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terça-feira, 2 de agosto de 2016

Carlos Lopes campeão olímpico (1984)

por Paulo Neto

Já falámos aqui há dias dos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles, a propósito da primeira maratona feminina olímpica onde Rosa Mota foi uma das ocupantes do pódio. Com a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro esta semana e a notícia do falecimento do Professor Mário Moniz Pereira, impõe-se um regresso a esses Jogos da 23.ª Olimpíada e recordar aquela que é uma das páginas mais gloriosas do desporto português.



Os Jogos Olímpicos de 1984 foram bastante decisivos para o Movimento Olímpico. Com as últimas edições a serem marcadas por boicotes e outras influências políticas, pesadas facturas financeiras e até mesmo um acto terrorista em 1972, havia cada vez menos interesse em cidades e países acolherem uns Jogos Olímpicos. Aliás, além de um efémero interesse por parte de Teerão, Los Angeles foi a única cidade candidata aos Jogos de 1984, pelo que organizou o evento pela segunda vez, após ter-se estreado em 1932.
Entendendo que a viabilidade económica dos Jogos Olímpicos passava por aí, o comité organizador liderado por Peter Ueberroth desenvolveu várias parcerias com empresas patrocinadoras, como por exemplo a Coca-Cola e a MacDonald's, minimizou os custos de construções das infraestruturas e negociou contractos de direitos de transmissão televisiva. Como tal, os Jogos Olímpicos de Los Angeles foram os primeiros economicamente lucrativos e esse sucesso suscitou as ambições de cidades um pouco por todo o mundo em também serem cidades olímpicas.
Além disso foram os primeiros Jogos onde as portas foram abertas aos atletas profissionais: por exemplo os futebolistas profissionais que nunca disputaram um Mundial de Futebol podiam ser convocados para a selecção olímpica do seu país.


Em retaliação ao boicote de liderado pelos Estados Unidos aos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980, a União Soviética e os seus países aliados boicotaram os Jogos de 1984, com a notável excepção da Roménia, cuja delegação foi das mais aplaudidas na cerimónia de abertura. Ainda assim, um número recorde de 140 países marcaram presença, incluindo a República Popular de China pela primeira vez desde 1952. Além da maratona, houve pela primeira vez provas exclusivamente femininas no tiro e no ciclismo, bem como a estreia olímpica da ginástica rítmica e da natação sincronizada.
Portugal esteve representado por 39 atletas e obteve em Los Angeles a sua melhor participação olímpica até então, conquistando três medalhas. Tal como Rosa Mota na maratona, António Leitão conquistou a medalha de bronze nos 5000m numa corrida em que ele e Ezequiel Canário dominaram por bastante tempo. Outros bons resultados foram o 6.º lugar de Aurora Cunha nos 3000m e o 7.º lugar de Alexandre Yokochi nos 200m bruços, que se mantém como a única presença de um português numa final olímpica de natação. A única grande decepção foi Fernando Mamede, que semanas antes batera o recorde mundial dos 10000m, mas que mais uma vez cedeu à pressão psicológica que o assaltava em grandes competições e abandonou a corrida.

António Leitão ganhou a medalha de bronze nos 5000m

Mas o ponto alto da participação nacional estava marcado para o último dia e para a derradeira prova dos Jogos de Los Angeles. 107 atletas de 59 países apresentaram-se na linha de partida para a maratona olímpica aos 12 dias de Agosto de 1984. Mesmo com o boicote de Leste, o contingente era bastante forte, mas havia três favoritos principais: o australiano Robert de Castella, campeão do mundo em 1983, o japonês Toshihiko Seko que não perdia uma maratona desde 1979 e o americano Alberto Salazar que vencera três vezes consecutivas a maratona de Nova Iorque. Porém nenhum deles chegou às medalhas. (Castella foi quinto, Seko 14.º e Salazar 15.º).





Carlos Lopes, que já tinha uma medalha de prata olímpica em 1976 nos 10000m, tinha então 37 anos e só completara antes apenas uma maratona, a de Roterdão em 1983, onde perdeu apenas para De Castella. Duas semanas antes da sua partida para Los Angeles, Lopes foi atropelado por um Mercedes-Benz quando treinava na Segunda Circular, mas felizmente escapou praticamente ileso. Aos 37km, o português seguia na frente juntamente com o irlandês John Treacy e o britânico Charles Spedding quando desferiu um ataque à liderança que não mais largou. Carlos Lopes cortou a meta ao fim de 2 horas, 9 minutos e 21 segundos, um recorde olímpico que durou até 2008. Treacy foi segundo e Spedding terceiro. A única outra maratona que Lopes venceu foi a de Roterdão em 1985 onde bateu recorde do mundo. Lopes venceu somente duas maratonas na sua carreira, mas que duas!







Charles Spedding (GBR) e John Treacy (IRL)

Foi portanto em plena cerimónia de encerramento, ao fim de 16 dias de glória em terras californianas, que pela primeira vez um atleta português recebeu uma medalha de ouro olímpica e ouviu-se "A Portuguesa" em solo olímpico. Embora tradicionalmente a cerimónia protocolar da maratona masculina seja a última dos Jogos Olímpicos, Carlos Lopes não foi o último campeão olímpico de 1984 a ser condecorado, pois logo a seguir, numa daquelas patriotices à americana, teve lugar a cerimónia protocolar numa prova de hipismo, ganha por um americano, onde os medalhados entraram montados a cavalo no Coliseu de Los Angeles.



Ao longo dos mais de 42 quilómetros da maratona e no momento de consagração, não foi apenas o Carlos Lopes natural de Vildemoinhos (Viseu) que correu e que subiu ao pódio para receber o ouro, mas sim todo um país então pouco habituado a vitórias, desportivas e não só. Foi também a confirmação dos frutos semeados pelo trabalho do Prof. Mário Moniz Pereira, que como técnico do Sporting, revolucionou o atletismo nacional (para não dizer mesmo o desporto português em geral) e forjou atletas excepcionais como Lopes, Mamede e os gémeos Domingos e Dionísio Castro, provando que com as condições e as orientações certas para treinar e a mescla acertada de talento, disciplina e trabalho duro, os atletas portugueses eram capazes de feitos tão gloriosos quanto os dos outros países. E desde então têm sido vários os atletas nacionais a encher o nosso país de orgulho, nomeadamente em solo olímpico.  

Mário Moniz Pereira (1921-2016)







Momentos finais da maratona masculina:






Paródia à vitória de Carlos Lopes em "Os Simpsons"





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