por Paulo Neto
Os anos 90 veriam profundas mudanças na Europa, que a queda do Muro de Berlim em 1989 já prenunciava. E o primeiro Festival da Eurovisão da década parecia reflectir isso, pois muitas das canções abordavam de uma maneira ou de outra os ventos de mudança que sopravam no Velho Continente.
Na virtude do grupo croata Riva ter vencido a edição do ano anterior, o 35.º Festival da Eurovisão realizou-se no Vatroslav Lisinski Concert Hall em Zagreb, capital da então república jugoslava da Croácia, a 5 de Maio de 1990. (Este foi portanto um dos últimos fogachos da Jugoslávia idealizada pelo Marechal Tito antes da sua sangrenta fragmentação nos anos seguintes.) Os apresentadores foram Helga Vlahovic-Brnobic e Oliver Mlakar. Curiosamente, os 22 países países participantes eram exactamente os mesmos que tinham participado no ano transacto em Lausanne.
Esta foi a primeira edição do Festival a ter uma mascote oficial, o Eurocat, um gato roxo que surgia num pequeno segmento animado antes de cada actuação. Como 1990 foi declarado como o Ano Europeu do Turismo, cada país mostrou antes da sua actuação um pequeno filme que pretendia mostrar as suas belezas turísticas.
A Noruega e a Finlândia partilharam este ano o sempre indesejado último lugar (de facto estes são os dois países com maior número de últimos lugares no Festival da Eurovisão).
Ketil Stokkan (Noruega) |
O norueguês Ketil Stokkan regressava ao Festival depois de em 1986 ter sido o representante do país anfitrião com o tema "Romeo" com uma actuação que só vista. Quatro anos depois, Stokkan regressou num registo bem mais sério. Como o título indiciava, o seu tema "Brandenburger Tor" ("portas de Bradenburgo") era sobre a queda do Muro de Berlim.
A Finlândia fez-se representar pelo quarteto Beat, composto pelos irmãos Kim e Janne Engblom, Tina Krausen e Tina Pettersson. Apesar do look roqueiro dos quatro e da letra subversiva, o seu tema "Fri?" ("Livre?") era um tema pop dançável. Foi a primeira vez que a Finlândia levou uma canção em sueco, que é a outra língua oficial do país, algo que só se repetiu em 2012.
Os dois países nórdicos dividiram o último lugar com oito pontos. Nem a habitual vantagem de terem sido os últimos a actuar resultou com os finlandeses.
Christos Callow (Grécia) |
Portugal não teve muito melhor sorte já que, como é frequente, a nossa canção foi virtualmente ignorada pelos outros países. Este ano, fomos representados pela cantora Nucha e o tem "Sempre (Há Sempre Alguém)" após vencer um Festival da Canção que teve a participação de nomes como Toy, Jorge Fernando, Os Afonsinhos do Condado e Cristina "Kika" Paço D'Arcos, que na altura pretendia ser a Xuxa portuguesa. Para não fugir à tendência dessa ano, a letra da canção portuguesa falava também da liberdade que os países um pouco por todo o mundo, nomeadamente os da Europa da Leste, lutavam então para alcançar, comparando com aquela que Portugal conquistou no 25 de Abril. A canção foi escrita por Luís Filipe e Jan van Dijk e orquestrada por Carlos Alberto Moniz. Para a história ficou também a genial ideia de enfeitarem o vestido de Nucha com notas musicais em cartolina. Portugal recebeu somente 7 pontos do Luxemburgo e 2 do Reino Unido, ficando-se pelo 20.º lugar. Porém esta participação na Eurovisão tornou definitivamente Nucha num nome conhecido do grande público e continua a ser uma das referências do repertório da cantora natural de Águeda.
Com 11 pontos, a Grécia classificou-se na posição imediatamente acima de Portugal. O representante helénico foi o cantor e actor ateniense Christos Callow, acompanhado do grupo Wave. Em vez dos temas importantes abordados por outros países, a Grécia apostou num tema romântico, "Horis Skopo" ("sem uma razão").
Com 11 pontos, a Grécia classificou-se na posição imediatamente acima de Portugal. O representante helénico foi o cantor e actor ateniense Christos Callow, acompanhado do grupo Wave. Em vez dos temas importantes abordados por outros países, a Grécia apostou num tema romântico, "Horis Skopo" ("sem uma razão").
Kayahan (Turquia) |
Rita (Israel) |
Turquia e Israel trouxeram, como era habitual, um toque de exotismo. A israelita Rita Kleinstein fez uma interpretação sensual do tema "Shara Barkhovot" ("cantando nas ruas"), terminando ajoelhada no chão. Apesar disso, ficou-se pelo 18.º lugar com 16 pontos. Rita, que nasceu no Irão, continua a ser uma cantora muito popular em Israel. Foi ela a voz da Pocahontas da Disney na versão hebraica.
Infelizmente, o turco Kayahan Açar faleceu no passado dia 3 de Abril aos 66 anos. Foi ele o representante da Turquia em Zagreb com o solarengo tema "Gözlerinin Hapsindeyim" ("preso no teu olhar"), que foi 17.º com 21 pontos.
