas, Fafá de Belém, Tônia Carreiro (que veio a Portugal para promover a estreia da produção luso-brasileira "Cupido Electrónico"), Fernando Tordo, Maluda, Carlos do Carmo, Ruy de Carvalho, Ramalho Eanes e Herman José.



O terceiro programa foi dedicado ao casamento, que contou com a presença de alguns casais de longa data como Armando Cortez e Manuela Maria e o 25.º teve como tema o 36.º aniversário da RTP. 
Inicialmente o programa continha uma rubrica fixa onde os espectadores eram convidados a exibir algum talento em particular, mas essa rubrica foi descontinuada.    

Foi no primeiro programa que apareceu a agente da PSP Isabel Silva, que anos mais tarde, viria a ser a protagonista de um dos mais famosos "Tesourinhos Deprimentos" dos Gato Fedorento. Com ajuda de dois colegas seus, a agente fez uma demonstração de técnicas de defesa pessoal em caso de ataques contra mulheres, mas o resultado acabou por roçar o surreal. Além de que popularizou a expressão "Toma, bandido!".



Outra curiosidade do programa foi a premonição de Manuel Luís Goucha de que um jovem Pedro Passos Coelho, então líder da JSD e presente no programa que tinha convidado Paulo de Carvalho, que disse que ele haveria de ser primeiro-ministro. Quando essa premonição ressurgiu na internet em 2013 devido à reposição de "Olha Que Dois!!" na RTP Memória, Manuel Luís Goucha declarou nas redes sociais: "Mais valia eu estar calado".



O site Brinca, Brincando notou ainda a presença de um igualmente jovem José Sócrates no programa centrado na sua co-partidária Edite Estrela.



O programa do qual eu tenho mais memórias foi o que teve como convidado central o general Ramalho Eanes, que aí revelou um lado mais emotivo, já que enquanto Presidente da República sempre fez por cultivar uma imagem de homem sério e estóico, ao expressar o seu amor pela esposa e pelos filhos. Também me recordo de ficar espantado com o look de um dos filhos, que tinha todo o ar de um rapaz que poderia aparecer no "Portugal Radical".



   

Estava previsto que o casal Teresa-Goucha regressasse à RTP na rentrée seguinte, mas em separado, com programas diferentes, mas o "divórcio televisivo" também se aplicou à RTP. Manuel Luís Goucha fez a sua primeira incursão na TVI para apresentar "Momentos de Glória" e Teresa Guilherme rumou à SIC para o talk-show vespertino "E O Resto É Conversa" e o concurso "Labirinto".

Mas mesmo assim, o mito do casal Teresa-Goucha não se desvaneceu. Escreve Teresa Guilherme:

"Pensávamos que, com o tempo, este casamento imaginário se ia desvanecendo. Mas não. Quanto mais o tempo passava, mais as pessoas acreditavam neste matrimónio. Até as nossas próprias mães acabaram por desistir de tanto negar a relação e assumiram os respectivos «genro» e «nora». 
Com a ida do meu pseudomarido para o Porto, os comentários passaram ainda mais calorosos. «Coitadinhos, agora estão separados. Ele teve de emigrar para o Porto para ganhar a vida e deixou a pobrezinha em Lisboa.»"
Ela conta ainda o comentário acalorado que um produtor da "Praça Da Alegria" ouviu um café perto dos estúdios da RTP Porto no Monte da Virgem.
"Uma quarta-feira de manhã, a seguir a um directo do Big Brother, estava o Manuel na televisão e um cliente, de cimbalino na mão, comentava as imagens com um ar ofendido: «Olhem-me para aquele infeliz. Ali a trabalhar feito corno e a mulher lá em Lisboa no Big Brother. Ainda ontem à noite confessou que ela, como todas as mulheres, também já fingiu um orgasmo. Uma maluca, Esta gente da televisão é tudo uma corja.»"

Mais tarde, Teresa Guilherme casou-se com Henrique Dias e Manuel Luís Goucha assumiu a sua relação com Rui Oliveira, enterrando por vez a ideia de que eram ou alguma vez tivessem sido um casal. Mas para sempre ficaram como os protagonistas de um dos mais míticos showmances nacionais. E como diz Teresa Guilherme: "O Manuel Luís Goucha não é o amor da minha vida, mas é um amigo para toda a vida."            

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado Luís! O Paulo Neto - como sempre - fez um artigo bastante interessante.
      Este programa decerto que vi, mas não recordo nada, além da dupla maravilha :)

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