Vários anos antes de Jesus Cristo ter reparado em Alexandra Solnado e ter pensado: "É precisamente esta pessoa que eu quero para canalizar a minha veia literária!", a filha de Raúl e mãe de Joana Solnado tinha-se notabilizado por apresentar dois programas infanto-juvenis da RTP nos anos 80: "Jaquitá" e "Estude-O".
Este último da autoria da própria Alexandra Solnado e do seu então marido Rui Madeira, era dirigido aos jovens que frequentavam o actual ensino secundário (10.º a 12.º ano). E era sem dúvida um programa que estimulava os conhecimentos e a criatividade dos jovens estudantes (algo raro ou nunca visto na televisão actual). Segundo o site "Brinca, Brincando", o Ministério de Educação enviou boletins de inscrições para o programa a todas as escolas secundárias do Continente e das Regiões Autónomas, tendo as 24 equipas que concorreram ao programa sido escolhidas por sorteio.
"Estude-O" teve 14 emissões, transmitidas aos domingos ao início da tarde entre 6 de Novembro de 1988 e 26 de Fevereiro de 1989, gravadas nos estúdios da RTP Porto nas quintas-feiras antes do respectivo domingo onde eram exibidas. A primeira foi uma sessão experimental para explicar a dinâmica do concurso, as doze seguintes punham duas equipas de diferentes escolas num head to head e a última foi uma final entre as duas equipas que tiveram a maior pontuação ao longo dessas doze sessões. (Se não me falha a memória, a vitória final foi para a Escola Secundária de Pombal). Cada sessão tinha também um convidado musical. O genérico com a mascote do programa - um mocho - bem como os diferentes segmentos antes de cada prova estavam a cargo do lendário Álvaro Patrício.
O David Martins deu-me a conhecer através do Anuário da RTP de 1988 quais foram as escolas que participaram nas primeiras cinco emissões e os respectivos convidados musicais:
1.ª Sessão (experimental) 6/11/1988: Escola Fontes Pereira de Melo (Porto) vs Escola Soares dos Reis (Vila Nova de Gaia) - Café Lusitano e Rádio Macau
2.ª Sessão 20/11/1988: Monção vs. Santiago do Cacém - Johnny Johnny
3.ª Sessão 27/11/1988: N.º 1 de Loures vs. Valongo - Mafalda Veiga
4.ª Sessão 4/12/1988: Santa) vs. Pontinha - Ban
5.ª Sessão 11/12/1988: Escola D. Duarte (Coimbra) vs. Santa Maria do Olival (Tomar)
O júri residente do programa que avaliava todas as provas (excepto Qual A Pergunta e Troféu) atribuindo cada elemento uma pontuação de 1 a 10 era composto por Paulo Fernando, Clara D'Ovar e Fernando Costa. Não consegui informação sobre os elementos masculinos mas descobri que Clara D'Ovar (de seu verdadeiro nome Leolina Simões e tendo adoptado como nome artístico o seu segundo nome e a cidade onde nasceu) foi uma actriz e cantora que fez carreira entre Portugal e França, tendo falecido em 2002.
Paulo Fernando, Clara D'Ovar, Fernando Costa
No YouTube está disponível na íntegra a 4.ª transmissão do programa, exibida a 4 de Dezembro de 1988, que opunha uma equipa da Escola Secundária de Santa Maria da Feira (Fátima Manta, Armando Gomes e Elsa Maria Sousa) contra a Escola Secundária da Pontinha (Alcides Semedo, Ana Ferreira e Sandra Leal) e é através dela que vamos analisar as várias provas do programa. Os convidados musicais desta sessão eram os Ban, liderados pelo actual presidente do Boavista.
Qual a Pergunta?
Nesta prova, Alexandra Solnado lia uma resposta e, conforme indica o nome, cada equipa tinha que adivinhar qual era a pergunta correspondente a essa resposta. Na primeira ronda, as respostas/perguntas eram de cultura geral ao passo na ronda seguinte eram sobre matérias dadas nas diferentes disciplinas lectivas do ensino secundário.
