Já falei aqui como o "Dou-te Um Doce" da Lena D'Água foi uma das canções do Verão de 1986. Mas nesse mesmo Verão ouve um ainda maior êxito musical vindo do outro lado do Atlântico, uma daquelas canções que nos anos 80 se eternizavam no 1.º lugar do top nacional. Tratou-se "Um Dia De Domingo", um dueto absolutamente avassalador interpretado pela baiana Maria da Graça Costa Penna Burgos e pelo carioca Sebastião Rodrigues Maia, mais conhecidos como Gal Costa e Tim Maia.
A épica balada de seis minutos, da autoria de Michael Sullivan e Paulo Massadas, até tinha uma estrutura simples: primeiro Gal Costa chilreava a sua parte. E depois Tim Maia atacava com a sua voz portentosa a sua parte, repetindo a letra, e após uma parte instrumental e de ad libs, os dois uniam as vozes para repetirem de forma apoteótica o refrão. O sucesso foi particularmente esmagador em Portugal com as rádios nacionais a tocarem incessantemente o tema, ao ponto que na altura muitos tugas tinham a letra toda na ponta da língua.
Eu preciso te falar
Te encontrar de qualquer jeito
P'ra sentar e conversar
E depois andar de encontro ao vento
Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia
E na pele quero ter
O mesmo Sol que te bronzeia
Eu preciso te tocar
E outra vez te ver sorrindo
E voltar num sonho lindo
Já não dá mais p'ra viver
Um sentimento sem sentido
Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo
Ver o Sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de Domingo
Faz de conta que ainda é cedo
Tudo vai ficar por conta da emoção
Faz de conta que ainda é cedo
E deixar falar a voz do coração
"Um Dia De Domingo" cimentou Gal Costa como uma das cantoras brasileiras mais apreciadas no nosso país e apresentou Tim Maia que, apesar da sua vasta obra e o legado de ser considerado como o pioneiro da música soul no Brasil, era ainda relativamente desconhecido por cá. Pelo menos eu nunca tinha ouvido falar dele antes, e apesar de na altura ter apenas seis anos, já conseguia identificar nomes da MPB como Roberto Carlos, Maria Bethânia, Caetano Veloso ou Ney Matogrosso.
Como a canção não tinha videoclip oficial, em substituição o que passava por cá no Top Disco era uma actuação de Gal Costa e Tim Maya no programa do Chacrinha, o extravagante apresentador no qual Ediberto Lima havia de se inspirar para criar o Big Show SIC. Essa actuação ajudou a contribuir ainda mais para o misticismo cromo do tema: como se não bastasse ver uma Gal Costa, que não estava nada mal para uma recém-quarentona, e um enorme e suado Tim Maia a cantarem bem agarradinhos sob os gritos histéricos de uma assistência, na parte instrumental, Chacrinha desata a gritar "É demais! Todo o mundo aí! É demais, demais!". Esse espasmo vocal do apresentador era tão marcante, que aposto que não serei o único que, ao ouvir a canção na rádio, estaria à espera de ouvir o "É demais!" do Chacrinha.
"Um Dia De Domingo" contribuiu para que o respectivo álbum "Bem Bom", editado em 1985, fosse o mais vendido de sempre de Gal Costa em Portugal. Na nossa casa, havia um exemplar do disco que tinha a particularidade de, ao desdobrar a capa, ter uma foto quase de corpo inteiro de Gal Costa. O álbum continha faixas escritas por nomes tão consagrados como Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Djavan, Cazuza, Chico Buarque e Milton Nascimento. O outro hit do álbum foi também um dueto, "Sorte", com desta vez Gal Costa a cantar com o seu velho comparsa Caetano Veloso.
Actualmente com setenta anos, Gal Costa continua bem activa e imparável, tendo continuado a dar vários concertos em Portugal. Infelizmente Tim Maia faleceu a 15 de Março de 1998, com 55 anos, num culminar de vários problemas relacionados com a obesidade, álcool e drogas. Mas a sua obra continua a ser muito celebrada no Brasil: além das várias homenagens póstumas, a sua campa é local de romaria e em Junho deste ano, foi inaugurada uma estátua sua no bairro da Tijuca.
"Um Dia De Domingo" fez recentemente parte da banda sonora da telenovela "Alto Astral", actualmente em exibição na SIC.
Marcou uma época! Ouvir esta - e outras - é uma espécie de viagem no tempo. Recordo sempre - literalmente - os meus Domingos de infância nas férias de Verão na "minha" ilha
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