Páginas

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Festival da Eurovisão de 1996

por Paulo Neto

O Festival da Eurovisão deste ano já lá vai, mas por aqui vamos recuar vinte e anos e recordar a edição de 1996. O 41.º Festival da Eurovisão teve lugar a 18 de Maio de 1996 no Spektrum de Oslo na Noruega. Esta era portanto a segunda vez que a Noruega organizava o certame após a edição de 1986 em Bergen. Os apresentadores foram Ingvild Bryn e Morten Harket, o vocalista dos famosíssimos A-Ha, que na altura tinha lançado um álbum a solo. Aliás Harket cantou um dos temas desse disco no início do espectáculo.






Por esta altura, o Festival da Eurovisão já tinha aberto as portas ao países da Europa de Leste, o que causou o problema de um número excedente de países candidatos para um limitado número de vagas e era sempre complicado determinar quais eram os países que ficavam de fora, só podendo voltar a marcar presença no evento dois anos depois. Em 1996, a solução encontrada foi a de uma pré-eliminatória com 29 países, para determinar os 22 que se juntariam à anfitriã Noruega no Festival propriamente dito. Um júri de cada país ouviu gravações audio de todas as canções e pontuou conforme o habitual sistema da Eurovisão. Os sete países eliminados foram Alemanha, Dinamarca, Hungria, Israel, Macedónia, Roménia e Rússia. A eliminação da Alemanha foi a mais controversa pois não só era/é um dos países que mais contribui financeiramente para a EBU como a sua canção, o tema techno "Planet Of Blue", era semelhante à do Reino Unido que se apurou confortavelmente. Particularmente infelizes foram também os afastamentos da Hungria que teve os mesmos pontos da Finlândia e eliminada apenas no desempate e da Macedónia que pretendia estrear-se no Festival nesse ano, algo que só aconteceu em 1998. Curiosamente, o tema da Macedónia era interpretado por Kalliopi, a cantora que representou esta antiga república jugoslava este ano.

Os países concorrentes presentes no Festival da Eurovisão de 1996 foram portanto Áustria, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Chipre, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Malta, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. Antes da actuação de cada país, era exibida uma mensagem de boa sorte de uma figura política - embaixadores, ministros, secretários de Estado e até primeiros ministros e Presidentes da República - do respectivo país. No caso de Portugal, foi o então primeiro ministro António Guterres a desejar boa sorte à nossa Lúcia Moniz. Os comentários para a RTP estiveram a cargo de Maria Margarida Gaspar, com Cristina Rocha a divulgar os votos do júri português.
Outra inovação deste ano foi o facto da parte da votações ter sido realizada num cenário virtual em "bluescreen".


Como é hábito, analisaremos as canções por ordem inversa à da classificação:

Jasmine (Finlândia)

Amila Glamocak (Bósnia-Herzegovina)

Depois de ter passado résvés na pré-eliminatória, a Finlândia não conseguiu evitar mais um último lugar para a sua história, somando apenas 9 pontos. No entanto, acho que a canção finlandesa até nem era das piores. O tema "Niin kaunis on taivas" ("tão belo que é o céu") foi interpretado por Jasmine Valentin, que tinha raízes ciganas. No final da actuação, Jasmine atirou à assistência a rosa amarela que estava presa na sua guitarra.
Em 22.º lugar com 13 pontos ficou a Bósnia-Herzegovina que, apesar das dificuldades da guerra no país, já ia na quarta participação consecutiva no Festival. A Oslo levou a balada "Za nasu ljubav" ("pelo nosso amor") interpretada por Amila Glamocak, que tinha um look que fazia lembrar o da nossa Misia.

Regina (Eslovénia)


Antonio Carbonell (Espanha)

Um lugar acima com 16 pontos ficou (algo injustamente, digo eu) a Eslovénia. O tema "Dan najlpesih sanj" ("o dia do mais belo sonho") foi interpretado por Regina, nome artístico de Irena Jalsovec, que apresentou-se em palco com um vestido que revelava o seu estado de gravidez. Regina continua a ser uma das cantoras mais populares do seu país e tentou por diversas vezes voltar a representar a Eslovénia no Festival mas até agora sem sucesso.
Em 20.º lugar com mais um pontos ficou a Espanha, aquela que pessoalmente acho a mais fraca de todas as canções concorrentes (incluindo as eliminadas na pré-eliminatória). O tema "Ay que deseo!" foi escrito pelo conhecido grupo flamenco-pop Ketama mas a interpretação de Antonio Carbonell e sobretudo das cantoras do coro deixou muito a desejar. Não foi das escolhas mais felizes do nosso país vizinho.

