por Paulo Neto
Já há algum tempo que não se faz por aqui um top 5, não é verdade? Como tal, para recuperar a rubrica nada como recordar as minhas cinco canções preferidas das Doce, o quarteto feminino que deixou uma marca incontornável na música portuguesa dos anos 80 e uma das primeiras girlbands, (tal como esse conceito é actualmente entendido) do mundo. Mais uns anos e provavelmente teriam tido um vasto merchandising como os grupos femininos dos anos vindouros: lancheiras, bonecas, mochilas, material escolar e etc.
Tudo começou em 1979 quando, finda a actividade do seu grupo Gemini, Tozé Brito decidiu criar um novo projecto, inspirado nos grupos femininos dos anos 60 como as Supremes e as Shangri-Las mas com um toque actual e ousado. Para tal angariou três cantoras que em diferentes períodos integraram os Gemini: Teresa Miguel, Fátima Padinha e Lena Coelho, às quais foi adicionada (dizem as más línguas que sobretudo por motivos estéticos) Laura Diogo, que tinha sido Miss Fotogenia no concurso Miss Portugal. Reza a lenda que o nome do grupo surgiu durante almoço entre Tozé Brito e as quatro cantoras, quando um empregado de mesa, para perguntar o que queriam para sobremesa, disse apenas: "Doce?"
É certo que já existiam as Cocktail, outro conhecido grupo feminino da altura, mas as Doce venceram sobretudo por apostarem na ousadia, dos vistosos figurinos concebidos pelo então pouco conhecido estilista José Carlos às letras que tinham como tema recorrente os prazeres do amor e da paixão, trazendo novas cores a um Portugal ainda bem cinzentão. Juntando-se a isso duas mãos cheias de hits que imediatamente cativaram o público, de miúdos a graúdos, uma dose de controvérsia (como por exemplo um célebre rumor que terá alegadamente envolvido Laura Diogo e o futebolista Reinaldo) e todos os ventos de mudança do Portugal dos anos 80, e o grupo gozou de uma frutuosa carreira aos longo dos oito anos de existência, deixando um legado que prospera até hoje. São ainda muitas as canções das Doce que perduram na jukebox mental dos portugueses, até daqueles que nasceram bem depois do auge do grupo.
Como é habitual, foi bastante difícil reduzir a lista a apenas cinco canções, e vários clássicos das Doce tiveram que ficar de fora, como "Quente, Quente, Quente", "Jingle Tónico", "For The Love Of Conchita", "OK, KO" ou "O Barquinho Da Esperança". Mas vamos então ao top 5.
#5 "É Demais" (1981)
Por incrível que pareça, ao longo da existência do grupo (1979-1987), as Doce só editaram dois álbuns de originais: "OK, KO" (1980) e "É Demais" (1981). As Doce eram portanto mais um grupo de "singles". Todavia, a faixa-título do segundo álbum é um dos maiores hits do quarteto. A letra no refrão apoteótico não deixava dúvidas sobre o que cantavam Fá, Laura, Lena e Teresa: "Então estamos sós enfim, é demais,/ A noite tão quente assim, é demais, / Lençóis de cetim e champanhe para dois, é demais!/ Da varanda, vê-se o mar, é demais/ Roupas pelo chão, pelo ar, é demais,/ O cheiro da erva nas noites de verão, é demais!" Juntando-se a isso um videoclip onde as quatro envergavam sensuais fatos de cabedal, e calculo que muito homem na altura tenha ficado com o sangue a borbulhar. Em 2000, por alturas da edição de um álbum de tributo às Doce onde participaram boybands e girlbands da altura como os Milénio, as Tayti, as Baby, os D'Arrasar bem como nomes como Mónica Sintra e o brasileiro Netinho, Teresa Miguel e Lena Coelho regravaram esta canção em parceria com Carlos dos Excesso.
Actuação no programa "Sabadabadu":
#4 "Bem Bom" (1982)
Não podia faltar a esta lista a canção com que as Doce venceram o Festival da Canção, uma pérola pop com um pé no disco e outro no malhão. O grupo participou quatro vezes naquele que durante muito tempo foi o maior certame da música nacional, primeiro em 1980 com "Doce", no ano seguinte com a canção que vem a seguir nesta lista, tendo ganho à terceira em 1982 e ainda tentando mais uma vez a sorte em 1984 com "O Barquinho da Esperança", com letra de Miguel Esteves Cardoso. Foi portanto com "Bem Bom" que triunfaram por cá e representaram Portugal no Festival da Eurovisão de 1982 em Harrogate (Inglaterra) vestidas de mosqueteiras. Por lá ficaram pelo 13.º lugar mas a actuação deixou a sua marca na história do evento. (Por exemplo, na gala que se realizou este ano em honra do 60.º aniversário da Eurovisão, a única referência a Portugal foi um excerto da performance das Doce). E claro, está em Portugal, "Bem Bom" continua a ser uma das nossas canções eurovisivas mais populares de sempre e não há tuga que não tenha trauteado o refrão "Uma da manhã/ Ei! Bem bom, duas da manhã./ Bem bom, já três da manhã./ Ei! Bem bom, quatro da manhã/Bem bom, cinco da manhã./ Ei! Bem bom, já seis da manhã./ Bem bom, sete da manhã. / Ei! Bem bom, oito da manhã. / Bem bom, café da manhã para dois sem saber o que irá depois./Bem bom." Em 2003, uma nova versão do tema foi usada para promover mais um álbum best of, "Doce Mania", que reunia os principais hits das Doce e novas remisturas e em 2008, Rui Reininho fez uma inesperada e curiosa versão para o seu primeiro álbum a solo.
