Os programas de televisão em que são pregadas partidas a cidadãos comuns, vulgo "apanhados", são tão antigos quanto a história da televisão. Não sei se o conceito foi inventado anteriormente em algum outro país, mas tanto quanto sei esse conceito começou nos Estados Unidos em 1948 sobre o título "Candid Camera", que aliás provinha de uma versão radiográfica intitulada "Candid Microphone" e de algumas curtas metragens cinematográficas. Várias encarnações do programa foram produzidas na televisão americana (a mais recente em 2014) e lembro-me que algumas delas chegaram a passar na RTP e na TVI em meados dos anos 90, quando o apresentador era Dom DeLuise. Claro que o conceito não tardou a ser adaptado para outros países, alguns mantendo programas nesses moldes na sua programação até hoje.
Em Portugal, foi Joaquim Letria o creditado por trazer os "apanhados" para a televisão portuguesa, integrados nos programas que conduziu para a RTP. Primeiro em 1980 para o programa "Tal & Qual" (que tinha o mesmo nome do jornal que fundou nesse ano e que duraria até 2007), mais tarde em 1987/88 no programa "Já Está" (onde a rubrica tinha o título de "Fotomaton") e em 1990/91 para o programa que tinha o seu nome. E claro, por essa altura, os filmes com essa mesma temática da saga sul-africana "Gente Gira" faziam furor por cá.
O sucesso desses quadros era tal que se impunha um programa autónomo. E foi assim que o programa obviamente intitulado "Apanhados" foi uma das mais aguardados estreias da RTP1 para a rentrée de 1992 (quando muito em breve a SIC iria iniciar as suas transmissões). Foram 26 programas emitidos nas noites de segunda-feira entre 14 de Setembro de 1992 e 8 de Março de 1993.
Joaquim Letria aparecia no início de cada quadro, explicando a respectiva situação. Embora já tivesse aparecido na televisão antes, sobretudo na pele do palhaço Fraldinha, foi aqui que Guilherme Leite teve o seu primeiro grande momento de notoriedade televisiva. Houve também uma situação em que a lendária apresentadora da RTP Helena Ramos entrevistava pessoas enquanto estas iam sendo maquilhadas exageradamente e a actriz Adelaide João protagonizou também duas situações. Consegui identificar também dois dos futuros comparsas de Guilherme Leite nos "Malucos do Riso": Ildeberto Beirão e Amadeu Caronho. O site "Brinca, Brincando" (de onde provêm várias das imagens aqui utilizadas) descobriu também que a actriz Sandra B. foi uma das vítimas que foram apanhadas numa das situações.
Eu costumava gravar os "Apanhados" para o meu pai ver quando chegava a casa e houve uma situação que rapidamente se tornou a favorita de toda a nossa família e que revimos vezes sem conta: a do manequim vivo, em que aquele famoso homem-estátua (não me recordo do nome do senhor) fazia-se passar por um manequim que de repente se mexia, para susto dos incautos clientes que andavam pela loja.
Outras situações que eu recordo: pessoas que tentam falar de uma cabine telefónica mas mesmo ao pé está uma daquelas motas a fazer aqueles ruídos insuportáveis, o homem que dá um sermão num clube de vídeo aos clientes que alegadamente teriam alugado filmes pornográficos, uma pilha de caixas que cai num supermercado com uma actriz disfarçada de repositora a culpar os transeuntes, a senhora numa farmácia que pede a outras pessoas para a ajudarem a comprar preservativos com sabor, uma freira que pede para lhe ajudarem a escrever uma carta com conteúdos não lá muito castos, pessoas que são convidadas a fazer um anúncio a um sumo que vem-se a provar ser intragável ou viajantes que acabam de chegar ao aeroporto de Lisboa e uma equipa de televisão os confunde com alguém importante.
Estes "Apanhados" foram um sucesso de audiência e provocaram vários risos pelo país fora, mas o programa acabaria em tons amargos: Manolo Bello, o criador das situações apanhadas, desentendeu-se com Joaquim Letria, alegando que este lhe pagara menos que o previsto e o próprio Letria fartou-se de ser conotado como "o senhor dos Apanhados" e deste rótulo estar a ofuscar todo o seu vastíssimo trabalho enquanto figura de proa da comunicação social portuguesa.
Ainda em 1993, Manolo Bello recuperaria o formato dos "Apanhados" da SIC em "Minas E Armadilhas" (que futuramente terão o seu próprio artigo), novamente com Guilherme Leite entre os protagonistas das situações.
Mesmo assim em 1995, uma nova encarnação dos "Apanhados" com treze episódios exibidos na RTP1 entre 20 de Maio e 3 de Setembro desse ano , em que os Black Company, na altura vivendo ao máximo o sucesso do seu hit "Nadar", faziam vários sketches que eram elos de ligação entre as diversas situações. Desta vez a autoria das situações esteve a cargo do francês Jean-Yves Lafesse e entre os pregadores de partidas estavam os actores António Melo e Maria João Abreu (que então ainda não eram tão conhecidos do grande público como o são actualmente), bem como participações especiais de Roberto Leal e Margarida Pinto Correia.
Margarida Pinto Correia numa das situações apanhadas |
As duas encarnações dos "Apanhados" estão disponíveis no site de arquivos da RTP:
- A era Joaquim Letria: https://arquivos.rtp.pt/programas/apanhados/
- A era Black Company: https://arquivos.rtp.pt/programas/apanhados-temporada-ii/
No Youtube podem ser vistos alguns excertos como por exemplo esta situação em que, 18 anos antes do casamento entre pessoas do mesmo sexo ter sido legalizado em Portugal, Guilherme Leite e o seu cúmplice fazem-se passar por um casal que se quer casar e que pede a pessoas na rua para serem a sua testemunha. (E se não me falha a memória existiu posteriormente uma situação idêntica mas com um casal de mulheres.)
4.º programa (5/10/1992)
que inclui o apanhado do anúncio ao sumo intragável:
que inclui o apanhado do anúncio ao sumo intragável:
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