L'Héritage des Celtes (França)
Marcel Palonder (Eslováquia)

A França optou por uma proposta étnica algo invulgar para a altura, com um tema cantado na língua bretã, "Diwanit Bugale" ("que as crianças floresçam") interpretado pelo colectivo L'Héritage Des Celtes, liderado por Dan Ar Braz, músico gaulês dedicado à música celta desde os anos 70. O colectivo, que incluía membros oriundos de França, Escócia e País de Gales, tinha conseguido algum sucesso com um disco de 1994. No Festival, obtiveram o 19.º lugar com 18 pontos.
Um lugar acima e com mais um ponto ficou a Eslováquia que participava pela segunda vez após a estreia em 1994. Marcel Palonder interpretou "Kým nás más" ("enquanto tiveres-nos a nós"), uma balada que evidenciava a musicalidade da língua eslovaca.

Kathy Leander (Suíça)

Lisa Del Bo (Bélgica)

Também pelo signo da balada se regeu a Suíça, com Kathy Leander, uma cantora que na altura repartia-se entre trabalhos como cantora e a profissão de bancária, a defender o tema "Mon coeur l'aime" ("o meu coração ama-o"), que ficou em 16.º lugar com 22 pontos. De referir que o director de orquestra da canção helvética era o português Rui Filipe Reis.
Os mesmos 22 pontos foram obtidos pela Bélgica que tinha uma das canções mais orelhudas, apesar de ser cantada em flamengo. Lisa Del Bo (de seu verdadeiro nome Renhilde Goosens) interpretou o tema "Liefde ist een kaarstpel" ("o amor é um jogo de cartas"). Dadas as semelhanças entre esta canção e a representante da Suécia no Festival de 2001, os autores da canção belga acusaram os da sueca de plágio. O processo foi resolvido com um acordo remuneratório entre ambas as partes.

Kasia Kowalska (Polónia)
Marianna Efstratiou (Grécia)


Na sua terceira participação, a Polónia ficou em 15.º lugar com 31 pontos. Kasia Kowalska interpretou a balada "Chce znac swój grzech" ("quero saber qual o meu pecado") mas infelizmente não esteve tão segura na actuação como na arrebatadora versão de estúdio. Ainda assim foi uma das minhas canções preferidas desta edição. Nos anos seguintes, Kasia Kowalska continuou a ser uma das cantoras mais bem-sucedidas do seu país. Em 1997, foi a voz de Esmeralda no filme da Disney "O Corcunda de Notre-Dame" e em 2001 ganhou o prémio MTV para melhor artista polaca.
Marianna Efstratiou voltou a representar a Grécia no Festival da Eurovisão em 1996, depois de já o ter feito em 1989. Mas se sete anos antes, ela se apresentara morena de cabelo curto, nesse ano surgiu com uma longa melena loura para cantar "Emeis forame to himona anixiatika" ("vestimos roupas de primavera no inverno"). Além de dois cantores de coro, durante a actuação também esteve em palco um bailarino de camisa transparente que por vezes interagia com Marianna, que no entanto parecia dar-lhe pouca atenção. A Grécia ficou em 14.º lugar com 36 pontos.

Anna Mjoll (Islândia)


Sebnem Paker (Turquia)

Anna Mjöll Oláfsdóttir foi a representante da Islândia, que obteve o 13.º lugar com 51 anos. O tema "Sjúbidu" (que é como quem diz "shoo-bee-doo") foi escrito por Anna e seu pai, um pianista de jazz, e na letra eram mencionados nomes como Louis Armstrong, Billie Holliday, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Frank Siniatra, Sammy Davis Jr, Elvis Presley e Dizzy Gillespie. Além de uma carreira no jazz, Anna Mjöll foi durante três anos cantora de coro nos concertos de Julio Iglesias.
A Turquia foi o primeiro país a actuar com a canção "Besinçi Mevsim" ("a quinta estação") interpretada por Sebnem Paker, que ficou em 12.º lugar com 57 pontos. Sebnem Paker voltaria a representar o seu país no Festival do ano seguinte com bem mais sucesso. Mas apesar do seu sucesso na música na altura, Sebnem acabaria por trocar as cantorias pelo ensino, sendo actualmente professora do ensino secundário.