Prova Livre
Como o nome indica, é a prova em que os membros de cada equipa podiam dar largas à sua imaginação utilizando os recursos disponibilizados pela RTP para um segmento filmado de três minutos.
Nesta emissão, a equipa da Pontinha decidiu fazer uma transmissão especial do TV Rural dedicada a esse milagre da horticultura de rosas em Janeiro nos tempos de D. Dinis enquanto Santa Maria da Feira optou por uma entrevista no programa "Estúdio da Perdição" a uma bem atrevida Inês de Castro (onde não faltou uma alusão à censura ao programa "Humor de Perdição" por causa de um sketch de uma entrevista histórica).
Lembro-me que numa sessão posterior do programa, chegou a haver uma equipa que fez como Prova Livre uma paródia ao próprio programa ("Estude-Um"), com as provas "Qual A Resposta" e "Segunda Página"
Teledisco
Nesta prova, cada equipa grava um teledisco a ser filmado na respectiva escola ou nas imediações por uma equipa de televisão, estando também encarregues de orientar a montagem.
Uma vez que Alcides, concorrente da equipa da Pontinha, era de raça negra, o teledisco da sua equipa passava uma mensagem contra o racismo e o bullying. Já a equipa de Santa Maria da Feira procurou capturar aquela sensação tão pungente a todos aqueles que são e foram estudantes que são aqueles momentos de seca durante as aulas.
Interrompemos esta emissão para uma pausa publicitária. Primeiro com anúncio informativo do Ministério das Finanças sobre o IRS (adoro o plano do homem ao computador com cachimbo na mão) e uma promoção da RTP à transmissão do Festival de Rock de Montreux com uma actuação das Bananarama.
Culinária
Cada equipa explica e executa uma receita culinária num decor de cozinha.
A equipa da Pontinha apresentou um "peixe do rio à moda das lavadeiras de Caneças" e a de Santa Maria da Feira um "arroz com natas".
Primeira Página
Em alusão ao programa do mesmo nome então exibido na RTP conduzido por Margarida Marante, a prova recriava um programa de informação e entrevista em que um elemento de cada equipa encarnava uma personagem histórica. Ana, da equipa da Pontinha, fez de Luís de Camões e Armando, da equipa de Santa Maria da Feira, de Fernando Pessoa.
Troféu
A prova mais física do programa, onde num recinto com lama, os membros de cada equipa terão de apanhar um leitão e levantá-lo ao ar. A prova termina quando o leitão tiver as quatro patas fora do chão. A equipa que demorava menos tempo a levantar o leitão ganhava 10 pontos (neste caso, Santa Maria da Feira).
Telenovela
Cada equipa tem de recriar um episódio de uma telenovela ("Doce Lar" sobre a família Pessoa dona de uma mercearia: a mãe Perpétua, o pai Provisória e o filho Fernando), de preferência pegando na continuidade deixada pelas equipas da emissão anterior. Além dos três membros de equipa mais três colegas de escola podem fazer parte do episódio. A equipa da Pontinha lançou suspeitas sobre a paternidade do Fernando quando um casal grã-fino entra na mercearia enquanto Santa Maria da Feira aprofunda o mistério de um fiscal desaparecido.
No final, a vitória nesta sessão com larga margem foi para a Escola Secundária de Santa Maria da Feira.
Algumas observações ao rever este programa:
- O júri era muito exigente! Como podem ter comprovado, eles não douravam pílulas, não se coibiam de apontar o que tinha corrido mal nas provas e apenas Clara D'Ovar deu uma pontuação acima dos cinco pontos (em dez).
- Alexandra Solnado era boa apresentadora! Sim, também ela ostentava o look de funcionária de repartição de finanças que era comum às apresentadoras da RTP nos anos 80, mas conduzia o programa de forma segura e eficaz e tinha uma óptima interacção com os jurados, conseguindo que eles abandonassem um pouco a formalidade da sua função.
Agradeço ao site Brinca Brincando pela informação e pelas imagens utilizadas neste texto e a Pedro Severino por ter colocado o vídeo da sessão descrita no YouTube.
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