por Paulo Neto
Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi o "Borrow" dos Silence 4.
Foi ao ouvir na Antena 3 a gala dos Prémios Blitz 1997, algures em Março de 1998. Durante a segunda metade dos anos 90, estes prémios, promovidos pelo mítico jornal semanário dedicado à música (hoje em dia convertido em revista mensal), foi o mais parecido que Portugal teve com uns Brit Awards ou uns Grammys. Em cada ano que a iniciativa durou, teve lugar uma gala de entrega de prémios no Coliseu dos Recreios com várias actuações. Nessa mesma cerimónia de 1998, até havia uma actuação de uma estrela internacional na pessoa de Ben Harper.
Ora uma das primeiras actuações dessa noite foi de uma banda de Leiria que estaria longe de imaginar que apenas alguns meses mais tarde, com a edição do seu álbum de
estreia, irá conhecer um sucesso a uma escala de proporções raramente vistas no
panorama musical português.
Formados em
1995, os Silence 4 não demoraram a impressionar vencendo nesse mesmo ano o
Festival Termómetro Unplugged (no ano anterior os vencedores foram os Blind Zero)
e um dos seus primeiros registos em disco surgiu na compilação de 1997 “Sons de
Todas as Cores”, na forma de uma versão de “A Little Respect” dos Erasure, que
não tardaria a ser um dos seus mais célebres hits (e que em Portugal, até
ultrapassou a versão original em popularidade).
Foi também pegando numa canção existente, o refrão de "One Of Us" dos ABBA, que os Silence 4 iniciaram, à laia do prefácio, a sua actuação de "Borrow" nesses Prémios Blitz. Seguiu-se uma introdução em guitarra e eis que a voz de David Fonseca arrancou com um "You're never with me, you're never near me...". agarrando a minha total atenção para nunca mais a largar. Juntou-se depois a voz de Sofia Lisboa primeiro em harmonia, depois ouvindo-se isolada na recta final ("It may seem a little hollow, but I will try again tomorrow..."). Terminada a canção fiquei abismado e pensei: "Esta canção e esta banda merecem ter um grande sucesso." Oxalá fosse assim tão fácil para mim prever os números dos Totoloto.
O Verão de 1998
seria marcado em Portugal por duas combinações de uma palavra com um número:
Expo 98 e Silence 4. Em Junho, com o álbum de estreia “Silence Becomes It” nos
escaparates e com “Borrow” a rodar amplamente nas rádios e o respectivo
videoclip no recém-criado Sol Música da TV Cabo, a banda vê-se a braços com um
êxito colossal, que decerto nem nos seus melhores sonhos teria imaginado. Os discos de
platina e semanas no n.º 1 do top de álbuns sucedem-se, os concertos e as
aparições em programas de televisão multiplicam-se. Canções como “Borrow”, o já
referido “A Little Respect”, “My Friends”, “Angel Song”, “Old Letters” e “DyingYoung” andam nas bocas do povo. Não há cidade, certame ou evento que não queira
requisitá-los para um concerto.
O sucesso explica-se - dentro daquilo que algo assim poderá ser explicável - com canções bem produzidas (Mário Barreiros, ex-Bandemónio, começava a ser um produtor de nome firmado), uma sonoridade semi-acústica que tanto podia ser alegremente expansiva como sedutoramente introspectiva, e uma saborosíssima conjugação da voz máscula e emotiva de David Fonseca com a voz angelical e serena de Sofia Lisboa, sem esquecer evidentemente uns exímios Tozé Pedrosa na bateria e Rui Costa no baixo. (Para o público feminino, o facto de David Fonseca não ser nada feio também não prejudicou nada.)
Os Silence 4 também têm o mérito de encabeçar uma pequena grande revolução no panorama musical português, a par de bandas como os The Gift e os Belle Chase Hotel, que também se estrearam em disco nesse ano de 1998. Salvo alguns casos pontuais (Teresa Maiuko, Joker, Blind Zero), resistia ainda uma certa noção de que cantar em inglês em Portugal era um atentado à pátria, mas a qualidade do repertório dos Silence 4 (que incluía duas canções em português), bem como o das outras bandas referidas, era tão inegável que esse preconceito acabou por ceder. Até o simples facto das três bandas serem originárias da zona Centro (Leiria, Alcobaça, Coimbra) em vez da habitual dicotomia Lisboa-Porto teve o seu quê de inovador.
Os Silence 4 apenas perdurariam por mais três anos e para um segundo álbum, “Only Pain Is Real”, de 2000 (que
ainda assim também foi campeão de vendas). Em 2003, David Fonseca iniciou uma
igualmente frutuosa carreira a solo que o solidificou como um dos melhores
intérpretes e compositores que este país viu nascer. Em 2014, para alegria dos fãs, o grupo reuniu-se a título excepcional para um breve série de concertos sob repto lançado por Sofia Lisboa, após esta ter recuperado de uma leucemia. Os concertos e uma reedição do material da banda têm permitido aos fãs matar saudades e conquistar uma nova geração.
Sempre achei que o mal dos
Silence 4 (e por conseguinte, de David Fonseca, the solo artist) foi terem
nascido em Portugal. Fossem eles de qualquer outro país da Europa Ocidental, e
talvez “Borrow” fosse hoje um clássico internacional dos anos 90. Mas pronto, ficou um
clássico só nosso, um daqueles temas que marca uma geração tuga. E a verdade é
que ainda sabe tão bem ouvi-lo.
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