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terça-feira, 21 de julho de 2020

Conta Comigo (1986)

por Paulo Neto

Há semanas este filme passou na SIC (que ultimamente tem dedicado as suas tardes de sábado a passar filmes dos anos 80 e 90) e o meu irmão ficou espantado por a minha mãe nunca ter ouvido falar dele, uma vez que ele estava convencido que era daqueles filmes que toda a gente conhece. Mas eu próprio, apesar de saber por alto a história, era daqueles filmes em que eu só tinha apanhado cenas aqui e ali. Por isso, quando há dias eu apanhei uma nova emissão de "Conta Comigo", desta vez na SIC Mulher, decidi vê-lo de ponta a ponta.



Realizado em 1986 por Rob Reiner, "Conta Comigo", cujo título original "Stand By Me" da famosíssima canção de 1961 de Ben E. King, era uma adaptação de um conto de Stephen King intitulado "O Corpo", um dos quatro contos incluídos na colectânea "Estações Diferentes" (1982) que também incluía o conto que daria o filme "Os Condenados de Shawshank" e foi protagonizado por quatro jovens actores: Will Weaton, River Phoenix, Corey Feldman e Jerry O'Connell.



Em 1985, ao saber da notícia da morte do seu amigo de infância Chris Chambers, o escritor Gordon Lachance (Richard Dreyfus) relembra uma aventura que viveu aos 12 anos quando era conhecido como Gordie (Weaton) com Chris (Phoenix) e mais dois amigos de então, Teddy Duchamp (Feldman) e Vern Tessio (O'Connell) no Verão de 1959 quando viviam na pequena cidade de Castle Rock no estado de Oregon. Os quatro são os típicos pré-adolescentes que se juntam numa casa de árvore para jogarem, fumar e ter as típicas conversas parvas de todos os rapazes de 12 anos. Gordie é o introvertido que gosta de ler e escrever histórias e sonha em ser escritor, Chris é o líder e o mais maduro, Teddy é o caixa-de-óculos que ferve em pouca água e Vern é o típico gorducho pacholas.
Mas para os quatro a amizade entre ambos é algo essencial já que todos eles passam por tormentos no seio familiar: oriundo de uma família de bandidos, Chris é olhado por todos na cidade como mais um Chambers delinquente; o pai de Teddy, nunca superando os traumas de ter combatido na II Guerra Mundial, é alcoólico e violento, tendo chegado a queimar a orelha do filho no fogão; Vern é um alvo fácil de chacota e pancada; e Gordie é negligenciado pelos pais, sobretudo após a morte do seu irmão mais velho Denny (John Cusack) num acidente de automóvel e de quem ele era muito próximo, e sente-se particularmente desprezado pelo pai (Marshall Bell). E para piorar as coisas, o terrível gang dos Cobras, liderado pelo perverso Ace Merrill (Kiefer Sutherland) e do qual fazem parte Billy (Casey Siemaszko), irmão de Vern, e Eyeball (Bradley Gregg), irmão de Chris, costuma atormentá-los.



Certo dia, Vern ouve Billy falar sobre um rapaz da idade deles que morreu ao ser colhido por um comboio numa floresta das redondezas e os quatro decidem ir passar o fim de semana em busca do cadáver na esperança obter toda a fama e glória da descoberta. E como não podia deixar de ser, vivem diversas peripécias como escapar a serem trucidados por comboios, fugir de cães ferozes e atravessar pântanos com sanguessugas. Pelo meio, Gordie e Chris vão trocando confidências e incentivos que haverão de os marcar pela vida: Gordie garante Chris que ele tem a força e a inteligência para escapar ao seu destino aparentemente marcado e Chris incita Gordie a não desistir do seu talento para a escrita e para imaginar histórias, apesar da desaprovação do seu pai.