Miriam-Christine (Malta)

George Nussbaumer (Áustria)

Malta e Áustria repartiram o 10.º lugar com 68 pontos. Miriam Christine Borg, nascida no Brasil e adoptada por malteses da ilha de Gozo, então com 17 anos, foi a representante maltesa, defendendo o tema "In a woman's heart". Entre as vozes do coro estava Georgina Abela, que representara o país em 1991. A participação de Miriam Christine no Festival serviu para iniciar uma bem-sucedida carreira no seu país que se prolonga até hoje. Tal como a participante eslovena, também Miriam tentou por várias vezes regressar ao Festival mas por enquanto esta continua a ser a sua única participação no certame.
A Áustria levou um tema gospel "Weil's dr guat got" ("porque te sentes bem"), cantado no dialecto da região de Voralberg. Região essa de onde era originário o intérprete George Nussbaumer, que era invisual de nascença. (Até então o único outro cantor invisual a participar no Festival tinha sido o espanhol Serafin Zubiri em 1992). O tema e a interpretação de Nussbaumer faziam lembrar o repertório de Ray Charles.

Constantinos (Chipre)
Gina G. (Reino Unido)
Chipre ficou em nono lugar com 72 pontos graças a uma balada, "Mono yia mas" ("só para nós") interpretada por Constantinos Christoforou, então com 19 anos. Constantinos tomou-lhe o gosto e viria a representar Chipre mais duas vezes, em 2002 com membro da boyband One e em 2005 novamente a solo. No Festival da Eurovisão de 2016, ele foi o porta-voz dos votos da Grécia.
Em oitavo lugar com 77 pontos ficou o Reino Unido, tido como o principal favorito. Era a primeira vez que um tema euro-dance competia no Festival, "Ooh...Ah...Just a little bit" interpretado pela australiana Gina G. que surgiu em palco num vestido mirrorball. O resultado ficou aquém das expectativas, apesar de Portugal ter dado 12 pontos. Ainda assim, o tema foi o mais bem-sucedido comercialmente, tendo chegado ao n.º 1 do top britânico e até alcançou algum sucesso nos Estados Unidos onde foi nomeado para um Grammy. Gina G. teve mais um punhado de singles no top britânico nos meses seguintes e em 2005 competiu na pré-selecção do Reino Unido para o Festival desse ano.

Maxine & Franklin Brown

Lúcia Moniz (Portugal)


A Holanda obteve o sétimo lugar com 78 pontos, com o dueto entre Maxine e Franklin Brown, nomes pelos quais eram conhecidos os cantores Goony Burmeester e Franklin Kroonenberg. O tema "De eerste keer" ("a primeira vez") soava um bocado demodé (não destoaria no Festival de 1986) mas era compensado pela boa disposição e profissionalismo dos dois intérpretes, apesar da grande diferença de alturas entre os dois.
E ei-nos chegado a Portugal que nesse ano conseguiu aquele que até hoje o nosso melhor resultado de sempre. (Que tristeza que em mais de 50 anos de participação nem sequer termos um top 5 para a mostra, mas pronto…) Confesso que queria gostar mais deste canção do que eu realmente gosto e que há várias canções portuguesas da Eurovisão de que gosto bem mais, mas reconheço-lhe o devido valor. "O meu coração não tem cor" tinha letra de José Fanha e música e orquestração do saudoso Pedro Osório e foi exemplarmente interpretado por Lúcia Moniz, na altura ainda com 19 anos e sem ainda adivinhar a sua extremamente bem-sucedida carreira tanto como cantora como actriz. A curiosa fusão  entre o folclórico e o moderno e a seguríssima actuação em Oslo por parte não só de Lúcia (que também tocava cavaquinho) como também dos cantores do coro (Laura Ferreira, Fernanda Lopes, Telmo Miranda e Manuel Lourenço) acabou por convencer a Europa, que deu a Portugal um total de 92 pontos, incluindo doze pontos Chipre e Noruega. Nesse ano, surgiram também as primeiras experimentações de efeitos durante as actuações, que no caso de Portugal consistiram em converter o ecrã a preto e branco, sempre que Lúcia Moniz cantava "o meu coração não tem cor."

