Com Portugal mais uma vez prestes a escolher uma canção a levar ao Festival da Eurovisão, após a ausência em 2013, nada como deitar mais um olhar retrospectivo a essa instituição que é o Festival RTP da Canção nos seus tempos áureos. O David Martins já deu o mote aqui na "Enciclopédia" ao enumerar o seu top 5 das canções vencedoras. Já eu proponho fazer um top 6 das canções mais cromas que passaram pelo Festival, em minha opinião.
Antes de começar, importa fazer alguns reparos em jeito de preâmbulo. Primeiro, lá porque uma canção seja considerada croma, não quer dizer necessariamente que seja de má qualidade. Algumas das canções nesta lista estão longe de ser más e quiçá algumas delas até seriam uma proposta interessante para Portugal na Eurovisão. Simplesmente, para o melhor ou para pior, estas canções destacaram-se pela sua invulgaridade, quer a nível da sonoridade, letra ou actuação em palco. Segundo, como já teve direito ao seu próprio cromo, não está incluída a lendária canção do Festival de 1983 "Ave do Paraíso" de Tessa.
Terceiro, gostava de referir algumas menções honrosas que também podiam estar na lista: "Banha de Cobra, Estica e Não Dobra" Broa de Mel (1982), "A Casa da Praia" Delfins (1985), "É do Stress" Mário Mata (1987), "Com Muito Amor" Emanuel (1991) e "Top Model - Check In, Check Out" João Portugal (1996).
#6 1994 "Desculpa Lá O Mau Jeito" Blue Tom Tom
1994 foi um dos raros anos com direito a semifinais, a primeira tendo lugar no Teatro São João no Porto e a segunda no Teatro São Luís em Lisboa, onde também se realizou a final. Logo na primeira semifinal, ficou claro que o "Chamar a Música" da Sara Tavares seria de longe a favorita (confirmando na final ganhando com a pontuação máxima), mas antes disso, a primeira canção a subir em palco foi o primeiro tema rap a ser apresentado no Festival, "Desculpa Lá O Mau Jeito" do grupo Blue Tom Tom, que incluía duas irmãs gémeas, Paula e Isabel Branco que também eram autoras do tema. Claro que para o Portugal de 1994, isto era muito à frente e nunca teria hipóteses de se qualificar para a final, quanto mais ganhar, mas ficou para a história a actuação descomplexada do sexteto, que em momentos mais parecia envolvido numa jam session entre amigos do que numa actuação em público.
Verso mais cromo: "A letra que se lixe, o quarto do Manhão serve p'ra chonar"
#5 1993 "Pó de Melhorar" Até Jazz
Para o Festival de 1993, vinte canções passaram pelo programa de Júlio Isidro "Sons do Sol", submetendo-se à avaliação de um júri composto por Carlos Mendes, Fernando Tordo, João Filipe Barbosa, Dulce Pontes e Rita Guerra para escolher as oito canções que seguiriam para o Festival a realizar no Teatro São Luís. Uma das canções eliminadas gerou polémica não pela canção em si, mas pela roupa da intérprete Ana Paulino e pela disparidade de pontuações do júri (Carlos Mendes deu 12 pontos, Rita Guerra deu só um).
De entre as oito canções apuradas (com "A Cidade Até Ser Dia" de Anabela a acabar por vencer de forma indiscutível), a mais croma era "Pó de Melhorar" defendida pelo grupo Até Jazz. Apesar do ritmo animado e da letra divertida, não escapou ao último lugar. Gosto particularmente como a certa altura, além dos dois vocalistas, surge uma voz cavernosa a repetir a última palavra de cada verso.
Verso mais cromo: "Primeiro fui cavalo, depois promoveu-me a burro." #4 1979 "Uma Canção Comercial" SARL
Em 1979, o Festival da Canção ainda era pautado pela formalidade e solenidade, mas no mesmo ano em que Manuela Bravo fez subir o seu balão, a canção que ficou em terceiro lugar rompeu com os cânones. "Uma Canção Comercial" não só tinha uma letra interessante, precisamente sobre o que é preciso para escrever uma canção que sirva para ganhar o Festival e agradar à Eurovisão, como teve direito a uma actuação de uma irreverência que não se tinha visto antes. Desde os vocalistas (Pedro Osório, Carlos Alberto Moniz e Samuel) a manejar os casacos aos movimentos das cantoras do coro, foi sem dúvida uma actuação bem colorida, mesmo que filmada a preto e branco.