Actuação no Festival da Eurovisão de 1982:
#3 "Ali Babá (Um Homem Das Arábias)" (1981)
Mais um dos grandes hits do grupo. "Ali Babá (Um Homem Das Arábias)" foi o tema com que as Doce concorreram ao Festival da Canção de 1981, e como se impunha, actuaram vestidas de odaliscas. Ficaram-se desta vez pelo quarto lugar mas o tema fez bastante sucesso e é daqueles que vem logo a memória quando se fala nas Doce e que toda a gente já trauteou. Tudo graças a uma fusão de sons orientais com batida pop, o refrão básico e repetitivo "Ali Babá, Babá Bali" e claro, mais uma letra em que as quatro entoavam em uníssono versos como: "Fui a tua serpente tão enfeitiçada, com música mágica na tua flauta encantada". Recordo-me que na dobragem portuguesa do Dragon Ball Z, houve altura em que a personagem do Bubu, interpretada por Joaquim Monchique, fazia negaças a Songoku e companhia cantando: "Ali Bubu, Bubu Buli..."
Actuação no programa "Eu Show Nico":
#2 "Amanhã De Manhã" (1980)
Foi o primeiro single das Doce, mesmo no início da década, e marcou o padrão do repertório do quarteto: batida dançável, letra sobre os prazeres do amor a dois e refrão pegadiço. E o resto foi história. Mais uma vez, não haverá ninguém neste país que nunca resistiu a cantar o refrão: "Vamos acordar e ficar a ouvir/ A rádio no ar, a chuva a cair./ Eu vou-te abraçar e prender-te então/ No corpo que é meu, na cama, no chão/ Os nossos lençóis, a colcha de lã/ Eu vou-te abraçar amanhã de manhã." O tema teve um breve ressurgimento em 2003, não só pela sua inclusão na já referida compilação "Doce Mania" editada nesse ano, mas também por fazer parte da banda sonora da telenovela da TVI "Queridas Feras", nomeadamente nas cenas da personagem interpretada por Inês Castelo Branco. E em 2007, num momento único, Teresa Miguel, Fá Padinha e Lena Coelho reuniram-se para cantar "Amanhã de Manhã" no programa "Febre de Sábado de Manhã".
Actuação no programa "O Tal Canal":
#1 "Starlight" (1983)
Surpreendidos com esta minha escolha para o n.º 1? Certo, não será das canções da Doce que vêm logo à mente, mas é a minha preferida. Após a participação no Festival da Eurovisão de 1982, surgiram vários convites para actuações no estrangeiro, em países como Espanha, Brasil e Estados Unidos. Como tal, visando uma eventual projecção internacional, as Doce gravaram alguns temas em inglês. Um deles é este "Starlight" do qual não me recordava na altura mas que mais tarde descobri e tornou-se a minha canção favorita das Doce. Basicamente, é a canção que os ABBA e os Ultravox fariam se alguma vez juntassem esforços. Para quem não conhece este tema, recomendo vivamente a sua audição.
Actuação no programa "O Foguete":
Além dos quatro membros oficiais, havia ainda uma Doce suplente, que não era ninguém menos que Fernanda Sousa (Ágata), que substituiu Lena Coelho durante a gravidez desta e depois Fá Padinha, quando esta anunciou em 1986 a sua saída do grupo para uma tentativa carreira a solo. O fim das Doce deu-se em 1987 com o lançamento do álbum best of "Doce 1979-1986" que reunia os singles do grupo e alguns temas inéditos e com uma emotiva actuação final em televisão no "Clube Amigos Disney". E depois? Como é sabido, Fá Padinha foi a primeira esposa do primeiro ministro Pedro Passos Coelho, de quem teve uma filha. Laura Diogo dedicou-se ao outro lado da indústria musical, utilizando a sua experiência nas suas funções de manager nas doce, agenciando artistas como os Sitiados e Sara Tavares e co-apresentou algumas sessões do programa da RTP "Os Reis do Estúdio" com Luís Varatojo e vive já há vários anos nos Estados Unidos onde exerce psicologia. Lena Coelho esteve envolvida em vários projectos musicais (do pop/rock da banda "Lena Coelho & Sucesso" ao fado, seguindo as pisadas da sua mãe, a fadista Helena Tavares) e de representação (no teatro de revista e séries televisivas como "Ricardina & Marta" e "O Bairro da Fonte") e em 2007, formou uma versão júnior das Doce, as Doce Mania, que chegaram a actuar no Rock In Rio de 2008. Teresa Miguel continua a cantar esporadicamente e sempre que os media querem relembrar as Doce, ela marca sempre presença. Nessas entrevistas, Teresa revela amiúde que ainda se surpreende como passados tantos anos, a música e o legado das Doce continua tão vivo e a conquistar novas gerações.
"Rainy Day/O Barquinho da Esperança", actuação no programa "Clube Amigos Disney":
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