Edin-Adahl (Suécia) |
Uma das minhas canções preferidas desse ano foi a da Suécia, "Som En Vind" ("como um vento") interpretada pelo quarteto Edin-Adahl. O grupo era composto por dois pares de irmãos, Bertil e Lasse Edin e Frank e Simon Adahl, que actuavam juntos desde 1977. Ficaram em 16.º lugar com 24 pontos.
A Holanda também apostou numa aliança familiar com o duo Maywood, composto por Karen May e Alice Wood, nomes artísticos das irmãs Dorte e Alle De Vries. As Maywood tinham conhecido algum sucesso internacional no início dos anos 80, com hits como "Late At Night". À Eurovisão, levaram a balada "Ik Will Alles Met Je Delen" ("quero partilhar tudo contigo"), que foi tido como uma das canções favoritas. No entanto, os Países Baixos ficar-se-iam pelo 15.º lugar com 25 pontos.
Anastasio (Chipre) |
Céline Carzo (Luxemburgo) |
Haris Anastasiou participara na actuação cipriota de 1987 como bailarino. Três anos depois, teve a oportunidade de mostrar o que valia como cantor ao representar Chipre com o tema "Milas Poli" ("tu falas demais"), um tema bem mexido que soava a algo feito pelos Stock-Aitken-Waterman. Ficou em 14.º lugar com 36 pontos.
Uma posição acima, com mais dois pontos, ficou o Luxemburgo, nesse ano representado por uma jovem cantora francesa, Céline Carzo, com o tema "Quand Je Te Rêve" ("quando sonho contigo").
Egon Egemann (Suíça) |
Philippe Lafontaine (Bélgica) |
Na altura, o cantor belga Philippe Lafontaine gozava de grande popularidade nos países francófonos graças ao seu hit de 1989 "Coeur De Loup". Por isso, não foi de estranhar que a Bélgica lhe tivesse seleccionado como o representante daquele país na Eurovisão. O seu tema era uma balada dedicada à sua esposa, cujo título "Macédomienne" era um jogo de palavras entre "macédoinienne" ("macedónia", a origem da dita esposa) e "mienne" ("minha"). A Bélgica obteve o 12.º lugar com 46 pontos.
Imediatamente acima, com 51 pontos, ficou a Suíça, representada por Egon Egnmann. Além de cantar, Egemann mostrou os seus dotes de violinista no tema "Musik Klingt In Die Welt Winhaus" ("a música ressoa pelo mundo").
Daniel Kovac e Chris Kempers (Alemanha) |
Simone (Áustria) |
A Áustria foi outro dos países que levou uma canção sobre a queda do Muro de Berlim e o título "Keine Mauer Mehr" ("muros nunca mais") não deixava dúvidas. A interpretar o tema esteve a jovem Simone Stelzer, então com 20 anos. Originalmente tinha sido outra canção a ganhar a pré-selecção austríaca, mas quando se descobriu que esse tema não era original, Simone teve a oportunidade de ir em Zagreb onde a sua beleza deu nas vistas. A Áustria ficou em 10.º lugar com 58 pontos. Simone continua a ser uma cantora popular no seu país e anos mais tarde, pousou para a Playboy alemã.
E eis-nos chegados ao país do dito muro, a Alemanha que em Outubro desse ano reunificaria as suas duas repúblicas. Os representantes alemães foram Chris Kempers e Daniel Kovac com o tema "Frei Zu Leben" ("livres para viver"). O autor da canção era Ralph Siegel, famoso por compor diversas canções para Eurovisão, nomeadamente a canção vencedora de 1982. Para este ano, Siegel apostara no dueto entre Kempers, que vira num programa de televisão a imitar Jennifer Rush, e Kovac, nascido na Eslovénia sendo portanto jugoslavo, para defenderem a sua canção. Embora não fizesse referências directas, era fácil descobrir na letra uma alusão à liberdade que os alemães de Leste alcançaram com a queda do Muro. A Alemanha ficou em nono lugar com 60 pontos.
Tajci (Jugoslávia) |
Lonnie Davantier (Dinamarca) |
Igualmente animada foi a canção da Jugoslávia que ficou em sétimo lugar com 81 pontos. A representante do país da casa foi a croata Tatjana Matejas, conhecida como Tajci. Com um visual a lembrar Marilyn Monroe, interpretou "Hajde Da Ludujemo" ("vamos ser loucos"), que eu na altura retive a parte em que ela dizia "cho-co-la-ta". Alguns anos mais tarde, Tajci mudou-se para o Estados Unidos onde reside actualmente, tendo adquirido nacionalidade americana.