Verso mais cromo: "Eu tenho de arranjar do pé para a mão, alguns acordes mais ou menos geniais."#3 1984 "A Padeirinha de Aljubarrota" Banda Tribo
O Festival de 1984 contou com a presença de vários nomes conhecidos em competição: António Sala, Paco Bandeira, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Adelaide Ferreira, as Doce e Rita Ribeiro. A vitória acabaria por sorrir a Maria Guinot com "Silêncio e Tanta Gente".
Mas sem dúvida que a canção mais animada foi a da Banda Tribo com "A Padeirinha de Aljubarrota", um tema neo-romântico, louvando essa figura da história de Portugal que é Brites de Almeida. E como tal, o grupo surgiu vestidos como pajens medievais e Ana Sofia Cid (sim, a filha do José) de padeira. Se tivessem ganho, será que Espanha nos daria pontos na Eurovisão? Ou ainda se lembraria de como Brites de Almeida pôs uns quantos castelhanos a arder no forno?
Verso mais cromo: "Eram sete padeirinhas de Aljubarrota que brincavam divertidas numa cambalhota."
#2 1990 "Terceiro Milénio" Kika
Mesmo com a presença dos sempre esgrouviados Afonsinhos do Condado e de uma canção com o título "Ele É Um Playboy", sem dúvida que o momento mais cromo do Festival de 1990 foi aquele protagonizado por Cristina Paço D'Arcos, que na altura respondia pelo nome Kika e aspirava a ser a Xuxa portuguesa, adaptando a imagem e o imaginário da conhecida cantora-apresentadora brasileira.
Apesar de algumas parecenças físicas, não é Xuxa quem quer e a Kika faltava-lhe um pouco de talento vocal, pelo que quando subiu ao palco do Festival para interpretar "Terceiro Milénio", tema com letra de cariz ecológico, o resultado foram três minutos caóticos. Kika e os seus acompanhantes não pararam um segundo em palco como se assim conseguissem sacudir o óbvio embaraço. Sem surpresas, a canção ficou em último lugar, com a vitória a ir para "Há Sempre Alguém" de Nucha que, tal como muitas canções do Festival da Eurovisão desse ano, era sobre a queda do Muro de Berlim no ano anterior.
Verso mais cromo (tendo em conta a canção e actuação): "Não, não, ao assassínio das baleias" #1 1986 "Os Tigres de Bengala" Trabalhadores do Comércio
O Festival de 1986, intitulado "Uma Canção Para a Noruega" foi sui generis, pois em vez de actuações ao vivo no mesmo local, foram apresentadas actuações gravadas das doze canções, nos estúdios da RTP dos Açores, da Madeira, do Porto e de Lisboa. Também se desconhecem os resultados à parte das três canções finalistas e da vitória de Dora com "Não Seja Mau P'ra Mim".
Está certo que a própria Dora também teve o seu lendário momento cromo actuando na Eurovisão com uma saia verde-alface e botas Doc Martens, mas como seria se tivesse sido antes escolhida uma outra canção finalista, "Os Tigres de Bengala" dos Trabalhadores de Comércio. A julgar pela divertida actuação que foi para o ar, com a banda de "Chamem a Polícia" vestida de telegrafistas dos anos 20 em alegre coreografia acompanhados por duas flappers, algo me diz que Portugal iria ainda ficar mais na retina dos telespectadores europeus. Isto para além da banda incluir em destaque o seu membro júnior João Médicis, que era da mesma idade da belga Sandra Kim, que venceu a Eurovisão nessa ano.
Verso mais cromo: "Tenho que ir bem arreado e estar atento à cachopa do lado."
Para mais informações sobre a história do Festival da Canção, recomendo este site: http://festivais.home.sapo.pt/
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