Aliás, o filme recria uma história que Gordie conta aos amigos quando acampam de noite sobre Davie "Lard-Ass" Hogan (Andy Lindberg), um rapaz obeso que congemina uma vingança por uma vida de constante fatshaming de todos em seu redor ao transformar um concurso de comer tartes num autêntico pandemónio de vomitado.
Os quatro amigos acabam por descobrir o cadáver e a chocante visão é como que uma perda de inocência para todos. Mas pouco depois, Ace e os seus esbirros aparecem para lhes surripiar os planos gerando um perigoso confronto, onde Gordie tem um papel decisivo.



No fim, os rapazes decidem não reclamar os louros da descoberta, optando por alertar as autoridades por chamada anónima e regressam à cidade e vão-se despedindo uns dos outros. O Gordie adulto narrador revela então que com o tempo a amizade deles foi-se gradualmente desvanecendo pelas circunstâncias da vida e o que aconteceu a cada um deles, incluindo a triste morte de Chris, que se tinha formado em Direito, assassinado ao tentar parar uma rixa num restaurante. O filme acaba com o Gordie adulto, que realizou o sonho de ser escritor, a acabar de escrever no seu computador a história que tinha narrado. A última frase é: "Eu nunca mais tive amigos como aqueles que eu tinha aos doze anos. Jesus, será que alguém teve?"



À superfície, a história de "Conta Comigo" parece a de um típico filme juvenil de aventuras, e embora tenha as suas boas doses de emoção e humor, o negrume que está sempre implícito (e que no filme até foi um pouco refreado face ao conto original) quer nos calvários pessoais dos protagonistas, quer na figura sinistra de Ace (já se sabe que os bullies de Stephen King não podem ser apenas uns simples bullies, têm de ser sempre autênticos degenerados e/ou sociopatas) ou no facto de não terem qualquer apoio por parte dos adultos à sua volta, quer ainda na simples premissa de que o móbil da aventura é um cadáver, mas é precisamente esse travo amargo que torna o filme particularmente interessante. O jovem quarteto protagonista tem um desempenho excelente, mas tenho mesmo de destacar River Phoenix (o que me faz lamentar a sua morte tão precoce e imaginar o senhor actor que poderia se ter tornado). E quem diria que aquele Jerry O'Connell gorduchinho cresceria para se tornar um dos bonitões de Hollywood? 
Mas sem dúvida que o apelo duradouro de "Conta Comigo" é a universalidade com que aborda as dores de crescimento e como facilmente nos identificamos nos quatro protagonistas. Eu identifiquei-me muito com o Gordie já que tal como ele, eu sempre adorei escrever e imaginar histórias, sou introvertido, costumo amiúde duvidar das minhas capacidades e apesar de felizmente, ao contrário do pai dele, o meu pai me tenha sempre providenciado todo o apoio e afecto que eu precisava, tenho para sempre esta sensação que ele nunca conseguiu perceber verdadeiramente quem eu era de verdade.



"Conta Comigo" foi nomeado para o Óscar de Melhor Argumento Adaptado e para os Globos de Ouro de Melhor Realizador e Melhor Filme Dramático e inspirou filmes e séries como "A Malta do Bairro" e "Stranger Things". Stephen King considerou que tinha sido até então a melhor adaptação de qualquer obra sua e o realizador Rob Reiner afirmou que durante o visionamento do filme, King ficou tão abalado que pediu para ir-se recompor para depois agradecê-lo profusamente. E ainda hoje a cidade de Brownsville no estado de Oregon onde grande parte do filme foi filmado é local de romaria para vários fãs. 
E como não podia deixar de ser, o filme apresentou a canção que dava nome ao título original a toda uma nova geração. Consta que Michael Jackson foi abordado e estaria interessado em gravar uma versão de "Stand By Me" para o filme, mas os produtores acabaram por optar por utilizar o original de Ben E. King, que foi reeditado em single, com um videoclip em que King interagia com River Phoenix e Wil Weaton.

Trailer:


Ben E. King "Stand By Me"





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