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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Thermotebe

por Paulo Neto

Nada como uma astuta campanha publicitária para transformar objectos banais em autênticos must-haves. Por exemplo, durante anos a fio, um jingle irresistível e anúncios bem colorido faziam de "A Minha Agenda RTP" um dos presentes mais desejados pela pequenada a cada Natal. E nos anos 80, dois anúncios e uma alegada tecnologia têxtil de ponta fez muita gente de várias idades ambicionar algo tão corriqueiro como uma camisola interior. Falo claro das camisolas Thermotebe.

Um dos anúncios tinha um senhor de bigode a caminhar confiantemente na rua enquanto sopra um vento tão forte que a gravata que ele usa teima em voar e diz: "Frio? Eu não tenho frio. Estou bem protegido!" ao mesmo tempo que desabotoa a camisa e revela a camisola Thermotebe que tem por baixo. De seguida, uma voz off louva as qualidades da dita camisola, nomeadamente as suas "características turbo-eléctricas", como "mantém o calor do corpo" e "protege da humidade" e a sua recomendação ideal para "estados reumáticos" e para "senhoras e crianças em idade escolar" enquanto surge uma animação de uma camisola rodeada de várias setas que deviam simbolizar o frio. 

Escusado será dizer que dito assim parecia que as Thermotebe eram o El Dorado das camisolas interiores e que nem na Antárctida alguém sentiria frio usando uma das ditas. E depois havia essa palavra fascinante "turbo-eléctrica"! Dava ideia que tinha sido aplicada nessas camisolas a mesma tecnologia utilizada na criação do KITT de "O Justiceiro!". 



Infelizmente não existe no YouTube o outro famoso anúncio, desta vez protagonizado por um petiz, que tal como o adulto, diz "Frio? Eu não tenho frio?" e também expõe a sua Thermotebe. Mas esse outro anúncio ficaria para a história pelo bordão que o garoto profere: "Eu uso uma Thermotebe e o meu pai também!". (Um bordão tão histórico que em 2018 até deu título a uma peça de teatro). O que está no YouTube, graças ao canal Mistério Juvenil, é outro anúncio, que me parece posterior, passada num acampamento onde também sopra um vento algo furioso e enquanto vários garotos preparam lenha para uma fogueira, o único adulto presente que as legendas indicam ser um médico de nome Alberto Silva afirma (em voz dobrada pelo famoso locutor Carlos Duarte) que estão todos a usar Thermotebes. E uma vez mais, um petiz que levanta a camisola e mostra a sua Thermotebe e uma nova variação do bordão: "Frio? Nós não temos frio." Como é evidente, estes dois anúncios com miúdos também fizeram com que durante um curto espaço de tempo, a petizada tuga tivesse desejado receber uma camisola interior como prenda de Natal.   



Mas afinal de onde vinham essas Thermotebes turbo-eléctricas? Vinham de Barcelos, da empresa da TEBE, fundada nos anos 40, que além de camisolas interiores, produzia todo o tipo de roupa interior e têxteis-lar. A TEBE também tinha outras marcas como Marie-Claire (presumo de lingerie) e Tebesport (de vestuário desportivo).  E o que era afinal essa fabulosa tecnologia de ponta utilizada nessas confecções made in Minho? Ao que parece, a mistura de tecidos utilizada na sua confecção propiciava a geração de electricidade estática, isolando a peça e tornando-a mais capaz de manter o calor do corpo. (Na minha pesquisa para este texto, descobri mesmo um relato de alguém que usou Thermotebes em criança e que se divertia a despir a camisola no escuro frente ao espelho para ver as faíscas que saltavam devido à electricidade estática!)   



Pelo que consegui apurar (e alguém me corrija se houver alguma incorrecção naquilo que vou dizer), existe ainda empresa TEBE mas o negócio da confecção têxtil foi transferido em 2009 para outra empresa do grupo, a Posolis cuja fábrica se situa em Braga. E não, já não fabricam Thermotebes. Tal como outras empresas do ramo têxtil nacional, a TEBE enfrentou algumas dificuldades com as dinâmicas e as regulamentações para essa indústria que advieram da entrada de Portugal na União Europeia e algures nos anos 90, a empresa optou por abdicar das suas marcas próprias e desde então produz para grandes marcas de distribuição.



E eu sou sincero: com o frio que tem feito ultimamente, volta e meio dou por mim a desejar ter uma camisola como a Thermotebe que me protegesse do frio como uma armadura.
     

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