Emma (Reino Unido) |
Stjornin (Islândia) |
Foi em 1990 que foi estabelecida a regra que fixou em 16 anos a idade mínima dos cantores participantes no Festival da Eurovisão (quiçá porque no ano anterior os representantes de França e Israel tinham apenas 11 e 12 anos). Apesar disso, a galesa Emma Booth de quinze anos foi autorizada a participar como representante do Reino Unido com o tema "Give A Little Love Back To The World". O tema falava sobre a preocupação pelo futuro e como a humanidade estava a esgotar os recursos do planeta. Emma foi acompanhada com um coro de cinco vozes, que incluía Miriam Stockley, cantora conhecida pela sua colaboração no projecto Adiemus e na banda sonora do filme "O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel". A canção britânica ficou em sexto lugar com 87 pontos.
No ano anterior, a Islândia tinha ficado em último lugar com zero pontos mas em 1990, este país nórdico conseguiu o seu melhor resultado até então ficando em quarto lugar (124 pontos), graças ao tema "Eitt Lag Enn" ("mais uma canção") interpretado pelo duo Stjórnin. O duo era formado por Gretar Orvarsson e Sigridur Beinteinsdottir, mais conhecida como Sigga. Gretar e Sigga tiveram uma interpretação animada e descontraída da canção que convenceu a Europa, nomeadamente Portugal que deu 12 pontos à Islândia. Sigga e Grétar regressariam mais vezes à Eurovisão pela Islândia: em 1992, os dois integraram o quarteto Heart2Heart, em 1994 Sigga participou com um tema a solo e Gretar fez parte do coro da canção islandesa de 2008.
Azúcar Moreno (Espanha) |
No quinto lugar, entre Reino Unido e Islândia, com 96 pontos, ficou a Espanha que nesse ano foi representado pelo conhecido duo flamenco Azúcar Moreno, das irmãs Toñi e Encarna Salazar. Foram precisamente a elas que coube abrir o desfile das canções, actuando em primeiro lugar, mas antes disso protagonizaram um dos mais famosos fails da história do Festival. Devido a um erro de sonoplastia, a faixa pré-gravada da canção, embora se ouvisse na transmissão televisiva, não se ouvia em palco pelo que as irmãs Salazar, a sua banda e a orquestra passaram por algum tempo parados em palco sem saber o que se passava, terminando com Toñi e Encarna a saírem do palco entre confusas e irritadas. Mas após essa falsa partida, a segunda tentativa decorreu sem problemas e as Azúcar Moreno defenderam com bastante salero o tema "Bandido". As duas continuariam a sua carreira de sucesso nos anos vindouros, nomeadamente em 1996 com o álbum "Esclava De Tu Piel" e o seu maior hit em Portugal "Solo Se Vive Una Vez". Em 2007, foi anunciada uma paragem na actividade musical do duo para que Encarna pudesse tratar de um cancro da mama, tendo regressado em 2014.
Liam Reilly (Irlanda) |
Joelle Ursul (França) |
A França e a Irlanda empataram no segundo lugar com 132 pontos. Liam Reilly foi o representante irlandês com o tema "Somewhere In Europe". Não, não era sobre o muro de Berlim, como seria de esperar, mas simplesmente sobre um romance durante uma viagem na Europa. Liam Reilly regressaria ao Festival no ano seguinte como compositor da canção irlandesa.
Oriunda da ilha de Guadalupe, Joelle Ursul foi a representante francesa com o tema "White & Black Blues", da autoria do célebre Serge Gainsbourg (que viria a falecer no ano seguinte). Como o título deixa adivinhar, era um tema com mensagem anti-racista. Acompanhada por bailarinos e percussionistas que tocavam em bidons, Joelle trouxe as sonoridades caribenhas para Zagreb. Joelle Ursul continua bastante activa na cena musical de Guadalupe.
Toto Cutugno (Itália) |
No final das votações, a vitória acabou por sorrir à Itália que somou 149 pontos. Vinte e seis anos depois do triunfo com o célebre "No Ho L'Etá" na voz de Gigliola Cinquetti, a Itália voltava a vencer o Festival da Eurovisão. O cantor toscano Toto Cutugno era já um nome firmado da música italiana, com uma carreira que vinha desde 1976 e que teve em 1983 o seu momento mais sonante com o hit "L'Italiano" (também conhecido como "Lasciate mi cantare"). Para não fugir à temática mais predominante neste ano, também o tema italiano "Insieme: 1992" falava das transformações que a Europa iria ter nos anos vindouros, nomeadamente a abolição das fronteiras entre os países membros da União Europeia, apelando a uma união dos diversos povos europeus. (Nobres ideais infelizmente postos em causa na Europa pelas razões que se conhecem). Cutugno foi acompanhado no coro pelos membros do grupo esloveno Pepel I Kri, que em 1975 tinham sido os representantes jugoslavos no Festival. Durante as votações, foi bem visível o nervosismo de Toto Cutugno, que suava de tal forma que estragou o casaco branco com que actuara em palco, tendo-o substituído por um casaco preto quando regressou ao palco para o momento de consagração. Outro acontecimento inédito foi o facto de Toto Cutugno, durante a reprise da canção vencedora, ter descido do palco e cantado a sua canção no meio da assistência. Toto Cutugno viria a apresentar o Festival da Eurovisão do ano seguinte em Roma com Gigliola Cinquetti.
Festival da Eurovisão de 1990 (transmissão da RTP):
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