Maarija-Liis Ilus & Ivo Liina (Estónia)


Maja Blagdan (Croácia)

A Estónia estreou-se no certame de forma discreta em 1994, mas logo na sua segunda participação alcançou um excelente quinto lugar com o tema "Kaelakee hääl" ("o som de um colar") cantado em dueto por Maarja-Liis Ilus e Ivo Linna. Apesar da diferença de idades (ela tinha então 16 anos e ele 46), as vozes de ambos combinaram bem na balada romântica que obteve 94 pontos. Maarja voltou a representar o seu país no ano seguinte, mas desta vez a solo.
O quarto lugar (98 pontos) da Croácia foi algo surpreendente. até porque foi das canções que se apurou por pouco na pré-eliminatória, mas a interpretação de Maja Blagdan em "Sveta ljubav" ("amor sagrado"), que incluía notas impossivelmente agudas a la Mariah Carey causou impacto. Ainda hoje é o melhor resultado deste país, apenas igualado em 1999.

One More Time (Suécia)
A canção da Suécia, que foi a mais votada na pré-eliminatória, ficou em terceiro lugar com 100 pontos. O grupo One More Time interpretou o tema "Den Vilda" ("o selvagem"), uma primorosa balada de contornos étnicos e de fortes arranjos vocais. Um dos elementos de grupo, Peter Grönvall, é filho de Benny Andersson dos ABBA, fruto do primeiro casamento deste com Christina Grönvall, (antes da relação com Anni-Frid Lynstaad). A esposa de Peter, Nanne Grönvall, iniciou uma popular carreira a solo na Suécia após a dissolução do grupo em 1997.  

Elisabeth Andreasen (Noruega)
Elisabeth "Bettan" Andreassen, a representante da Noruega, o país-anfitrião, era uma veterana nestas andanças eurovisivas, pois já ia na sua quarta participação, embora a primeira a solo. Em 1982, representou a Suécia como metade do duo Chips, em 1985 venceu pela Noruega integrando outro duo feminino, as Bobbysocks, e em 1994 esteve novamente pela Noruega em dueto com Jan Werner Danielsen. Nascida na Suécia e filha de pais noruegueses, Bettan possui dupla nacionalidade e sempre dividiu a carreira entre os dois países. Graças ao tema "I evighet" ("para a eternidade") e apesar de não ter tido quaisquer doze pontos, a Noruega conseguiu o segundo lugar e 114 pontos.

Eimear Quinn (Irlanda)

Mas pela quarta vez em cinco anos, a Irlanda acabaria por ser o país vencedor, alargando para sete o seu número de vitórias, o que ainda constitui um recorde. E para mim, esta terá sido a vitória mais merecida da Irlanda dos seus quatro triunfos dos anos 90. Com "The Voice", um tema com forte influência celta, e a voz angelical de Eimear Quinn, a Irlanda amealhou 162 pontos, vencendo de forma clara. Até então membro do grupo coral Anúna, esta canção marcou o início da carreira a solo de Quinn, que desde então tem actuado um pouco por todo o mundo.

Se hoje praticamente todos os países apostam em canções cantadas em inglês, não deixa de ser interessante recordar estes tempos onde o Festival da Eurovisão tinha canções em tantas línguas diferentes, ainda para mais nesta altura onde se descobria a musicalidade dos idiomas leste-europeus

Eimear Quinn com o troféu da vitória



Transmissão da RTP do Festival da Eurovisão 1996 (sem a parte da votações)

   

1 comentário:

  1. Vídeo com os elementos do júri português no ensaio geral e uma pequena entrevista à Lúcia Moniz e ao seu coro (Laura Ferreira, Fernanda Lopes, Telmo Miranda e Manuel Lourenço).

    https://www.youtube.com/watch?v=K2nRiNUKbvY

    ResponderEliminar